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Execução provisória e penas restritivas de direitos

Execução provisória e penas restritivas de direitos

Este artigo tem por objetivo a análise da possibilidade, ou não, da execução das penas restritivas de direitos antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, tema esse que tem gerado tamanha divergência entre os juízos de primeira instância, Tribunais de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LVII, nos diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, fato esse que diz respeito ao princípio da presunção de inocência. Assim entendia o STJ, até que em 2016, mais especificamente em fevereiro, a própria corte votou o HC 126.292 e decidiu que as condenações mantidas em segundo grau, já poderiam ser objeto da execução ali contida, mesmo que não esgotados todos os recursos. Todavia, no julgamento do referido habeas corpus, nada foi abordado acerca da execução provisória das penas restritivas de direitos. 

O art. 147 da Lei de Execuções Penais determina que o responsável pela execução penal, deverá promovê-la após o trânsito em julgado da sentença penal que aplicou as penas restritivas de direitos. Entretanto, algumas turmas do Superior Tribunal de Justiça estavam adotando entendimentos diferentes, uma seguindo o disposto na LEP, autorizando a execução da reprimenda somente depois de esgotados todos os graus de recurso, e outra, autorizando a execução provisória dessas penas restritivas de direitos. 

Em regra, uma vez transitada em julgado à sentença penal condenatória, o juízo de conhecimento expedirá a guia de execução definitiva ao juízo da Vara de Execuções Penais. Uma vez que esta guia aportada na VEP, o juízo designará audiência admonitória, para cientificar o sentenciado das condições na qual deverá cumprir.

Os tribunais superiores, durante muito tempo, divergiram severamente sobre este assunto. Seguindo o disposto no art. 147 da Lei de Execuções Penais, a 5ª Turma do STJ tem entendido não ser possível à execução provisória das penas restritivas de direitos, sob alegação de que essa autorização violaria a LEP, bem como a Constituição Federal.

Vejamos o que fora decidido no AResp 998.641:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 147 DA LEP EM VIGÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 126.292/SP, ficou assente que, esgotadas as instâncias ordinárias, a interposição de recurso especial não obsta a execução da decisão penal condenatória. E, ainda, em julgamento colegiado do pedido de liminar das ADCs 43 e 44, o referido entendimento foi confirmado. 2. A Suprema Corte, ao tempo em que vigorava o entendimento de ser possível a execução provisória da pena, como agora, não a autorizava para as penas restritivas de direito. Precedentes. 3. Encontra-se em pleno vigor, o disposto no art. 147 da Lei das Execuções Penais (Lei n. 7.210, de 11.07.1984). Não há notícia de que o STF ou a Corte Especial do STJ, no âmbito de suas respectivas competências, tenham declarado a inconstitucionalidade de aludida norma. Nem mesmo no já referido HC 126.292/SP fez-se menção a tal possibilidade. Por conseguinte, este órgão turmário não poderia recusar a aplicação do art. 147 da LEP sem ferir a CF ou desconsiderar a orientação da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

Como visto, o entendimento sustentado pela 5ª Turma do STJ é de que, ao autorizar a execução das sanções penais antes de terminado o processo criminal, o STF deliberou apenas a respeito da pena privativa de liberdade. Por conseguinte, a matéria não deve ser utilizada nos casos em que a PPL fora substituída por penas restritivas de direitos, haja vista o art. 147 da LEP não ter sido declarado inconstitucional.

Insta salientar, que o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, enquanto relator de determinado agravo regimental interposto pelo MPF, argumentou o seguinte: “Se não há declaração de inconstitucionalidade do artigo 147 da LEP, não se pode afastar, data vênia, sua incidência, sob pena de violação literal à disposição expressa de lei”.

Entende-se então, que as PRD’s serão executadas somente quando da sanção penal definitiva, não se admitindo a possibilidade de execução provisória, uma vez que estas punições penais alternativas dependem do trânsito em julgado para sua efetivação.

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, vinha adotando o entendimento de que era perfeitamente possível a execução provisória das penas restritivas de direitos, sob o fundamento de que a pena privativa de liberdade é infinitamente mais gravosa ao apenado e ainda assim é executada provisoriamente, logo, não há o porquê de não executar-se as PRD’s, vez que menos gravosa.

