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O excesso de prazo na formação da culpa e o manejo de habeas corpus

O excesso de prazo na formação da culpa e o manejo de habeas corpus

Questão tormentosa na prática da advocacia criminal é a demora no julgamento do processo, as consequências deletérias ao preso provisório e as medidas efetivas disponíveis para se combater tal ilegalidade.

No sistema processual brasileiro, com exceção da prisão temporária, cujo prazo máximo de duração é de 5 dias (regra geral) e 30 dias (crimes hediondos ou equiparados), a prisão cautelar não possui prazo máximo de duração, razão pela qual a prisão preventiva segue sendo aplicada e mantida por longos períodos, em manifesta oposição ao princípio da provisoriedade, aplicável às medidas cautelares processuais penais.

Não são raras as situações em que o individuo preso preventivamente permanece cerceado em sua liberdade de forma absolutamente desproporcional ao tempo em abstrato da pena cominada ao crime pelo qual está sendo processado.

Diante tais situações é comum a impetração de Habeas Corpus por parte dos defensores, invocando ofensa ao direito constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) e com fundamento no art. 648, II do CPP, buscam a revogação da prisão preventiva.

A garantia ao devido processo legal (due process of Law), engloba a garantia de uma atuação jurisdicional de forma célere, sem postergações e delongas prejudiciais aos jurisdicionados, impondo, portanto, a obrigação ao Estado de observar, a partir dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, os prazos previstos em lei para a entrega da tutela jurisdicional.

Os fundamentos para uma célere tramitação do processo, sem atropelo das garantias fundamentais, está respaldado no respeito à dignidade do acusado, no interesse probatório, no interesse coletivo do correto funcionamento das instituições, e claramente na própria confiança na capacidade da justiça em resolver os assuntos que a ela são levados, no prazo legalmente considerado como adequado e razoável.

A doutrina (cf. DANTE BUSANA, “apud” Código de Processo Penal Anotado, de DAMÁSIO DE JESUS, Ed. Saraiva, comentário ao art. 401) e a jurisprudência pátrias têm consagrado o entendimento de que é de 81 dias o prazo para o término da ação penal em procedimentos ordinários, prazo esse, assim distribuído: inquérito – 10 dias (art. 10 do CPP); denúncia – 05 dias (art. 46); defesa prévia – 03 dias (art. 395); inquirição de testemunhas – 20 dias (art. 401); requerimento de diligências – 02 dias (art. 499); para despacho do requerimento – 10 dias (art. 499); alegações das partes – 06 dias (art. 500); diligências “ex officio” – 05 dias (art. 502); sentença – 20 dias (art. 800 do CPP) = soma: 81 dias.

No STF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, encontramos o HC 85.237/DF, donde se extrai que

Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar” , além de que “o indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável” (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal.

No que toca à relação existente entre prisão preventiva e o fator tempo, não há de se negar que a demora na prestação da tutela jurisdicional se reverte de verdadeira punição antecipada. Nesse sentido, com maestria que lhe é peculiar, vaticina Aury Lopes (2004, p. 220) ao afirmar que

[…] a pena é tempo e o tempo é pena. Pune-se através de quantidade de tempo e permite-se que o tempo substitua a pena […] os muros da prisão não marcam apenas a ruptura no espaço, senão também uma ruptura do tempo.

Importante destacar que, quando do manejo do Habeas Corpus com fundamento no excesso do prazo da prisão preventiva, é fundamental que a defesa demonstre de forma objetiva em seu arrazoado que a demora no processo é imputada unicamente ao aparelho judiciário, sobretudo quando o caso se tratar de situação que não comporta maiores complexidades para o julgamento.

Apesar da garantia processual da razoável duração do processo estar positivada no texto constitucional, o Superior Tribunal de Justiça, em notória tentativa de conter o excesso de recursos e impetração de habeas corpus, editou a Sumula 52 do STJ, que conta com a seguinte redação:

Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo

Entretanto, em que pese a existência do referido enunciado, cumpre destacar que a garantia da razoável duração do processo prevalece, devendo, portanto, ser mitigado o enunciado sumular, sobretudo nas hipóteses de flagrante violação ao direito de um processo célere.

Nesse sentido, Ferreira Filho (2009, p. 501) assevera que

O constrangimento permitido pela lei torna-se, no entanto, ilegal, quando se constata que os prazos procedimentais não são observados pelo próprio Estado. Configura grave injustiça submeter qualquer pessoa à privação de sua liberdade por tempo maior que o devido, em razão de não se conseguir realizar os atos processuais penais dentro dos prazos legalmente estipulados. (…)”. E continua “Cabe salientar que tal conclusão somente pode ser aplicada aos casos em que as razões da demora possam ser atribuídas às falhas de atuação dos órgãos estatais.

Relativação e excesso de prazo

Relativizando a aplicabilidade da Súmula 52 do STJ, de Relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura (informativo 323 STJ), tem-se o RHC 20.566/BA, onde se asseverou que ainda que encerrada a instrução, é possível reconhecer o excesso de prazo, diante da garantia da razoável duração do processo, prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição. Reinterpretação da Súmula nº 52 à luz do novo dispositivo.

Nesse sentido, se infere do voto da eminente relatora, que se buscou dar eficácia à garantia da razoável duração do processo, de modo que a razoabilidade do prazo para a prisão cautelar deve ser analisada não apenas relativamente à etapa da instrução do processo, mas alcançando o processo como um todo.

Desse modo, diante a constatação de excesso de prazo na prisão cautelar, tem-se como medida eficaz a impetração de Habeas Corpus, ainda que diante situações em que a instrução processual já tenha terminado, oportunidade em que deverá se postular a relativização da Súmula nº 52 do STJ, em detrimento do princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal.


REFERÊNCIAS

DE JESUS, Damásio. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo. Saraiva, 2016.

FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. E outro. Súmulas Superior Tribunal de Justiça. Organizadas por Assunto, Anotadas e Comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

LOPES JUNIOR. Aury. O Direito de ser julgado em um prazo razoável. Revista Ciências Penais. RCP 1/219-245. Dez/2004.

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