Estupro carcerário: o drama de Lidiany
Estupro carcerário: o drama de Lidiany
O CRIME
Nessa semana, o crime a ser descrito não apresenta vítima fatal, mas não deixou de chocar o país, dado o gritante descaso dos agentes públicos envolvidos. Isso porque uma adolescente de 15 anos foi presa e colocada em uma cela com aproximadamente 20 homens, por cerca de 26 dias, no município de Abaetetuba (PA), período em que sofreu diversos abusos sexuais por parte de colegas de cela.
No dia 21 de outubro de 2007, Lidiany foi flagrada pelo dono da casa onde trabalhava como empregada doméstica tentando furtar alguns de seus pertences. Enfurecido com a situação, o patrão a trancou no banheiro e ligou para seu tio, Adilson Pires de Lima, investigador de Polícia, para que desse a devida correção na menor.
Ocorre que, ao chegar até a residência do sobrinho, acompanhado por dois outros investigadores, Sérgio Teixeira da Silva e Francisco Carlos Fagundes Campos, os policiais resolveram fazer um procedimento totalmente diferente do que a lei manda.
Ao invés de conduzirem a menor até a autoridade policial para que essa pudesse realizar o procedimento específico aplicável a jovens infratores, decidiram que a moça merecia uma “verdadeira” punição, e, para tanto, lhe desferiram socos nas costelas e a ameaçaram de morte, com uma arma dentro de sua boca, caso voltasse a praticar esse tipo de conduta criminosa.
Depois de atormentarem a garota, já na delegacia, a delegada plantonista, Flávia Verônica Monteiro Pereira, acreditando que a jovem tinha 19 anos e não 15 anos (pois a identidade que portava assim descrevia), lavrou os autos de prisão em flagrante e determinou a prisão da moça.
Contudo, na época dos fatos, a aludida municipalidade não possuía penitenciária feminina, razão pela qual homens e mulheres ficavam na mesma. Sem ter o mínimo de cuidado de separar a moça dos outros presos (pois todos eram do sexo masculino), os agentes a colocaram na mesma cela com, aproximadamente, 20 homens.
O absurdo não para por aqui. A jovem ficou nessas condições por 26 dias, tendo sido sexualmente abusada em todos eles, pois era chantageada a ter relações sexuais com os presos em troca de comida e materiais de higiene.
Além disso, os presos a obrigavam a se manter longe da frente da cela, para que ninguém notasse sua aparência feminina. Ocorre que essa restrição não era das mais necessárias, haja vista que todos os agentes públicos ali sabiam da situação da menor, a ponto de terem cortado, com uma faca, seu cabelo, bem curto, visando que a jovem aparentasse ser um rapaz e não uma moça, evitando desconfianças de terceiros que por ali viessem a passar, como os parentes dos outros presos.
Além dos abusos sexuais, a adolescente sofreu lesões corporais, foi queimada com isqueiros e cigarros enquanto tentava dormir.
Por ter sido abusada por vários dos presos que compunham a cela em que estava, a menor não conseguiu lembrar do rosto e nome de todos os envolvidos, recordando apenas de Beto Júnior e Rodinei Leal (conhecido como “cão”).
Enquanto isso, dois dias depois da captura, ou seja, 23 de outubro de 2007, os autos de prisão em flagrante chegaram até as mãos da juíza, Clarice Maria de Andrade, que se limitou a assinar os autos, em nada se manifestando acerca de eventual transferência da garota para uma penitenciária feminina, mesmo sabendo que no município onde atuava não existia essa modalidade carcerária.
Em 05 de novembro de 2007, 14 dias depois da captura, ou seja, tempo em que a menor continuava presa com homens, a juíza recebeu um ofício do Tribunal de Justiça do Pará determinando a transferência da menina para um presídio feminino em Belém, em caráter de urgência, vez que Abaetetuba carecia desse tipo de estabelecimento.
A juíza determinou que seu assessor, Graciliano Chaves da Mota, respondesse o ofício. Todavia, ainda que tenha garantido que enviou a resposta via fax no dia 08 de novembro de 2007, só o fez depois de 12 dias, quando a menor já estava em liberdade e a imprensa começava a falar sobre o assunto.
O caso da menor só repercutiu quando o Conselho Tutelar interferiu, dada a denúncia que havia recebido acerca da situação de Lidiany. Assim, portando a certidão de nascimento da menor, a conselheira, Diva de Jesus, se dirigiu até a delegacia para explicar tudo o que estava acontecendo.
Contudo, o delegado Antônio Fernando Cunha não liberou a menor de imediato, justificando que necessitava de uma ordem judicial para poder cumprir tal diligência, mas tirou a jovem da cela masculina e a alocou na sala dos escrivães até o outro dia.
No dia seguinte, o pai da menor se descolou até a delegacia acompanhado de um conselheiro tutelar para, novamente, explicar toda a situação às autoridades. Na oportunidade, foram atendidos pelo delegado Rodolfo Fernando Valle Gonçalves, o qual informou que a jovem havia fugido e que não tinha notícias de seu paradeiro.
Dias depois, a moça foi encontrada rondando o cais do porto, onde revelou que chegou até lá por policiais civis, os quais lhe ameaçaram de morte e ordenaram que saísse da cidade.
O caso ganhou tanta repercussão a ponto da governadora, à época, Ana Júlia Carepa, se manifestar sobre o ocorrido, informando que os envolvidos seriam devidamente punidos, prometendo lhes afastar de seus cargos, além de ter feito um decreto proibindo a manutenção de mulheres na mesma cela penitenciária que homens.
A VÍTIMA
Em respeito à vítima que constava com apenas 15 anos na época dos fatos e sofreu crime contra sua dignidade sexual, vamos nos limitar a informar que seu nome é Lidiany e que, atualmente, é viciada em crack, sustentando seu vício fazendo programas, ainda que receba, mensalmente, dois salários mínimos, a título de indenização pelo ocorrido.
Não tem endereço certo e vive perambulando pelas ruas.
O JULGAMENTO
Todos os delegados de polícia envolvidos no caso foram exonerados.
Dois agentes de polícia também foram exonerados, sendo um absolvido, o sr. Marcos Eric Serrão Pureza.
Os investigadores de polícia, Adilson Pires de Lima e Sérgio Teixeira da Silva, foram absolvidos por falta de provas.
A juíza, Clarice Maria de Andrade, foi aposentada compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça em 2010. Todavia, em 2012, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a decisão era desproporcional, anulando-a. Em 2017, a juíza fora nomeada titular da comarca.
Os presos identificados pela menor como os responsáveis pelos abusos sexuais foram condenados a 10 anos e 8 meses por estupro e atentado violento ao pudor. Ambos continuam presos.
REFERÊNCIAS
YouTube (1), Youtube (2), Folha (1), Folha (2), Veja, G1, e Direitos.