No julgamento do AgRG no Recurso Especial nº 1.627.367 – SP, o Ministro Sebastião Reis Júnior, havia negado provimento ao recurso e indeferido o pedido de execução provisória da pena imposta ao apenado, justamente se baseando no art. 147 da LEP, na qual diz ser necessário o trânsito em julgado da sentença condenatória para que se execute a pena restritiva de direitos. Vejamos:

Por fim, conforme orientação desta Corte Superior, não é cabível a determinação de execução provisória de pena privativa de liberdade convertida em restritivas de direitos, em razão da previsão expressa do art. 147 da Lei de Execução Penal. Nesse sentido as seguintes decisões monocráticas: REsp n. 1.593.314/ES, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 9/11/2016; e AREsp n. 856.703/AL, Ministro Ribeiro Dantas, DJe 27/10/2016. Ante o exposto, concedo habeas corpus , de ofício, para afastar a negativação concebida às circunstâncias judiciais dos antecedentes, da conduta social e das circunstâncias do crime, redimensionando as reprimendas carcerária e pecuniária nos termos da presente decisão, nego provimento ao agravo regimental, e indefiro o pedido de execução provisória.

Todavia, o Ministro Rogério Schietti Cruz pediu vista dos autos para uma análise mais apurada acerca do pedido de execução provisória e, quando de seu voto, divergiu do relator, sob a alegação de que o STF já havia decidido que, a execução antecipada de acórdão condenatório proferido em grau de apelação criminal, mesmo que ainda possível à interposição de recurso especial ou extraordinário, não vem a prejudicar o princípio da presunção de inocência, nos moldes do art. 5º, LVII da CF/88. Assim sendo, decidiu:

À vista do exposto, peço vênia ao Relator para divergir apenas em relação à possibilidade de execução imediata da pena, a fim de deferir o pedido formulado pelo Ministério Público Federal às fls. 255-256 e determinar, por conseguinte, o envio de cópia dos autos ao Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos – SP (juízo da condenação) para que expeça o mandado de prisão e encaminhe a guia de recolhimento ao juízo da VEC, para imediata execução da pena imposta ao agravado.

Insta salientar que seu voto vinha sendo acompanhado pelos demais membros da turma. Todavia, o próprio Ministro Rogério Schietti Cruz, ao julgar o HC de nº 504.721-RJ denegou a liminar pleiteada, se baseando no entendimento da 3ª Seção da casa, se posicionando pela “impossibilidade de execução da pena restritiva de direitos antes do trânsito em julgado da condenação”. Observemos:

Diante desses objetivos, não vejo como decidir de forma diversa do que foi assentado pela Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça nos autos dos já mencionados EREsp n. 1.619.087/SC e HC n. 435.092/SP. À vista do exposto, supero a Súmula n. 691 do STF e concedo a liminar, a fim de suspender a execução das penas restritivas de direitos impostas ao paciente durante o processamento dos recursos constitucionais.

Assim, nota-se que o ministro mesmo tendo entendimento contrário, optou por seguir o entendimento firmado pela Terceira Seção da referida casa, impossibilitando, por conseguinte, a execução provisória das PRD’s.

No âmbito da corte máxima brasileira, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, julgou procedente o recurso extraordinário interposto em face do acórdão do STJ, na qual impossibilitou a execução provisória das penas restritivas de direitos. 

No caso supra, o STJ havia concedido à ordem de habeas corpus visando suspender a execução antecipada das PRD’s, com base no entendimento sustentado em recurso repetitivo nos autos do EResp 1.619.087, nos seguintes termos:

A hipótese dos autos, porém, é de condenação a pena restritiva de direitos, sobre a qual a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada no dia 14/06/2017, no julgamento do EREsp 1.619.087, por maioria de votos, firmou orientação no sentido da impossibilidade de execução provisória, devendo-se aguardar, portanto, o trânsito em julgado da condenação, nos termos do art. 147 da LEP.

