Artigos

MAIO LARANJA: A PREVENÇÃO E O ENFRENTAMENTO À EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTIL NO ÂMBITO DA INTERNET

Por: Rafaela Lobato e Emerson Wendt

O abuso sexual condiz em qualquer ato ou comportamento sexual com um menor de idade, mesmo que não haja contato físico. Portanto, aliciar, ludibriar, chantagear qualquer criança para que esta compartilhe qualquer material pornográfico ou obsceno é crime, assim definido no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Não são poucas as notícias que se vê sobre a exploração sexual infantil, as quais estão intimamente ligadas ao abandono digital, já que sem qualquer supervisão por parte dos genitores o contato de pedófilos e aliciadores é facilitado pelos inúmeros meios [de interação] que a rede virtual oferece.
Tornaram-se cruciais e essenciais no ambiente familiar, em decorrência do rápido desenvolvimento da Internet e da facilidade com que milhões de dispositivos podem acessá-la, comportamentos fiscalizatórios de pais em relação aos filhos, já que são legalmente responsáveis por eles e, por isso, precisam manter um olhar atento em seus comportamentos, tanto na vida real, quanto no mundo real-virtual.

O “abandono digital” é a negligência parental configurada por atos omissos dos genitores, que descuidam da segurança dos filhos no ambiente cibernético proporcionado pela Internet e por redes sociais, não evitando os efeitos nocivos delas diante de inúmeras situações de risco e de vulnerabilidade (ALVES, 2017; RADAELLI; BATISTELA, 2019).

Por isso, é relevante que a educação digital seja pauta nos núcleos familiares atuais, pois assim como se deixa uma criança livre para usar e dispor de redes e mídias sociais e um vasto conteúdo oferecido na Internet, deve-se, em contrapartida, haver uma supervisão parental, segura e contínua, no que tange aos limites e, principalmente, aos danos que este universo pode proporcionar.

Nesse diapasão, o artigo 29 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), é decisivo ao assinalar que o usuário terá a opção de livre escolha na utilização de programa de computador em seu terminal para exercício do controle parental de conteúdo entendido por ele como impróprio a seus filhos, desde que respeitados os princípios desta lei e da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Resta claro que a norma jurídica busca reconhecer na nova sociedade digital, despontada pelas mídias sociais e por inúmeros aplicativos, a responsabilidade parental em face dos filhos conectados com as tecnologias que os fascinam e, a um só tempo, os ameaçam à falta de uma correspondente educação digital que os permitam conviver sem maiores riscos.

Embora os números sobre a pedofilia no Brasil sejam difusos, o enfrentamento a esse crime mobiliza autoridades, organizações não-governamentais e cidadãos, que buscam proteger crianças e adolescentes contra essa praga mundial, potencializada com a difusão e venda de imagens pela Internet.
Ao menos no Brasil, essa mobilização tem dado resultados: em um ano, o número de denúncias contra esse crime aumentou mais de 1000% (DENÚNCIAS, 2007). Os dados da Safernet, uma entidade que mantém uma Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos em parceria com o Ministério Público Federal e outros órgãos. De acordo com o grupo, eram registadas, em média, 286 denúncias mensais de crimes em sites de relacionamento, em 2005. Este número atingiu cerca de 3,1 mil denúncias por mês em 2006.

De acordo com Tavares (DENÚNCIAS, 2007), presidente da entidade, o que mais ajuda na proliferação das imagens envolvendo pedofilia é justamente a sensação de impunidade:

Perto da quantidade de denúncias que recebemos, o número de prisões é quase insignificante, por falta de estrutura de Estado. O problema não surgiu com a Internet. Ele acompanha a evolução da humanidade, mas a rede deu uma escala maior ao problema”, afirma. Segundo ele, no Brasil, mais de 90% dos casos de pedofilia na Internet se dão por meio de sites de relacionamento, nos quais a troca de informações sobre o assunto é contínua. (DENÚNCIAS, 2007).

Para a ONG, eram cerca de mil novos sites com conteúdo que remetiam à pedofilia eram criados mensalmente no Brasil. Com redes complexas espalhadas por todo o mundo, os pedófilos aproveitaram e aproveitam o anonimato para agir e ampliam seus horizontes. Quase 20 anos depois, temos, em todos os locais, um aumento das denúncias (POPULAÇÃO, 2022), inclusive no âmbito dos municípios (AUMENTA, 2022).

Apenas no primeiro semestre de 2022, mais de 78 mil denúncias foram registradas pela ONDH. Deste total, 1.150 estão ligados a crimes de violência sexual que afetam a liberdade física ou psíquica da população infanto-juvenil. Se comparados aos dados totais de 2020 e 2021, os números do primeiro semestre de 2022 já indicam alta de 97,6% e 80,1% respectivamente. Isso se deve ao fato de que em 2020 foram registradas, ao todo, 1.178 denúncias contra 1.435 em 2022. (POPULAÇÃO, 2022).

Com essa mudança no cenário dos crimes, onde a investigação e solução geralmente ocorrem por meio de mídias digitais e dispositivos ligados à Internet, surge a necessidade do Direito legislado acompanhar essa evolução, juntamente com a evolução da sociedade. Perante a necessidade, o Direito Digital surgiu com o intuito de compreender a regulamentação de forma específica os conflitos que ocorrem dentro do contexto real-virtual, acompanhando, assim, as mudanças sociais relacionadas à tecnologia e a influência desta nas relações sociais (GIRARDELLO, 2022).

Por se tratar de um conjunto de dimensões globais de redes de computadores interconectados (Art. 4º da Lei 12.735/2012), não há nenhum governo ou qualquer entidade que exerça o controle absoluto da Internet. Por este motivo em diversos países ainda não há uma regulamentação específica para o uso da Internet, embora no Brasil já tenhamos, por exemplo, Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018).

