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Falência da prisão e a necessidade de estímulo às penas alternativas

Vários países já descartaram as longas penas privativas de liberdade, ao perceberem que as prisões são fatores criminógenos de alto poder, pois causam, irremediavelmente, a desintegração social e psíquica do indivíduo e também de seu círculo familiar. De outro lado, as penas curtas tampouco conseguem prevenir a reincidência, e muito menos readaptar o delinquente. A falência da prisão pode ser notada quando se constata que grande número de delinquentes são ocasionais, de índole meramente circunstancial, e não requerem reclusão ou tratamento. Outros, como os doentes mentais, os alcoólatras, os farmacodependentes, não devem cair no âmbito da lei penal, mas readaptarem-se, caso possível, no plano médico e psiquiátrico.

Desses e outros fatores deriva o fracasso da Política Criminal tradicional (prevenção, controle, tratamento e reabilitação). A insistência sobre a reabilitação do delinquente leva, inexoravelmente, a que se acentue sua condição de ser marginal à sociedade (CERVINI, 2002, p. 78).

No momento em que a prisão se converteu na principal resposta penológica, especialmente a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser um meio adequado para conseguir a reforma do delinquente. Predominou a firme convicção de que a prisão poderia ser um instrumento idôneo para realizar todas as finalidades da pena e que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o delinquente. Porém, esse otimismo inicial desapareceu, e atualmente predomina uma atitude pessimista (teoria agnóstica), que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional (BITENCOURT, 2007, p. 102).

Segundo FERRAJOLI (2002. p. 331),

A prisão é […] uma instituição ao mesmo tempo antiliberal, desigual, atípica, extralegal e extrajudicial, ao menos em parte, lesiva para a dignidade das pessoas, penosa e inutilmente aflitiva. Por isso resulta tão justificada a superação ou, ao menos, uma drástica redução da duração, tanto mínima quanto máxima, da pena privativa da liberdade, instituição cada vez mais carente de sentido, que produz um custo de sofrimento não compensados por apreciáveis vantagens para quem quer que seja.

A crise da prisão abrangeria também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se fazem à prisão referem-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter-se algum efeito positivo sobre o apenado. Como bem salienta Cezar Roberto BITENCOURT (2007, p. 103), “a história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas de sua permanente reforma”.

Para ROXIN (2002, p. 88-89), as penas rigorosas, sobretudo as privativas de liberdade, são verdadeiramente imprescindíveis aos crimes mais graves (“delitos capitais”) e aos reincidentes, mas não são um meio de reação adequado contra a média e pequena criminalidade, numericamente superior. Não se deve trabalhar para lograr seu incremento, apenas para conseguir uma redução, o que diminuirá seus efeitos nocivos e será um meio restritivo de liberdade que pode ser combinado com intensivas terapias sociais para os infratores que devem cumprir largas condenações.

Esta tese se confirmaria ao observar que a criminalidade aumenta e a taxa de reincidência é muito alta, apesar de todas as penas anteriores. É que em todas as sociedades existirá sempre uma certa medida de delinquência, assim como doenças e deficiências físicas são inevitáveis.

Muitos fatos puníveis resultam de situações para as quais os homens com uma vida normal e dentro da legalidade não estão psicologicamente preparados. Nestas situações, o sujeito encontra no delito a única saída. Grande parte dos delitos violentos resultam de relações conflitivas em estreitos núcleos sociais. Em situações extremas, caracterizadas por fortes afetos ou grande medo, as normas perdem a sua força de motivação.

Uma vasta fonte de delinquentes provém de relações familiares desunidas. Quando esses seres humanos são estigmatizados através dos delitos, o Direito Penal chega muito tarde, pois dificilmente seu encarceramento conseguirá corrigir sua socialização.

A miséria econômica conduz grupos marginalizados da população à comissão de delitos contra a propriedade e o patrimônio, que colocam em perigo a segurança pública. E quem nada tem a perder, não pode ser dissuadido nem mesmo pela ameaça da sanção penal.

