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Execução da pena, sala de Estado Maior e prerrogativas da Advocacia

Em que pese o art. 7º, inciso V, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) seja categórico, concedendo ao advogado “não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior …)”, o terceiro e último artigo da trilogia sobre sala de Estado-maior (AQUI e AQUI) discorre sobre a preocupação com a antecipação da execução da pena após condenação em segunda instância – conforme ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 –, situação que abarcaria diversos profissionais atualmente recolhidos em sala de Estado-maior.

Sobre a prisão especial, embora criticada por algumas pessoas – defendida como eventual privilégio –, pode ser encontrada no Código de Processo Penal, mais precisamente no art. 295.

Embora a definição legal do artigo anterior – foro privilegiado e prisão especial, bem como se utiliza da expressão condenação definitiva – não se confunda com a redação disposta na Lei 8.906/1994 – sala de Estado-maior –, destaca-se que esta modalidade de prisão é cabível somente a título provisório, ou seja, apenas no curso de inquérito policial ou durante o processo penal.

O que significa dizer, obviamente, que será cabível, no máximo, até o momento do trânsito em julgado da sentença daquele processo que originou a prisão. Acerca do tema, NUCCI (2013, p. 636) afirma que

como regra, ela – referindo-se à prisão especial – deve ser garantida até o trânsito em julgado da sentença condenatória, após o que será o condenado encaminhado para presídio comum, em convívio com os outros sentenciados.

Nesta seara, face a antecipação da execução da pena após condenação em segunda instância, preocupa-se com a situação daqueles profissionais alocados em sala de Estado-maior, prisão domiciliar ou até mesmo em prisão especial (cela especial), aguardando eventual trânsito em julgado ou condenação definitiva.

A aplicabilidade desta medida, de forma antecipada, tende a encarcerar de forma abreviada inúmeros profissionais – sem esquecer-se da camada populacional menos favorecida –, os quais seriam designados a prisão comum de forma prematura, sem exaurimento das instâncias recursais e violando à presunção da inocência – longe de qualquer visão eliticista, este subscritor entende que o advogado, assim como qualquer outro indivíduo, uma vez exauridas às instâncias recursais, deve ser encaminhado ao presídio comum.

Assim, desde o episódio destacado anteriormente ventilaram-se algumas prisões com fundamento na decisão histórica do Supremo Tribunal Federal, no entanto, quando em xeque com as prerrogativas profissionais ou em relação a qualquer advogado, tratava-se de novidade, não havíamos visto qualquer caso envolvendo precocidade da pena e advogados.

Pois bem, em pesquisa às jurisprudências, levo-me a crer que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná apontou como precursor do tema, na Apelação Criminal nº 1175688-8, precisamente no Embargos de Declaração nº 201500367904 – publicado em 24/06/2016, de relatoria do Desembargador José Mauricio Pinto de Almeida, utilizou-se Habeas Corpus nº 126.292-7 – antes mesmo de se consolidar o julgamento no STF – como fundamento para possibilidade de início da execução provisória.

Naquela decisão, o magistrado se aproveitou da disposição anterior – Habeas Corpus nº 126.292-7 – a fim de determinar a remoção do advogado apelante a prisão comum (Penitenciária Central do Estado do Paraná), conforme trecho in verbis:

Diante do novo entendimento proferido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, mantida a condenação dos réus J.A.N e C.M.S, e, em se tratando de início de execução provisória da pena, ou seja, com a devida inserção dos réus no sistema prisional, não mais subsiste qualquer condição especial que conceda aos condenados a prerrogativa de cárcere privilegiado.

A prisão especial cinge-se ao direito à cela separada com banheiro ou detenção fora de presídio comum (domiciliar, quarteis ou delegacias), todavia, só reservada para pessoas que, em face da função que exercem ou condição pessoal especial, estejam presas provisoriamente, antes de serem condenadas judicialmente, não sendo mais o caso dos condenados J.A.N (ADVOGADO) E C.M.S (DIPLOMADO EM CURSO SUPERIOR).

No caso em tela, o direito a prisão especial cessou quando ocorreu a confirmação, por unanimidade, em segundo grau de jurisdição, da sentença condenatória, não mais subsistindo qualquer prisão cautelar nem mesmo a necessidade do trânsito em julgado, devendo os condenados ser recolhidos em uma cela comum. (…)

Confira-se que, em regra, a natureza de prisão especial é de prisão sem pena, ou seja, é de prisão processual.

Concluída a natureza cautelar quando ocorrido o fim do processo e, no ora recepcionado entendimento proclamado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a consequente confirmação de sentença condenatória, isenta a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da sentença para início do cumprimento da execução penal.

Diante disso, os condenados devem ser recolhidos no estabelecimento prisional de acordo com o regime prisional imposto na condenação.