O primeiro grande passo para se prevenir dos riscos existentes na internet é ter em mente de que, nela, nada é “virtual”. Tudo aquilo que acontece na internet ou é realizado por meio dela é real: os dados são reais e as empresas e pessoas que interagem com você são as mesmas com que você interage aqui fora. Portanto, os riscos aos quais as pessoas estão expostas está exposto na web são os mesmos que elas presenciam no seu dia a dia e os golpes cibernéticos são bastante similares àqueles que ocorrem na rua ou por telefone.

Também foram criados diversos sites com o objetivo de esclarecer, educar e prevenir que mais casos de abuso sexual infantil ocorram. Neles também podem ser feitas denúncias anônimas e campanhas para combater a pedofilia .

A legislação brasileira vem se adequando às condutas divergentes que advêm da internet, embora ainda possa se discutir que as mudanças dos últimos 20 anos não abrangem por completo todas as condutas consideradas danosas. A alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, por meio da Lei n.º 11.829/2008, alcançou determinas lacunas antes existentes e conferiu modernidade ao texto do ECA. Em contrapartida, novos tipos penais foram criados exigindo dos seus infratores uma punição, que fazem uso das “brechas” legais para se eximir de suas responsabilidades. Ajusta-se a esse fim, através do ECA, por julgar certas condutas, praticadas por pedófilos, as simulações de pornografia infantil por meio de pseudo-imagens, como lesão real e direta aos diretos fundamentais da criança e do adolescente, seja aliciando-os para a prática de abusos e atos sexuais.


Faz-se necessário, de outra parte, a discussão e aprovação de uma norma que regulamente os prazos e procedimentos a cargo dos provedores de internet, de maneira que estabeleça uma forma padronizada e uniforme de acesso da Polícia Judiciária aos dados cadastrais dos usuários. Questiona-se, no entanto, se a edição de uma legislação especial acerca da pedofilia seria mais eficaz para melhor repressão e punição dos atos cometidos pelos pedófilos, haja visto que a pedofilia está associada a um transtorno mental em que a pessoa se sente atraída sexualmente pela criança, não significando a execução de qualquer delito cabível de intervenção penal.
Fato é que a Polícia Judiciária está buscando, constantemente, capacitação para entrar em enfrentamento direto com a exploração sexual infanto-juvenil, principalmente no que se refere à seara dos crimes ocorridos em ambientes virtuais, considerando que cada clique obtido virtualmente, há o registro, há rastros que podem ser obtidos por parte dos investigadores.

Por outro lado, necessita-se de efetividade à recente Lei 14.533/2023, que a Política Nacional de Educação Digital, com o objetivo de articulação entre programas, projetos e ações de diferentes entes federados, áreas e setores governamentais, a fim de potencializar os padrões e incrementar os resultados das políticas públicas relacionadas ao acesso da população brasileira a recursos, ferramentas e práticas digitais, com prioridade para as populações mais vulneráveis” (Art. 1º)

Essa política deve, portanto, ir além das forças de segurança pública, porquanto é política pública que auxilia a segurança virtual, com os eixos da educação digital no âmbito escolar e da capacitação e especialização digital. Ações como o Maio Laranja auxiliam a compreender o fenômeno, mas há necessidade de que a política pública seja perene e constante, ampliando-se as redes de proteção às crianças e adolescentes em face dos riscos no ambiente cibernético.

REFERÊNCIAS

ALVES, Jones Figueirêdo. Negligência dos pais no mundo virtual expõe criança a efeitos nocivos da rede. Revista Consultor Jurídico, Processo Familiar, Pernambuco, 2017.

AUMENTA o número de denúncias de abuso e exploração sexual. Câmara Municipal de Ipatinga, 18/05/2022. Disponível em: https://www.camaraipatinga.mg.gov.br/news/6429/aumenta-o-numero-de-denuncias-de-abuso-e-exploracao-sexual.html. Acesso em: 15 mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 15 mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 11.829, de 25 de novembro de 2008. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11829.htm. Acesso em: 15 mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 12.735, de 30 de novembro de 2012. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar, e a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas informatizados e similares; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12735.htm. Acesso em: 15 mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 15 mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 15 mai. 2023.

BRASIL. Lei nº 14.533, de 11 de janeiro de 2023. Institui a Política Nacional de Educação Digital e altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 9.448, de 14 de março de 1997, 10.260, de 12 de julho de 2001, e 10.753, de 30 de outubro de 2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14533.htm. Acesso em: 15 mai. 2023.

DENÚNCIAS de pedofilia crescem 1000% em um ano. Dourado News, 03/11/2007. Disponível em: https://www.douradosnews.com.br/noticias/denuncias-de-pedofilia-crescem-1000-em-um-ano-4a90efbe144161dfca02e13e/314321/. Acesso em: 15 mai. 2023.

GIRARDELLO, Diogo Prestes. O que é Direito Digital? Conceito de Direito Digital e sua abrangência. Disponível em: https://diogoprestes.jusbrasil.com.br/artigos/252818928/o-que-e-direito-digital. Acesso em: 15 mai. 2023.

POPULAÇÃO mais informada faz aumentar denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes na internet. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Brasil, 07/10/2022. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/eleicoes-2022-periodo-eleitoral/populacao-mais-informada-faz-aumentar-denuncias-de-crimes-sexuais-contra-criancas-e-adolescentes-na-internet. Acesso em: 15 mai. 2023.

RADAELLI, Bruna Rosado; BATISTELA, Caroline Gassen. O abandono digital e a exploração sexual infantil. In: Anais do 5º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade em rede. 2019.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo