Exame criminológico, progressão de regime e execução penal
Exame criminológico, progressão de regime e execução penal
O laudo psiquiátrico (…) tem como uma de suas funções, dar aos mecanismos de punição legal um poder justificável, não mais simplesmente sobre as infrações, mas sobre os indivíduos; não mais sobre o que eles fizeram, mas sobre aquilo que eles são, serão, ou possam ser. – Michel Foucault
Os laudos e os pareceres criminológicos são enfoque de grande discussão e polêmica no âmbito da Execução Penal, haja vista que salienta a tortuosa relação entre Direito Penal e a Psiquiatria/Psicologia forense. Esses laudos e pareceres são emitidos pela Comissão Técnica de Classificação (CTC) e pelo Centro de Observação Criminológica (COC).
O exame criminológico se divide em exame criminológico de entrada que visa traçar o perfil daquele que adentra o sistema carcerário, com a finalidade de assegurar a individualização da pena e exame criminológico para obtenção de benefícios no decorrer da execução penal. No primeiro, leva-se em consideração o diagnóstico, já no segundo, o prognóstico do indivíduo. (MARCÃO, p. 47-48)
Leia também:
- Entenda como funciona o Exame Criminológico (aqui)
No que se refere ao exame criminológico para obtenção de benefícios ao apenado, como a progressão de regime, entramos em uma problemática considerável, pois comumente os benefícios inerentes ao apenado são negados em virtude do resultado desses exames. Dessa maneira, essa consequência gera uma série de desdobramentos que por muitas vezes, afrontam o próprio texto constitucional.
A PROGRESSÃO DE REGIME E O EXAME CRIMINOLÓGICO
Para que seja concedida a progressão de regime, o condenado deve atender aos requisitos estabelecidos pelo artigo 112 da Lei de Execução Penal, quais sejam: cumprimento de pelo menos um sexto da pena no regime anterior e bom comportamento carcerário. Essa é a atual redação do referido artigo, que foi alterada pela Lei 10.792 de 2003, extinguindo a obrigatoriedade do exame criminológico para a concessão da progressão de regime.
Entretanto, embora essa disposição tenha sido retirada da redação mencionada, é comum encontrarmos decisões proferidas por magistrados baseadas unicamente em laudos criminológicos, negando a concessão do benefício, ainda que o apenado tenha cumprido o requisito de lapso temporal e que tenha comprovado o bom comportamento carcerário.
Nesse sentido, ainda que não esteja expresso no texto da LEP, a realização do exame criminológico como requisito para a progressão de regime é prevista pela súmula vinculante nº 26 e pela súmula 439 do STJ. Entretanto, a admissão do exame criminológico somente é permitida pelas particularidades do caso e por decisão devidamente fundamentada.
Contudo, não raro visualizamos inúmeras decisões fundamentando a negativa do benefício única e exclusivamente com base no laudo criminológico. Vejamos um exemplo:
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. Embora apresente conduta carcerária plenamente satisfatória (fl. 04), há situação excepcional nos autos que torna necessária a manutenção do recorrente no regime fechado. Duas informações são extraídas do exame do parecer psicológico de fls. 07/16, que desautorizam a convivência em sociedade do condenado. Primeiramente, verifica-se que o apenado não demonstra qualquer senso de responsabilidade ou remorso, apontando a culpa por estar preso a um erro judicial, sem demonstrar, no entanto, qualquer prova que pudesse servir a embasar alguma revisão criminal no sentido. Em segundo lugar, o laudo conclui que o encarcerado possui transtorno de personalidade dissocial, comumente denominado de psicopatia, aparentando frieza nas respostas e demonstrando desprezo pela necessidade do outro ao negar a realidade. RECURSO IMPROVIDO. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo em Execução Penal n° 70074805862. 09 de out. de 2017)
Conforme se depreende do presente julgado, embora o réu tenha cumprido os requisitos objetivos constantes na LEP, o magistrado entendeu por bem manter o mesmo em regime fechado, negando-lhe o benefício do livramento condicional. Para tanto, embasou sua decisão alegando que o sentenciado, em razão de sua situação psicológica, não se encontra apto para retornar ao convívio social, motivo pelo qual se faria necessária a manutenção do atual regime.
Nesse sentido, neste caso e em muitos outros, há flagrante violação à garantia da fundamentação das decisões judiciais, prevista no art. 93, IX, da CF, tendo em vista que, o juiz acaba apenas por homologar os laudos técnicos apresentados pela Comissão Técnica, carecendo de respaldo jurídico para a negatória.
PROGNÓSTICO DELIQUENCIAL X PRINCÍPIO DA PRESUNÇAO DE INOCÊNCIA
O prognóstico de que o condenado venha a delinquir futuramente é o fundamento para a não concessão do benefício da progressão de regime. Com base nisso, tal fundamentação se mostra totalmente incompatível com o princípio da presunção de inocência, afrontando o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.
No que se refere ao indivíduo condenado, nessas situações, é plausível tal relação, tendo em vista que, com base nesse fundamento, está se assegurando, com base em exames criminológicos, que o sentenciado irá delinquir novamente.
Entretanto, levando-se em consideração que, passando o agente por um novo processo criminal, lhes serão asseguradas todas as garantias pertinentes até a aplicação da sentença. Dessa maneira, continua presumidamente inocente até lá.
Com base nisso, compromete-se o futuro do apenado com base única e exclusivamente na incerteza, em uma concepção totalmente Lombrosiana. Pois, em realidade, não há como afirmar de forma fidedigna que o agente irá ou não delinquir futuramente. Em razão disso, ao que parece, busca-se um meio justificável de se continuar punindo o condenado, ainda que este já tenha cumprido integralmente a pena imputada.
Nesse sentido, conforme aduz Foucault, em Vigiar e Punir, através do laudo psiquiátrico se introduziu as infrações no campo do conhecimento científico para que a punição continue se tornando algo justificável. Passa-se, portanto, a punir não apenas os crimes que foram cometidos, mas também os crimes que um dia serão cometidos e os que um dia possam vir a serem cometidos, deixando o destino e a liberdade do agente inteiramente nas mãos da incerteza.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 42ª ed. Editora Vozes: Rio de Janeiro, 2017.
MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 14ª ed. Saraiva: São Paulo, 2016.