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Da (im)possibilidade de execução provisória da pena condenatória

Os sábios, que continuam considerando a pena, segundo uma fórmula famosa, um mal com que se faz o delinquente sofrer pelo mal que ele fez sofrer, ignoram ou esquecem o que Cristo disse a respeito do demônio que não serve para expulsar o demônio: não é com o mal que se pode vencer o mal. (Francesco Carnelutti, in As Misérias do Processo Penal)

No dia 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, numa completa “virada de mesa” em sua jurisprudência, reavaliou o entendimento consolidado no HC 84.078-7/MG.

Nesse aresto, cuja relatoria coube ao Ministro Eros Roberto Grau, o excelso pretório consolidou o entendimento de que não há como se sustentar a execução provisória da pena criminal, em respeito à literalidade do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República de 1988 – “ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (grifei).

Não obstante o entendimento pretérito, a corte, agora no julgamento do HC 126.292/SP, entendeu de forma diversa, asseverando a possibilidade de execução provisória da pena logo após a decisão de 2º grau, desde que esta venha a confirmar a condenação do réu. Em suma, o STF procedeu não só a uma nova interpretação do artigo 5º, LVII, da CR/88, mas basicamente o reescreveu.

Mas antes de adentrar-se nessa discussão, cabe demonstrar alguns pontos antecedentes que deram substância à rediscussão do tema.

Desde muito, a doutrina brasileira e a jurisprudência dos tribunais superiores vacilam quanto ao efeito suspensivo dos recursos excepcionais (condição dos Recursos Extraordinários ao STF e Recursos Especiais ao STJ). Numa interpretação literal da lei, notadamente o artigo 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90, os recursos excepcionais somente terão efeito devolutivo. A propósito, a súmula nº 267 do STJ, é clara ao dizer que: “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.

O grande problema reside quando colocamos o texto legal em confronto aos ditames Constitucionais.

A nossa tradição Constitucional, muito ligada ao Direito Lusitano e Italiano, vincula o cumprimento da pena e a quebra da presunção de inocência ao trânsito em julgado da decisão, ou seja, quando esgotam-se as possibilidades recursais. O texto maior não abriu possibilidades de desvio interpretativo. Ao contrário. Afirmou de forma categórica e clara. Qualquer posição diametralmente oposta configura-se numa forma extremamente perniciosa de ativismo judicial.

Sem olvidar da “boa intenção” do STF, principalmente ao passarmos os olhos no elevado número de poderosos criminosos que. se furtam à punição em virtude de prescrições retroativas (muito bem definidas pelo Prof. Fábio Guaragni (2001) como “jabuticabas”, vez que existentes somente no Brasil), a decisão de reescrever o texto é mais um caso de remédio errado ao problema certo. A magnitude de tal decisão deveria ter sido deixado a cargo do poder legislativo – já é hora de termos maturidade suficiente a ponto de provocar o Congresso Nacional a discutir de maneira séria os problemas legislativos do país.

Noutro giro, temos ainda que nos debruçar sob outra questão, o elevado número de decisões que são alteradas em grau de recursos excepcionais. Com base no levantamento da Fundação Getúlio Vargas, aproximadamente 25% das decisões de segundo grau são reformadas pelas cortes superiores, o que leva a probabilidade de ¼ de chances de alteração do status do processado. Nota-se, pois, que a problemática vai além do mero ativismo judicial, a ponto de atingir em cheio a patuleia [ou alguém acha que a impunidade dos poderosos estará com os dias contados?], principal cliente da seletividade do sistema criminal.

Por fim, a decisão do Supremo, além da questão Constitucional, deixou um grande problema no que se refere à harmonia do ordenamento jurídico.

Em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, Luciano Feldens e Débora Poeta, levantaram questionamento pertinente ao artigo 283 do CPP. Segundo o Código de Processo Penal, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Com base na decisão do supremo, o mandamento do CPP teria sido declarado inconstitucional?

Conforme os eminentes juristas, a resposta é negativa. A decisão do Supremo não teve o condão de alterar o marco de execução da pena, seja com base na dicção do CPP, seja com base em seus congêneres normativos, cujo exemplo maior está na Lei nº 7.210/84, artigo 105 – que também traz previsão expressa sobre o marco inicial da execução penal. A resposta ao problema seria resumido na seguinte máxima:

“a prisão de qualquer pessoa, excetuada a hipótese de flagrante delito ou de prisão temporária ou preventiva, segue legalmente condicionada ao trânsito em julgado da sentença condenatória”, posição com a qual concordamos.

Aliás, tal posição é defendida agora nos pedidos das ADC’s 43 e 44.

Fato é: o debate travado pelo STF nos serve de alerta, pois de boas intenções está calçado o caminho do inferno.


REFERÊNCIAS

GUARAGNI, Fábio André. Prescrição Penal e Impunidade. Curitiba: Juruá, 2001.

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