Exceção da fonte hipoteticamente independente e o esvaziamento do princípio da contaminação
De acordo com o Código de Processo Penal, em seu artigo 573, parágrafo primeiro, quando uma prova é considerada ilícita, necessária a análise de eventual contaminação gerada por esta sobre outras provas. Nesse sentido é o parágrafo primeiro do artigo 157 da mesma disciplina legal:
são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
O princípio da contaminação nasceu no caso Silverthorne Lumber & Co v. United States, em 1920. Através deste, conforme Cabral (2009, p. 1), a Suprema Corte Norte Americana criou e aperfeiçoou a teoria dos frutos da árvore envenenada (the fruit of the poisonous tree), através da qual conclui-se que as provas derivadas da ilícita também deveriam assim ser reputadas.
Na referida decisão afirmou-se que “proibir o uso direto de certos métodos, mas não pôr limites ao seu pleno uso indireto, apenas provocaria o uso daqueles mesmos meios considerados incongruentes com padrões éticos e destrutivos da liberdade pessoal” (PIEROBOM DE ÁVILA, 2007, p. 152). Ou seja, se a árvore está envenenada, os frutos gerados por ela estarão igualmente contaminados.
Assim, nos ensinamentos de Aury Lopes Jr. (2019, p. 492), entende-se que o vício se transmite a todos os elementos probatórios obtidos a partir do ato maculado, literalmente contaminando-os com a mesma intensidade. Dessa forma, devem ser desentranhados o ato originalmente viciado e todos os que dele derivem ou decorram, pois igualmente ilícita é a prova que deles se obteve.
No sentido do exposto é a decisão proferida pelo STF, no julgamento do RHC 90.376/RJ, através do qual uma busca e apreensão, realizada em um quarto de hotel, sem o respectivo mandado judicial, resultou na consideração da ilicitude do ato e consequentemente de todas as provas obtidas. Isso porque, para fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, inciso XI, na Constituição Federal, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, §4º, inciso II), compreende os quartos de hotel.
Outrossim, ainda conforme Aury Lopes Jr. (2019, p. 493), na prática, comumente os julgadores tendem a tornar lícitas provas contaminadas, sob o argumento de que não está claramente demonstrada uma relação de causa e efeito entre a prova ilícita e as provas que a sucederam.
Intimamente relacionada com a limitação do nexo causal, é a teoria da fonte independente, elencada no parágrafo segundo do artigo 157 do Código de Processo Penal:
considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
Nesse sentido, quando demonstrado pelos órgãos da persecução penal (seja na fase inquisitorial ou na fase acusatória) que elementos foram obtidos de forma autônomo e sem relação com a prova ilícita, resultando na quebra do nexo de causalidade, seriam plenamente admissíveis, diante da ausência de contaminação pela ilicitude originária.
A tese da fonte independente é bastante objetiva, parecendo clara e lógica; contudo, de acordo com Aury Lopes Jr. (2019, p. 495), releva-se perversa quando depende da subjetividade do julgador, que comumente recorre a conceitos vagos e imprecisos (como é a própria discussão em torno do nexo causal) gerando um espaço impróprio para a discricionariedade judicial.
Verifica-se, dessa forma, que o princípio da contaminação constituiu um grande avanço no tratamento da prova ilícita; todavia, vem sendo atenuado a ponto da matéria tornar-se perigosamente casuística. Nessa esteira, pertinente é o entendimento de Zilli (2008, p. 3), quando diz que “a operação proposta é perigosa, podendo levar a um alargamento da tolerância judicial das provas derivadas, desvirtuando o sentido da teoria”. A necessidade de um raciocínio hipotético para aferição da independência ou não das provas posteriores da prova originária ilícita, conduz ao esvaziamento do princípio da contaminação.
Também digna de críticas é a descoberta inevitável (Exceção da Fonte Hipoteticamente Independente) que, conforme DEZEM (2008, p. 136), pressupõe que a prova derivada seria descoberta de qualquer maneira, isto é, independentemente da prova ilícita, não havendo o que se falar em contaminação da prova derivada, utilizando como exemplo o caso americano Nix contra Williams:
Nesse precedente o acusado havia matado uma criança e escondido o corpo; iniciando um processo de busca por duzentos voluntários, os municípios vizinhos foram divididos em zonas de buscas. Durante as buscas, o acusado realizou uma confissão, obtida ilegalmente, na qual especificou o local onde se encontraria o corpo. Diante disso, foi paralisada a busca, que estava a algumas horas de descobrir onde o corpo estava, dirigindo-se a polícia ao lugar indicado na confissão e apreendido o corpo. Em razão disso, a Corte considerou que a confissão do acusado sobre o local onde o corpo se encontrava era uma prova ilícita, mas a apreensão do corpo era válida, pois sua descoberta era inevitável.
Nas palavras de Teresa (2014, p. 121), “a debilidade dessa teoria reside em que a descoberta inevitável pode não estar baseada em fatos que possam ser provados claramente, mas sim em hipóteses e suposições”, o que conduz a um tratamento desigual.
Concluindo, diferentemente do que ocorre na prática, em que deve ser demonstrada a contaminação para que a prova seja desconsiderada, as provas decorrentes de uma prova ilícitas deveriam ser anuladas por derivação, ocorrendo o oposto apenas na hipótese de demonstração inequívoca de independência entre elas.
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas Ilícitas e Proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumer Juris, 2007.
CABRAL, Bruno Fontenele. A doutrina das provas ilícitas por derivação no direito norte-americano e brasileiro. Revista Jus Navegandi, ISSN 1518-4862, Teresina, Ano 14, n 2118, 19. abr. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12658> Acesso em: 04 jun. 2020.
DEZEM, Guilherme Madeira. Da Prova Penal, 1. ed. São Paulo: Millennium, 2008.
LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 16 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. O Pomar e as Pragas, Boletim IBCCrim, São Paulo, n 188, julho/2008.
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