A exigência de exame criminológico como fator impeditivo de direitos na execução penal

A exigência de exame criminológico como fator impeditivo de direitos na execução penal

No cotidiano forense, em especial em sede de execução penal, é muito comum para a concessão de benefícios a quem esteja cumprindo pena definitiva ou provisória a exigência da realização do exame criminológico. Porém, o instituto em questão vem sendo utilizado de forma distanciada de sua finalidade precípua, de modo a criar obstáculo abusivo para usufruir direitos previstos em lei.

Quando se fala em execução penal, o exame criminológico sempre foi um instituto controverso, notadamente pela necessidade de sua realização para a concessão de benefícios, bem como a dificuldade de prever se o sujeito voltará ou não a delinquir. Não obstante o referido debate, com o advento da Lei nº 10.792/2003, o exame deixou de ser requisito obrigatório para concessão de benefícios da execução penal, devendo ser realizado somente em situações excepcionalíssimas.

A referida legislação alterou o artigo 112 da LEP, que passou a prever como requisito subjetivo para a progressão de regime, tão somente a comprovação de bom comportamento carcerário demonstrado por atestado expedido pelo Diretor do estabelecimento. No entanto o entendimento dos Tribunais Superiores é pela possibilidade da realização do exame, desde que analisado caso a caso e com a devida fundamentação concreta de sua necessidade.

Assim, para determinar a realização de exame criminológico, a Autoridade Judiciário deve se ater a elementos concretos, apurados a partir da avaliação pessoal do segregado, relacionados a dados colhidos da forma como se conduziu durante o processo ressocializador.

Para determinar a realização do exame em apreço, deve o Juízo da Execução fundamentar, de forma concreta, a medida excepcional na conduta do apenado a partir de fatos ocorridos no curso da execução, que demonstrem não estar apto psicologicamente para o retorno social, como por exemplo o cometimento de falta disciplinar, ou comportamento incompatível com o procedimento de ressocialização. (STJ, HC nº 457.052/SP, Min. Laurita Vaz, Julgado em 06/07/2018)

Nesse contexto, tornou-se habitual no âmbito das execuções penais ser rechaçado o atestado de bom comportamento carcerário para a realização de exame criminológico, a sua decretação é desacompanhada de qualquer evento extraordinário verificado no curso da execução para que o justifique, mas apoiado, na maioria das vezes, na gravidade em abstrato ou em concreto da conduta.

No último aspecto mencionado cumpre efetuar um parêntese, o atestado de bom comportamento carcerário, refutado de maneira abusiva, como determina a própria Lei de Execução Penal, é confeccionado pelo agente público que acompanha diariamente o processo de ressocialização do apenado, atestando com fé pública a aptidão do retorno ao convívio social e a compreensão da lógica terapêutica do cumprimento da pena.

Entre os fatos preponderantes para a exigência descabida do exame referido, encontramos em primeiro lugar a gravidade em abstrato do delito, caráter de natureza objetiva ligado ao fato, afirmações a esse respeito consubstanciam fatores já levados em consideração pelo legislador, seja para eleger o comportamento tido por proibido, bem como para sopesar o preceito secundário da figura típica penal. (Agravo em Execução Penal nº 0011627-93.2018.8.26.0026, TJSP, 1ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Des. Diniz Fernando, Julgado em 25/03/2019)


Como segundo argumento preponderante encontramos a gravidade em concreto da conduta, ou seja, as circunstâncias nas quais o crime foi cometido, são fatores determinantes para aplicação da pena, já levado em consideração pelo juízo que proferiu a condenação, não justificam diferenciado tratamento para a progressão de regime, de modo que o exame criminológico somente poderá fundar-se em fatos ocorridos no curso da própria execução penal. (TJSP, Habeas Corpus nº 203737710.2019.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Vico Mañas, Julgado em 20/03/2019 e STJ, HC 323553/SP, Sexta Turma, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, Julgado em 18/8/2015, DJe 3/9/2015)


Ademais, ambos os argumentos, seja a gravidade em abstrato da conduta como a em concreto, são circunstâncias que não se referem a eventos ocorridos no curso da execução penal, como já deliberou o STJ “não houve alusão a fato atual que recomendasse a medida”. (STJ, HABEAS CORPUS Nº 457.052 – SP, Rel. Min Jorge Mussi, Julgado em 06/07/2018)


Desta forma, afasta-se de maneira ilegal o requisito subjetivo previsto em lei para criar obstáculo ao gozo de direitos do apenado em sede execução, com a exigência da realização do exame criminológico desvinculado de qualquer fundamentação concreta, desvirtuando a essência do instituto que está relacionado a eventos ocorridos no curso do cumprimento da pena.


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