Destarte, quanto ao necessário aguardo, pelos réus, em “instalações especiais”, do trânsito em julgado previsto em leis ordinárias (art. 295 do CPP e art. 7º, inciso V do Estatuto da Advocacia), em detrimento do constitucionalmente previsto, porém afastado pela referida Corte Suprema, tem-se que não mais subsiste a necessidade do aguardo do trânsito em julgado. (…).

A questão posta, como visto, parte da interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal acerca do início da execução da pena, ou seja, conquanto o acórdão penal condenatório demande no encerramento da revisão de fatos e provas (instrução) e por isso venha a deflagrar o cumprimento da pena em fase própria de execução, o fundamento da prisão especial se esvai, importando assim para aqueles que se beneficiavam do instituto, a inserção imediata no denominado “sistema penitenciário”, sob pena de se instituir classes distintas de apenados ou privilégios no cumprimento da pena, em flagrante prejuízo da efetividade da jurisdição penal (…).

No caso do condenado J.A.N, o direito a Sala de Estado maior somente seria garantido se a prisão decretada fosse a preventiva, todavia o decreto emanado deste Colegiado importa em início de execução da pena, devendo, portanto, seu cumprimento ocorrer em presídios normais, sob pena de se estar tratando com desigualdade os iguais. (…). Pelo exposto, determino a imediata remoção dos condenados: a) J.A.N para a PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE PIRAQUARA pelas razões delineadas.

De análise ao processo e a decisão acima (TJPR – 2ª C.Criminal – AC – 1175688-8 – Curitiba –  Rel.: José Mauricio Pinto de Almeida – Unânime –  – J. 01.10.2015), verifica-se que além dos fundamentos em referência a decisão do STF, destacam-se as seguintes menções:

(a) manutenção da presunção de inocência;

(b) possibilidade de desigualdade entre os iguais;

(c) probabilidade de se instituir classes distintas de apenados ou privilégios no cumprimento da pena;

(d) entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal não comporta interpretação outra que não a inserção dos presos especiais ao sistema;

(e) alusão às vítimas e seus parentes;

(f) a Justiça não é lugar para discussão de teses jurídicas, mas sim para promover a pacificação social;

(g) A sociedade paranaense clama por uma resposta do Judiciário;

(h) outros.

Pois bem, sem discutir os fundamentos empregados acima, bem como as razões que levaram o desembargador realizar aquelas pontuações –na visão desse colunista exagerada em alguns pontos –, realiza-se aqui uma crítica de forma ampla sobre a antecipação da execução provisória, principalmente quando em embate com as prerrogativas profissionais.

Embora realizado de forma tardia, em vista a perpetração do entendimento da matéria pelo Superior Tribunal Federal, menciona-se à época (2001) do anteprojeto que deu origem ao subscrito do artigo 283 do Código de Processo Penal, a proposta apresentada pelo Executivo era clara (auto-interpretativa), vejamos:

Finalmente é necessário acentuar que a revogação, estabelecida no projeto, dos artigo 393, 594, 595 e dos parágrafos do artigo 408, todos do Código de Processo Penal, tem como propósito definir que toda prisão, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, terá sempre caráter cautelar. A denominada execução antecipada não se concilia com os princípios do Estado constitucional e democrático de direito.

Pelo exposto, entende-se que Lei e Constituição são e continuam harmônicas. Somente há culpa, e, portanto, prisão como execução da pena, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, com o fim do processo, após o julgamento de todos os recursosChega-se a isso com a interpretação literal, com a interpretação histórica e com a interpretação sistemática.

Neste prisma, remover advogado para presídio comum antes do julgamento de todos os recursos fere suas prerrogativas profissionais, inclusive soa como irônico – “ feitiço virou contra o feiticeiro” – quando pautado no argumento de que “os advogados usam e abusam de recursos e de reiterados Habeas Corpus, ora pedindo a liberdade, ora a nulidade da ação penal” (STF, HC 84.078-7/MG – Rel.: Eros Grau – Por maioria dos votos – J. 05.02.2009). 

Diante disso, novamente, longe de qualquer visão privilegiada – de que advogado não pode ser encaminhado ao presídio comum –, pensando como classe, principalmente por se tratar de uma coluna voltada a publicação de artigos em defesa das prerrogativas profissionais, questiona-se:

A execução da pena após condenação em segunda instância, antecipando aquilo que se entende por trânsito em julgado, uma vez aplicada aos advogados, de forma precipitada, viola ou não as prerrogativas profissionais conferidas pelo artigo 7º, inciso V, da Lei 8.906 de 1994?

Se o advogado tem direito à sala de Estado Maior até a sentença transitada em julgado, a execução da pena, após condenação em segunda instância, não infringiria suas prerrogativas?

Acredito que sim, mais uma derrota da advocacia. Fica a reflexão.


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12. ed. São Paulo: RT, 2013.

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