Obviamente, todos os delitos, independentemente de suas causas de origem, devem ser penalmente perseguidos, sancionados e desaprovados pelo Estado. É uma exigência de paz e segurança jurídica. Assim, o Direito Penal evita a anarquia, sendo, portanto, indispensável. Mas se espera muito quando se supõe que, através das penas duras, reduzir-se-á substancialmente a criminalidade existente.

As penas não são, na concepção de ROXIN (2002, p. 92), de nenhuma maneira, um meio adequado para lutar contra a criminalidade. A pena privativa de liberdade já representou um grande progresso rumo à humanização do Direito Penal, pela a superação dos cruéis castigos corporais de tempos passados. Hoje, no entanto, apresenta muitos inconvenientes.

Só é possível reeducar alguém a uma vida responsável em sociedade se lhe oferecerem condições de vida que não sejam tão radicalmente distintas da vida em liberdade.

A pena privativa de liberdade possui um efeito multidissocializador, porque, durante a sua aplicação, o delinquente é retirado de seu vínculo familiar e de sua relação laboral e, deste modo, se detém o curso normal de sua vida. Dessa forma, ele pode permanecer definitivamente marginalizado da sociedade e sair do sistema prisional mais perigoso criminalmente que antes de cumprir a sanção.

A pena privativa de liberdade permite que o delinquente relativamente inofensivo tome contato com outros em um ambiente criminal, possibilitando que posteriormente operem juntos. Além disso, possui um custo muito alto para o Estado, o que frequentemente resulta em menos recursos para as medidas de ressocialização, gerando condições inferiores às propícias.

Justamente em função dessa restrita eficácia da pena e de sua nocividade, deve-se dedicar maior atenção à prevenção do delito, através de outros meios, sociais, policiais, legislativos e técnicos. A política prisional é um tema delicado, que deve ser tratado por aqueles que realmente estudam a matéria, e não por aventureiros.

Porém, a política social estatal deixa muito a desejar na maioria dos países nos quais o abismo entre pobres e ricos é muito grande, como no Brasil. Os recursos que se investem na construção de novas prisões melhor deveriam ser gastos em promover a eficiência da polícia, tecnicamente melhor preparada e apoiada em confiáveis meios computacionais de investigação, a fim de aumentar o risco de o delinquente ser capturado.

Na chamada estratégia global de prevenção se encontram medidas preventivas do delito. ROXIN (2002, p. 98) cita como exemplo uma medida adotada na Alemanha de se fechar a longo prazo todas as usinas atômicas, a fim de prevenir explosões nucleares. Isso é obviamente mais eficaz do que primeiro esperar o acidente atômico e posteriormente castigar os responsáveis.

O mesmo ocorre com grandes empresas causadoras de prejuízos ao meio ambiente ou cujos produtos produzem perigos sanitários, às quais se pode aplicar severas multas, vigiá-las e, em casos graves, fechá-las. Sendo assim, a prevenção seria mais efetiva que a pena. Essa perspectiva deveria, portanto, ser aplicada também à criminalidade patrimonial e violenta de nossas grandes cidades. Há, entretanto, um grande interesse político e econômico de diversos atores em “comercializar” a segurança, que é um fator que movimenta a pauta de discussões legislativas constantemente.

Mas, se realmente quisermos fortalecer a segurança individual e garantir a paz social, tanto quanto seja possível, necessitamos de uma ciência interdisciplinar de prevenção, na qual esteja incluída a cooperação do Direito Penal. O sistema de reação penal deve ser ampliado e, sobretudo, complementado com sanções penais similares de caráter social construtivo.

Para uma prevenção melhor que a que atualmente se tem são necessárias penas, tanto antes, como depois. Porém, basicamente o que se tem são penas privativas de liberdade e penas de multa.

As multas têm a vantagem de evitar as anunciadas desvantagens da prisão, porém frequentemente também não são um meio idôneo, já que os pobres não têm como pagá-las, alguém pode evitar pagá-las, deixando que terceiros as paguem (vimos essa situação claramente na AP470) e, finalmente, o sujeito pode conseguir os meios de pagá-las pela prática de outros delitos.

Assim, ROXIN sugere a disseminação de novas penas, como a prisão domiciliar e a proibição de dirigir, ambas já implantadas com restrições no Brasil[1]. Além disso, propõe a ampliação das sanções penais similares, que pressuporiam uma livre participação do infrator, como o oferecimento de terapias, a prestação de serviços à comunidade ou a reparação à vítima em dinheiro ou trabalho (ROXIN, 2012, p. 103-104).

