Por que os estudantes se apaixonam pelo Penal e se casam com o Civil?
Prezado(a) leitor(a), certamente você já ouviu esta frase: todos se apaixonam pelo Penal, mas se casam com o Civil. Neste artigo, pretendo demonstrar os motivos dessa afirmativa e, principalmente, explicar como é possível superá-los.
Deixo claro, desde já, que não estou criticando os advogados que atuam em outras áreas. Na verdade, todos os advogados, em todas as áreas, são de enorme importância para o acesso pleno à justiça. O meu objetivo se resume a identificar as causas desse “afastamento forçado” em relação ao Direito Penal, tentando ajudar todos os amantes dessa área a superar os obstáculos que os impedem de seguir atuando exclusivamente nessa especialidade.
Sempre preferi lecionar para alunos que estavam iniciando a faculdade. Normalmente, eu sou o primeiro professor de uma matéria jurídica (Direito Penal I), o que deixa os alunos empolgados com a análise de casos práticos.
De fato, é sobre o Direito Penal que mais nos informamos. As notícias são sobre Direito Penal, assim como os comentários das mesas de bares. Dificilmente há alguma notícia sobre algum caso real de Direito Civil, Tributário, Previdenciário ou Trabalhista. O clamor público está no Direito Penal.
Com o tempo, comecei a ver que ex-alunos apaixonados pela área Penal buscavam estágios em escritórios de advocacia com atuação no Direito Civil ou do Trabalho, deixando totalmente de lado o Direito Penal. Somente depois comecei a perceber os motivos dessas escolhas.
Atualmente, há cerca de 1 milhão de advogados no Brasil. Se considerarmos o número de bacharéis em Direito sem a carteira da OAB, o número é ainda mais assustador. Em razão desses números, há uma tendência de que os novos advogados sigam caminhos diferentes da sua paixão inicial.
Há inúmeros motivos para que grandes amantes do Direito Penal se tornem advogados casados – ou em união estável – com outras áreas, mas tentarei enumerar alguns.
O início de carreira, principalmente na advocacia, é sempre muito difícil. Temendo por dificuldades financeiras futuras – ou mesmo atuais -, os novos advogados começam a atuar nos mais diversos ramos do Direito, fazendo uma clínica geral. Com o passar do tempo, não conseguem sair desse ciclo, ficando cada vez mais envolvidos com inúmeros pequenos processos de muitas áreas, e não muitos processos grandes de uma área.
Consequentemente, por terem muitas áreas de atuação e de estudos, jamais serão os melhores dessas várias áreas – ou de alguma delas -, o que os impedirá de elevar os honorários. Em outras palavras, precisam negociar honorários baixos porque não são especialistas e não conseguem se tornar especialistas porque precisam atuar em várias áreas concomitantemente para conseguirem sobreviver. É um ciclo difícil de romper.
Em virtude disso, acredito ser importante que os apaixonados pelo Direito Penal estabeleçam, desde o início da carreira, que são especialistas nessa área e entendem muito pouco sobre as outras. Aliás, uma das principais formas de demonstrar que sou especialista na área Penal é quando digo, categoricamente, que não sei nada de Trabalho, Previdenciário ou disciplinas parecidas.
Outro ponto que leva os advogados – anteriormente estudantes apaixonados pelo Direito Penal – para o Direito Civil é o fato de que, no início, surgem muito mais casos cíveis, trabalhistas ou previdenciários do que criminais. Há uma razão para isso: o cliente criminalista tem receio pela sua liberdade e, em virtude disso, procura advogados que atuam com um foco maior na área criminal (os especializados, portanto). Assim, o advogado no início de carreira atua em poucos casos criminais e passa a ser reconhecido como um “clínico geral”, característica difícil de abandonar no futuro.
Outra questão importante se refere aos concursos públicos. Seja por sonho, seja por estar buscando estabilidade ou mesmo por influência de familiares e amigos, a maioria dos bacharéis em Direito decide tentar os concursos públicos. Contudo, para se manterem durante a preparação, decidem advogar a curto prazo. Portanto, “estão advogados” enquanto tentam “ser concursados”.
Considerando as inúmeras disciplinas jurídicas que caem nos concursos (alguns concursos têm mais de 20 disciplinas), o advogado divide o seu tempo de estudos entre as mais diversas matérias (Penal, Civil, Tributário, Administrativo etc.), utilizando parte do seu tempo para a advocacia. Novamente, fica sendo um advogado que atua em todas as áreas e um estudioso, por necessidade (e para o concurso), de todas as disciplinas.
