Estupro de vulnerável: a palavra da vítima
Estupro de vulnerável: a palavra da vítima
Os entendimentos majoritários, senão absolutos, em todos os Tribunais brasileiros, destacam a palavra da vítima, no crime de estupro, como essencial e de singular validade. Isso porque na maioria das vezes esse crime é cometido sem testemunhos, ou em ambientes inóspitos, não raro a própria residência da vítima e do algoz.
É certo que a palavra da vítima, para que surta uma condenação, deve estar acompanhada de outro(s) elemento(s) probatório(s), ainda que subjetivo: uma avaliação psicológica, a palavra do/a acusado/a, a coerência discursiva e a consequente verossimilhança da alegação. Minimamente isso. O que não retira a força da exclusiva palavra da vítima para a investigação e futura condenação do/a estuprador/a em ação penal.
Um ponto de primeiro especial destaque, às vezes [inutilmente] aventado pela defesa, consiste nos fatores (i) consentimento da vítima (com ou sem um relacionamento amoroso entre as partes) e/ou (ii) prévia experiência sexual da vítima. A esse respeito já se expressou a súmula 593 do STJ, dando irrelevância a tais “justificativas”.
Outro ponto relevante e crítico em qualquer situação de estupro de vulnerável diz respeito à confiabilidade da palavra da vítima e/ou de seus familiares mais próximos defensores de sua versão do crime. Sobre esse aspecto eu gostaria de me deter um pouco mais.
Fragilidade de memória ou lembrança (um primeiro aspecto das “falsas memórias”) da criança: o comportamento infantil é deveras limitado quanto ao aspecto da sexualidade. Embora a literatura psicológica infantil aborde a possibilidade de descoberta sexual a partir de idade compatível com as fases da formação (portanto, antes mesmo do desenvolvimento) da personalidade – aproximadamente 2 anos de idade –, é certo que não se trata de uma sexualidade como a que se formará na etapa da adolescência, mediante consciência do ato.
Alienação parental e sugestionamento/implantação de “falsas memórias”: tenho visto, com especial destaque em casos de casais separados/divorciados de forma acirradamente conflituosa, um dos ex-cônjuges imputar ao outro o crime de estupro (que ganhou ampliadíssima dimensão desde a reforma do tipo penal, em 2009). Assim, um pai ou uma mãe induz e sugestiona determinado fato à criança: com uma narrativa, uma historinha, um discurso. Essa história é incorporada na criança, que repete a narrativa perante autoridade policial, psicólogo forense etc.
Os laudos psicológicos: uma das mais importantes responsabilidades em ação penal por estupro de vulnerável reside nos laudos psicológicos de avaliação da criança e dos fatos eventualmente ocorridos. Há uma técnica bem definida para extrair a “verdade” (?) da criança nesse particular. Muitas vezes o método é eficaz. Todavia, tenho observado laudos apressados, realizados em apenas uma ou duas sessões, cuja falta de aprofundamento na questão torna incapaz de retirar as camadas de sugestionamento que podem estar amalgamadas aos fatos (ou à ausência deles).
Esse é um tema que, dada à já mencionada ampliação do tipo penal de estupro, atrelada ao aumento da conflituosidade de casais com filhos pequenos que se separam, tem sido cada vez mais necessário, senão urgente.