Aliado a isso, em casos leves, nos quais o delito só causa perturbações sociais, não é necessário levar adiante o processo, podendo sobrestar-se o procedimento e, em seu lugar, impor determinados serviços[2]. Nosso projeto de novo CPP (PL 8045/2010) avança nesse sentido, trazendo, por exemplo, a possibilidade de extinção da punibilidade, quando a continuação do processo e a imposição da sanção penal puder causar mais transtornos aos diretamente envolvidos no conflito, nos casos de infrações penais cujas consequências sejam de menor repercussão social, tendo havido recomposição do dano e conciliação entre autor e vítima (art. 308, § 4º).

Logo, um amplo catálogo de sanções seria mais eficaz na luta contra a delinquência em comparação com o endurecimento das penas, hoje comprovadamente ineficazes (ROXIN, 2012, p. 105).

Sustenta-se também que, quanto menor a gravidade da pena, menores sejam as garantias com que deve rodear-se a sua imposição, o que configura flagrante contrassenso, já que as penas menores são as mais aplicadas (ZAFFARONI, 1999-2000, p. 87-88).

O encarceramento, a não ser para os denominados “presos residuais”, é uma injustiça flagrante, sobretudo porque, entre eles, não se incluem os agentes da criminalidade não-convencional (os “criminosos do colarinho-branco”). Visualiza-se, então, a busca pela substituição da pena privativa de liberdade, visivelmente ultrapassada, por penas reparatórias e restritivas de direitos, introduzidas diretamente nos tipos penais, transformando-as em penas principais (CIPRIANI, 2006, p. 462.).

A reflexão que se impõe é até que ponto essas “penas alternativas” não estariam dilapidando os pressupostos clássicos do delito, especialmente o princípio da culpabilidade, ao serem impostas como sanções prévias ao cometimento de um possível ilícito penal. A pena privativa de liberdade deve ser imposta somente aos delitos mais graves. Aumentar o sistema prisional, dando mais vagas para um número cada vez maior de presos não resolve o problema da criminalidade (urbana, ambiental, financeira, etc.). Serve, isso sim, para dar uma falsa sensação de resolução dos problemas, que são anteriores ao cometimento do delito.

O crime é só uma consequência da descrença na força do ordenamento jurídico. A prisão não repara nem as vítimas nem a sociedade. O problema da pena é inevitavelmente um eterno repensar. O maior pré-requisito do estudioso do Direito Penal é sempre duvidar, nunca parar de questionar a si mesmo e ao mundo que o rodeia. Afinal, quando aceitamos a imposição de uma pena aos nossos concidadãos, aceitamos que um mal pode ser praticado com o fim de atingir um bem maior.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1.

CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

CIPRIANI, Mário Luís Lírio. Direito penal econômico e legitimação da intervenção estatal – Algumas linhas para a legitimação ou não-intervenção penal no domínio econômico à luz da função da pena e da política criminal. In: D’AVILA, Fabio Roberto; SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder (Coord.). Direito penal secundário: estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. .

ROXIN, Claus. Problemas actuales de la política criminal. In: ARANDA, Enrique Díaz (Ed.). Problemas fundamentales de Política Criminal y Derecho Penal. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2002.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La Globalización y las Actuales Orientaciones de la Política Criminal. Direito e Cidadania, Cabo Verde, a. 3, n. 8, p. 71-96, 1999-2000.


NOTAS

[1] A prisão domiciliar foi oficialmente introduzida no Brasil como medida cautelar com a lei nº 12.403/2011 que alterou o Código de Processo Penal (artigos 317 e 318). A suspensão da habilitação ou proibição de dirigir veículos automotores é punição prevista no art. 292 do Código de Trânsito Brasileiro, desde 1997 (art. 292). As medidas também podem ser impostas cautelarmente, de acordo com previsão do art. 294 do CTB.

[2] Tal como o instituto da “suspensão condicional do processo”, inserido no ordenamento brasileiro pela Lei nº 9.099/95falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão falência da prisão

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