O concurseiro precisa ter um conhecimento que seja um oceano de um palmo (saber o suficiente de todas as disciplinas), enquanto o criminalista especializado precisa de um conhecimento que seja um copo d’água mais profundo do que qualquer oceano. Essa incompatibilidade impedirá que o advogado concurseiro se torne um especialista ou, no mínimo, dificultará substancialmente.
Assim, a preparação para concursos faz com que muitos advogados se tornem generalistas e, enquanto não são aprovados, não sigam um foco nem tentem um posicionamento no mercado. Outro problema que surge com isso é a falta de vontade dos seus colegas para indicá-los: ninguém recomenda um profissional que não seja uma autoridade no assunto da recomendação, tampouco um profissional que, por atuar em todas as áreas, apresenta o risco de captar o cliente do colega indicante. Por fim, via de regra, também não se indica alguém que, cedo ou tarde, sairá da advocacia privada para um cargo público. As indicações estão na especialidade e na constância!
Fica a pergunta: como superar esses motivos e efetivamente se casar com o Direito Penal, pelo qual você sempre foi apaixonado(a)? Algumas dicas:
1) Estude Direito Penal e Processual Penal para ser, de fato, um especialista.
2) Divulgue que você entende da área criminal e que, por honestidade intelectual, não atuará em outros casos. Isso demonstrará que você não atua no que não tem pleno domínio.
3) Vá a eventos da área criminal e conviva com pessoas dessa área. Entre em grupos de estudos, associações, comissões da OAB, institutos, cursos etc.
4) Busque parcerias com escritórios Cíveis, Tributários, Trabalhistas e Previdenciários, deixando evidente, desde o primeiro contato, que você atua de forma especializada e não atenderá os clientes do escritório parceiro em outras áreas.
5) Publique frequentemente sobre Direito Penal e Processual Penal. A cada publicação, você se torna uma autoridade em determinado assunto. As pessoas tendem a considerar como profissionais altamente especializados e qualificados os opinadores e produtores de conteúdo. Não se limite a revistas científicas, que, apesar do prestígio acadêmico, possuem pouca visibilidade. Publique em sites, blogues (próprios e de terceiros), Linkedin, Facebook etc. Também faça vídeos sobre conteúdos jurídicos. Quanto maior e mais qualificada for a sua produção intelectual, mais você será reconhecido como um especialista.
6) Faça palestras. Seguindo as dicas anteriores, você começará a receber convites para palestrar em instituições, associações, universidades etc., oportunidade em que poderá demonstrar, ao vivo e olho no olho, que você é tão competente quanto demonstrou ser por meio dos seus artigos, livros e vídeos. Faça excelentes palestras e aproveite as oportunidades que surgirem. Todas as palestras que fiz até hoje, sem exceção, geraram alguma oportunidade muito importante (cliente, parceria, consultoria, convite…) em menos de 1 semana. É incrível como funciona!
Sobre a dica nº 6, há muito o que falar. Primeiro, demonstre que você está disponível para palestrar, especificando os locais e os prováveis temas. Eu, por exemplo, disponibilizo uma parte do meu site para ressaltar que faço palestras em qualquer lugar do país, desde que se trate de Direito Penal e Processual Penal, inclusive sugerindo alguns temas.
Quando fechar uma palestra, principalmente em outra cidade, defina uma agenda para o(s) dia(s) em que estiver no local da palestra. Marque um encontro com a coordenação da universidade de Direito da cidade. Talvez surja a possibilidade de palestrar nessa universidade ou fazer parte do corpo docente da pós-graduação, que tem menos aulas e não comprometerá sua agenda, além de ser um enorme prestígio.
Veja quais são os escritórios mais conceituados da cidade da palestra e agende uma visita com os sócios. Certamente, eles terão prazer de receber um palestrante forasteiro e especializado, ou seja, alguém que não é concorrente deles. Se o escritório visitado for da área criminal também, há sempre uma possibilidade de parceria para atuações conjuntas, correspondências, consultorias etc.
Resumindo, acredito que o problema de muitos se apaixonarem pelo Direito Penal e se casarem com o Direito Civil (ou outros) decorre de uma falta de planejamento a médio prazo. O caráter imediatista, decorrência do fato de que os boletos vencem hoje, e não a médio prazo, também contribui para essa preocupação que, ao final, gera um ciclo vicioso, impedindo que o advogado efetivamente se torne um especialista na área criminal.
Em suma, estabeleça, desde o início, qual rumo você quer seguir. E se o “início” já passou, estabeleça agora. Nunca é tarde para se casar com o Direito Penal, a nossa grande e eterna paixão.