Ex-sem-teto equilibra trabalho de motoboy e graduação em direito após enfrentar fome e frio

Sérgio Chaves Pereira, de 36 anos, ex-sem-teto e motoboy, voltou a estudar depois de 20 anos, e agora, recebeu a notícia da conquista que mais esperava: sua aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O estudante foi aprovado mesmo sem ainda ter concluído a faculdade. Sérgio cursa o 10º semestre e trabalha no sábado e domingo fazendo entregas de refeição em Fortaleza. Durante a semana faz estágio em um escritório de advocacia.

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Ex-morador de rua é aprovado no exame da OAB. Imagem: Globo

Ex-sem-teto conquista aprovação no exame da OAB

A vida de Sérgio Chaves sempre foi difícil, segundo os seus relatos, aos 12 anos, ele viajou sozinho para para Teresina, no Piauí, para tentar ganhar a vida:

“Quando eu tinha de 11 para 12 anos, fui parar em Teresina. Por ainda ser uma criança e sem oportunidades, acabei tendo que morar nas ruas daquela capital.”

Sérgio lembra que ao chegar na capital nordestina, passou cerca de um ano dormindo nas calçadas e comendo frutas estragadas da Ceasa de Teresina. Ele conta que nessa época, passou frio nas ruas e ganhava apenas algumas moedas de donos de carros que vigiava. O seu lençol para dormir era apenas uma caixa de papelão, e as suas sandálias eram usadas de travesseiro.

Para sobreviver, eu comia frutas estragadas no Ceasa. Pastorava carros em troca de algumas moedas, lavava louças de um pequeno box na rodoviária. Às vezes, por sorte, comia sopa em um local que fornecia esse alimento gratuito para pessoas que estavam na mesma situação que eu e, às vezes, comia resto de comida do lixo”, lembra Sérgio.

Em 2002, Sérgio Chaves resolveu viajar para Fortaleza, onde foi acolhido por Raimundo Nascimento, proprietário de um lava a jato da região, que o tirou das ruas e lhe deu emprego e um teto para morar.

Alguns meses depois, Raimundo e a família foram embora para Juazeiro do Norte, no Cariri, e deixaram Sérgio responsável pelo lava a jato. Nesse mesmo período, ele conseguiu uma bicicleta e além de cuidar do lava jato, fazia entrega de lanches durante a noite.

Tempos depois, à noite, comecei a fazer entregas de lanches usando como transporte uma bicicleta e durante o dia lavava carros. Os novos donos do lava a jato resolveram trocar os antigos funcionários e foi então que aluguei um pequeno quarto e passei a fazer entregas também durante o dia. Com a ajuda de um amigo, comprei uma moto e passei a fazer entregas usando esse veículo“, relembra o ex-morador de rua.

No ano de 2017, Sérgio resolveu voltar a estudar, o sonho dele era cursar o curso de direito e se tornar advogado. Então, ele  fez o Exame Nacional para Certificação de Competência para Jovens e Adultos e conseguiu o certificado de conclusão do ensino médio para poder prestar vestibular para o curso de direito.

O ex-sem-teto relatou que os primeiros semestre foram muito difíceis, além de enfrentar a dificuldade da falta de base de um ensino regular, também teve que lidar com o preconceito dos colegas de classe que chegaram até a procurar os seus antecedentes criminais.

“Tive bastante dificuldades. Certa vez fui corrigido por um colega de sala, em um grupo de aplicativo da turma: ‘essa palavra não se escreve assim’. E por várias vezes isso se repetiu, foi então que percebi que além de estudar as disciplinas regulares do curso, que eram oito ou nove por semestre, também tive que estudar português“, relembra Sérgio.

Ex-sem-teto anotava a matéria nas paredes do banheiro

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Sérgio Chaves Pereira anotava as matérias nas paredes de casa. Imagem: Globo

Diferente de muitos outros alunos, Sérgio Chaves Pereira não podia apenas se dedicar aos estudos da faculdade, e além de estudar, também continuou trabalhando como motoboy e conciliou o trabalho com o estágio de direito. Por essa razão, ele resolveu se afastar das redes sociais, chegava mais cedo no estágio para estudar e ouvia aulas gratuitas no YouTube. Além disso, anotava as matérias nas paredes de casa e até mesmo colava adesivos com anotações no guidom da moto para fixar o aprendizado.

A dedicação de Sérgio Chaves o levou a ser aprovado na sua primeira tentativa no exame da Ordem da OAB, mesmo ainda cursando o 10º semestre e trabalhando fazendo entregas pelas ruas de Fortaleza além de fazer estágio em um escritório de advocacia.

Fonte: G1