O Ministro entendeu que o procedimento adotado pelo STJ vai em sentido contrário ao já consolidado pela Suprema Corte, haja vista a decisão proferida no HC 126.292-SP, na qual admitiu a possibilidade da execução provisória de sentenças condenatórias sujeitas a recursos excepcionais, tendo citado ainda o julgado:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe 17.5.2016). Ressalva de entendimento desta Relatora. 2. Orientação reafirmada por este Supremo Tribunal Federal, ao indeferir as medidas cautelares requeridas nas ADC’s 43 e 44, em que pretendida, ao argumento da inconstitucionalidade do art. 283 do CPP, a suspensão das execuções provisórias da condenação confirmada em 2º grau. 3. Ratificação da jurisprudência da Casa, ao julgamento do ARE 964.246-RG/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário Virtual, DJe 25.11.2016, sob a sistemática da repercussão geral, nos seguintes termos: a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 4. O entendimento firmado não se restringiu aos réus condenados a penas privativas de liberdade, alcançando também aqueles cujas penas corporais tenham sido substituídas por restritivas de direitos. Precedentes. 5. Agravo regimental conhecido e não provido.” (HC 143041 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 14-11-2018 PUBLIC 16-11- 2018)

Por fim, decidiu o seguinte:

Logo, à vista de tais fundamentos, entendo que a decisão do STJ, ao inviabilizar a execução provisória da pena restritiva de direitos, merece reparos, mormente porque incompatível com a jurisprudência prevalecente no âmbito desta Suprema Corte. Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário do MPF, com fulcro no art. 21, §2º, do RISTF para ser autorizada a execução provisória da pena restritiva de direito.

Apesar de o Ministro Edson Fachin, bem como os demais Ministros da Suprema Corte Brasileira, até então, estarem de acordo com a execução provisória das penas restritivas de direitos, no julgamento do HC 161.140/PR, o relator, Ministro Gilmar Mendes, concedeu a ordem de habeas corpus, suspendendo, assim, a execução provisória da pena restritiva de direitos, até que haja trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

O Habeas Corpus em questão foi impetrado contra decisão proferida pelo Ministro do STJ, Rogério Schietti, onde, no julgamento do AResp de nº 531.047, havia determinado o início da execução provisória da pena restritiva de direitos fixada ao réu. Insta salientar que o réu fora condenado à pena de 03 (três) anos, 04 (quatro) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, na qual fora substituída por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços a comunidade, bem como a prestação pecuniária, sendo a condenação ratificada no julgamento da apelação.

Em sua decisão, o relator do HC, Ministro Gilmar Mendes, disse ser sabido que os ministros do STF tem aplicado, monocraticamente, o entendimento da casa, tendo em vista o que fora decidido no HC 126.292/SP. Vejamos:

É cediço que, monocraticamente, os Ministros do STF têm aplicado a jurisprudência do Supremo no sentido de que a execução provisória da sentença já confirmada em sede de apelação, ainda que sujeita a recurso especial e extraordinário, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, conforme decidido no HC 126.292/SP.

Todavia, salienta o seguinte:

No entanto, o mesmo entendimento não se aplica, automaticamente, às penas alternativas. Isso porque, o referido julgado não apreciou questão referente à possibilidade, ou não, do início da execução provisória nas penas restritivas de direito, após confirmação em segunda instância.

Tendo, por fim, decidido:

Diante do exposto, concedo a ordem de habeas corpus para suspender a execução provisória da pena restritiva de direitos, até o trânsito em julgado da condenação.

Nota-se, portanto, que apesar de monocraticamente – e erroneamente – grande parte dos Ministros do Supremo Tribunal Federal estarem autorizando a execução provisória das penas restritivas de direitos, o Ministro Gilmar Mendes, aplicando o Art. 147 da LEP, na qual ainda encontra-se em vigência, agiu corretamente ao indeferir esta antecipação de cumprimento da pena, haja vista não haver previsão legal, jurisprudencial ou sumular sobre o tema.

Logo, conclui-se que, atualmente, não é possível executar-se provisoriamente as penas restritivas de direitos, uma vez que, como abordado pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, bem como pelo Ministro Gilmar Mendes, a temática não fora abordada pelo HC 126.292, bem como, não houve a declaração de inconstitucionalidade do artigo 147 da Lei de Execuções Penais, devendo ele, portanto, ser aplicado.


REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Execução Penal. 5. ed. São Paulo: Forense, 2018.

GALLI, Marcelo. Antecipação de pena restritiva de direitos divide ministros do STJ. 2017. Disponível aqui. Acesso em: 03 jun. 2019.

VALENTE, Fernanda. Se regime inicial não é fechado, execução não pode ser antecipada, decide Fachin. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 03 maio 2019.


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