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Eu, mulher, na Advocacia Criminal

O meu primeiro contato com a Advocacia Criminal se deu através da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, dentro do Fórum Criminal da Barra Funda. Foram quase 02 (dois) anos, iniciados pela Vara das Execuções Criminais e depois na 24º Vara de Conhecimento.

Optei pela Defensoria por falta de oportunidade e por medo de atuar como estagiária na área. Sempre ouvi “dizer” que era uma área muito perigosa, principalmente para mulheres, então, como a dificuldade de ser conseguir um estágio fosse lá em que qual área, optei pela Defensoria. Não havia como ser preterida pela sua idade, cor ou faculdade, havia uma prova para ser enfrentada onde o critério objetivo era estar entre o número de vagas oferecidos, apenas isso.

Soube que teria uma prova para fazer e que não era muito fácil, mas era a minha única opção de estágio, ainda mais sendo na área criminal. Eu já tinha a experiência na área cível e trabalhista, pois meu pai é advogado, atuas nestas duas áreas e nunca quis atuar na área criminal.

Bom, passei entre os 10º colocados e tinha conquistado o direito de escolha. Escolher onde queria iniciar o meu estágio foi a primeira boa sensação na minha caminhada bem árdua. Havia as opções de Tribunal do Júri, menina dos olhos de qualquer apaixonado pela área criminal, vara de conhecimento, núcleos especializados e a execução criminal, ninguém queria ir (risos).

Minha opção foi pela área de execuções criminais e se deu pelo simples fato de que era uma matéria obscura, pouco ou nada falada na graduação e eu sabia que iria atender as famílias e os executados que ainda cumpriam suas penas, começando de trás para frente, um universo paralelo e absolutamente obscuro para alunos da graduação em Direito.

Um lugar seguro para uma mulher estagiar na área criminal e pouco provável de sofre qualquer tipo de assédio, racismo ou preconceito. Lugar seguro para estágio? Sim, mas nada improvável de se sofrer assédio, racismo ou preconceito, aliás, acreditem ou não, é um lugar super tranquilo para sofrer assédio, racismo ou preconceito.

Eu não sofri assédio moral ou sexual, mas sofri pelo racismo estrutural e com o preconceito. Racismo estrutural e preconceito quando a minha idade, a minha faculdade e a minha cor são importantes na hora de você se apresentar a um defensor público que tem na sua sala uma pilha de processos para serem analisados, trabalhados e despachados e ele simplesmente diz não precisar de você porque não tem quem ensine o serviço.

Logo em seguida, assim que você retorna à coordenadoria descobre que uma estagiária bem mais nova, estudante das famosas “universidades de primeira linha” e branquinha foi designada para aquele defensor público. Sabe aquele que disse que não tinha tempo de ensinar o serviço. Exatamente assim foi o meu primeiro dia na Defensoria Pública do Estado de São Paulo no Fórum da Barra Funda, na execução criminal.

Não me dei por vencida e depois descobri que o “ser” era amigo de um professor da faculdade, além de ser egocêntrico, muito inteligente, mas absolutamente detestado por quase todos os estagiários, justamente pelo fato dele “escolher” a dedo seus estagiários.

Segui com o meu caminho, aprendi muito na execução criminal, trabalhei com várias defensoras maravilhosas, adorava fazer os atendimentos aos assistidos, mais do que fazer as peças processuais, que eram muito poucas já que você tinha que ter um defensor responsável e eu não tinha e fiquei um bom tempo assim, no atendimento.

Foi no atendimento aos assistidos que cresci como ser humano, que aprendi que ser um Advogado Criminalista não é simples, fácil e perigoso; que a execução criminal são os fundos de uma grande fazenda produtora, o lugar pantanoso, obscuro, solitário, desigual e esquecido pelas autoridades.

Descobri que a aquela máxime constitucional, trazido pelo artigo 5º, inciso XLV “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;” é uma regra absolutamente formal, bom para inglês ver.

Já na vara de conhecimento eu aprendi a confeccionar quase todas as peças de defesa na esfera criminal, fazia os atendimentos as famílias e aos denunciados, descobri que os B.O – Boletins de Ocorrências eram iguais, isso mesmo, são todos iguais, as únicas diferenças entre eles são: distrito policial, nomes dos policiais, dados dos indiciados e tipo penal. Um show de horrores que ninguém toma providências para melhorar.

Aprendi que traficante, diferente do que se aprende na faculdade, é qualquer pessoa que esteja portando, mesmo que seja o mínimo, drogas e qualquer valor em dinheiro; que esteja circulando em área considerada de tráfico e principalmente, tráfico de drogas tem cor, tem idade, e classe social.

E o mais importante aprendizado, a Advocacia Criminal é para mulheres sim, mas não é para amadores.

O que falta? Talvez uma sociedade mais equânime.

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