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Ética na advocacia criminal

Ética na advocacia criminal

A atuação do advogado criminalista é muitas vezes caracterizada de forma equivocada. Para grande parte da população, o bom advogado criminalista é aquele que consegue distorcer fatos, confundir pessoas e até cometer crimes no exercício da profissão com o objetivo de conseguir o resultado desejado.  Já perdi as contas de quantas vezes me perguntaram se “a advocacia criminal é que nem How To Get Away With Murder”.

Na série, a protagonista comete uma série de ações extremamente antiéticas com o único objetivo de conseguir a absolvição de seus clientes. Na vida real, a atuação do advogado criminalista é bem diferente da série. É claro que existem casos de advogados que cometem atos antiéticos e até criminosos no exercício da profissão, mas esses profissionais são uma exceção à regra.

Alguns cometem essas ações acreditando que obterão ganhos profissionais e financeiros, mas é certo que a reputação desses advogados terá uma vida curta. Para prosperar na advocacia, é preciso atuar de forma ética.

Mas como o advogado criminalista pode atuar de forma ética? Primeiramente, o advogado deve estabelecer de forma clara que jamais vai transpor certas barreiras, tais como destruição de provas, envio de mensagens indevidas para presos, entre outras.

Cabe ao advogado cumprir aquilo que foi estipulado no contrato de honorários advocatícios e apenas isso. Permanecendo o desentendimento entre o cliente e o advogado, a melhor opção para ambos é a rescisão do contrato.

Outra questão ética que preocupa alguns estudantes de direito e, talvez até alguns advogados, é a necessidade de mentir no exercício da profissão. Quanto a isso, é interessante refletir sobre o papel do advogado em um processo. O advogado é o representante e defensor do cliente em juízo. Porém, algumas escolhas não cabem ao advogado.

Por exemplo, o advogado pode orientar o seu cliente sobre as vantagens e desvantagens de confessar o delito. Porém, a escolha final será sempre dele. O cliente também pode escolher relatar uma versão dos fatos que entender ser mais favorável, mesmo que não seja verdadeira. Isso porque no sistema probatório brasileiro, o réu não tem obrigação de falar a verdade.

Pedir a absolvição de alguém que se sabe culpado, também não é mentir. Uma sentença condenatória deve ter provas suficientes para evitar qualquer dúvida sobre a culpabilidade do réu. Consequentemente, defender que esse requisito seja respeitado é defender o respeito à lei.

Outra questão fundamental que deve ser ponderada quando se fala em mentir no exercício da profissão, é o mito da verdade real. A verdade real consiste na ideia de que seria possível reconstruir os fatos conforme ocorreram na realidade fática. No caso do processo, a reconstrução ocorreria por meio da instrução probatória.

Ocorre que é simplesmente impossível reconstruir uma verdade objetiva e perfeita de um fato que ocorreu no passado. O máximo que pode ser alcançado é “a melhor verdade possível”, ou seja, uma verdade relativa, imperfeita. E essa verdade é construída por meio do duelo dialético entre acusação e defesa.

Porém, cabe ao acusador provar aquilo que alega e ao defensor defender o seu cliente da melhor forma possível, colocando a prova aquela acusação. Caso a acusação não passe pelo “teste” da defesa, é porque não é forte o suficiente para embasar uma condenação.

Fundamentado nesse raciocínio é que o réu pode escolher mentir em juízo sem qualquer penalidade e também porque não existe previsão de multa por litigância de má-fé no processo penal. Aplicar qualquer um dos dois institutos seria penalizar o réu por exercer o seu direito à ampla defesa.

Finalmente, deve ser mencionado que apresentar versões alternativas dos fatos, até mesmo cumulativamente, não é mera liberalidade do advogado criminalista, mas obrigação, sob pena de ser caracterizada deficiência de defesa técnica e violação ao direito de ampla defesa.

A atuação do advogado criminalista pode ser considerada aos olhos leigos como mentirosa e antiética, mas, na verdade, cumpre a função essencial de evitar que acusações fracas se transformem em sentenças condenatórias. O advogado não defende apenas o cliente, mas sim o respeito ao próprio ordenamento jurídico.


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Felipe Rocha de Medeiros

Pós-Graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.

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