Expectativas imediatistas e o processo penal
Expectativas imediatistas e o processo penal
Desde Einstein, com a ruptura do paradigma newtoniano, sabemos que o tempo é relativo[1]. Isso quer dizer que o tempo não pode ser medido de forma uniforme, pois possui amplas variações que dependem de circunstâncias como o local, o agente, o evento, a sensação, dentre outras, para que se consiga “sentir” o tempo.
Por isto, é claro que o “tempo processual” não acompanhará o frenético ritmo de nosso “tempo social”. A sociedade dos avanços tecnológicos, do contato instantâneo com qualquer lugar do mundo, do acesso a todas informações sobre determinado tema em pouquíssimos segundos, não aceita a “demora” do processo.
O resultado disto são expectativas criadas em torno da jurisdição criminal que exigem velocidade nos julgamentos, pois o resultado de determinado caso penal necessita acompanhar a velocidade da informação.
Devemos esclarecer que não se trata de festejar e tampouco incentivar a demora processual, mas tão somente frisar que a aceleração desenfreada atropela garantias e macula todo o processo penal.
Sabemos que um processo que perdura um tempo excessivo é um estímulo à impunidade e à injustiça. Demorar 5 ou mais anos para julgar um processo faz com que as provas pereçam, as vítimas sintam-se injustiçadas pela impunidade dos culpados, os acusados sintam-se injustiçados por uma acusação em seu desfavor que não termina e a sociedade, como um todo, perca a confiança no judiciário.
Não precisamos trabalhar nos extremos, ninguém deseja um processo demorado, mas não podemos cair na armadilha de um processo instantâneo. Neste espaço dentro destes dois polos existe um prazo razoável que permita a observância das formas processuais, sem o prolongamento excessivo.
Outro grave problema deste confronto de sensações temporais (social x processual) é o que decorre do julgamento social. O senso comum julga imediatamente, o “suspeito”, “investigado” já é o verdadeiro culpado, afinal “se há fumaça, há fogo” e nesta lógica qualquer espaço de garantia processual é visto como um estímulo à impunidade e um favor ao Acusado.
Isto explica tanta banalização em relação à prisão preventiva, pois grande parcela da sociedade tem expectativas de ver isto dos juízes criminais em um julgamento imediato. Enquanto isto ainda não é possível, o instrumento mais adequado para este fim imediatista passa a ser a prisão cautelar.
Esta sociedade hiperacelerada quer um juiz que se amolde à velocidade de seus anseios e o juiz guiado por estas expectativas criadas em seu entorno acaba por incentivar esta aceleração.
Entretanto, o processo é o caminho necessário para se chegar a uma pena (FERRAJOLI), ele necessita do “seu tempo” para que os fatos possam ser cuidadosamente analisados, para que as provas sejam produzidas e o convencimento do julgador se dê de maneira desapegada de impulsos e análises precipitadas.
O judiciário cada vez mais busca medidas que visem dar maior celeridade ao processo, limitações de números de páginas em sentença e em petições, metas a serem cumpridas pelos juízes, afora outras questões pontuais como inversão na ordem das testemunhas para ouvir as que estão presentes, início do processo sem os resultados das perícias realizadas no inquérito, indeferimento de pedidos de diligências das partes (mormente da defesa), oitiva de testemunha por telefone, intimação por aplicativo de mensagem, dentre tantas outras situações.
A demora processual é um grave problema, como já referido, mas queremos celeridade a qualquer custo?
O judiciário precisa acompanhar a modernização da sociedade, a tecnologia tem que ser empregada para melhorar a prestação jurisdicional, mas uma devida prestação jurisdicional não é a mais rápida, mas sim aquela que melhor se ocupou de analisar os fatos e aplicar devidamente o direito.
Não podemos pensar somente na velocidade e abrir mão da qualidade do processo. Todos sofremos com processos lentos, mas o sofrimento com processos mal julgados, certamente é muito maior.
Que saibamos lutar pela eficiência do processo penal, mas que não deixemos de ter em mente que um processo eficiente é aquele que condena os culpados e absolve os inocentes e que inocentes são todos aqueles sobre os quais não se conseguiu uma produção probatória suficiente em seu desfavor e que, qualquer julgamento, necessita de um processo, devido e legal.
A demora processual é um grave problema, mas não o mais grave dos problemas. Não caiamos na armadilha do imediatismo e não nos esqueçamos que não vale a pena pagar o preço da má qualidade em nome da velocidade da prestação jurisdicional.
NOTAS
[1] Sobre a sua relação com o processo penal, imprescindível a leitura de LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.