Dos aspectos negativos da falta de ressocialização do condenado
Dos aspectos negativos da falta de ressocialização do condenado
A Lei de Execução Penal (LEP) é considerada o cânone constitucional dos condenados e é, sem dúvidas, uma das leis mais avançadas do mundo com a finalidade precípua de garantir os direitos do preso na execução da pena e sua ressocialização.
Contudo, mesmo com toda a sua maestria, a de ser uma das leis mais avançadas, ela está aquém de conseguir cumprir o seu papel pois que, o que vemos nitidamente, são estabelecimentos penais caóticos e, na sociedade e na justiça criminal, um alto índice de reincidência.
É através da reincidência que temos o principal termômetro da deficiência do sistema penal punitivo brasileiro dado que através dela é possível perceber que as pessoas entram no mundo do crime por apresentarem certas carências e, ao saírem, continuam apresentando tais deficiências (culturais, econômicas, educacionais e etc.), se não piores que aquelas que originaram sua entrada no sistema. Conforme dito, as carências vão da falta de moradia digna, escolaridade, qualificação profissional ou de caráter e personalidade até a do acesso a itens básicos e à saúde.
As políticas públicas e a população preocupam-se mais com o “enjaulamento” do preso do que de fato deveriam preocupar: a ressocialização. A falta do cumprimento dos direitos exaustivamente previstos na LEP causa um círculo vicioso, principalmente relacionado com o fenômeno da reincidência, vez que em um pequeno intervalo de tempo os infratores saem dos estabelecimentos penais e cometem novos delitos.
A LEP prescreve em seu artigo 10 que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” e ainda enfatiza em seu parágrafo único a assistência estendida ao egresso.
Noutro giro, o artigo 5º da Carta Maior aduz em seu inciso XLIX que “é assegurado aos presos o respeito a integridade física e moral.” Contudo, tal integridade está longe de ser cumprida.
O condenado é muitas vezes, levado à condições de vida que nada têm a ver com as condições de vida de um ser humano, vez que é privado, inclusive de limitações banais que passam muitas vezes até despercebidas até o encarceramento, atos simples como fumar, beber, ver televisão, comunicar-se por telefone, receber ou enviar correspondência, manter relações sexuais, etc.
O filme norte-americano “Um sonho de liberdade” (1994) demonstra bem essa dicotomia “encarceramento versus liberdade”. O indivíduo ao entrar no presídio, tem sua vida brutalmente modificada, seja pelas restrições, seja pelas perseguições de outros detentos.
Há, de certo modo, uma espécie de institucionalização do agente (preso) no sistema carcerário e, quando este deixa o sistema penitenciário, novamente sofre uma mudança radical, ficando à mercê da própria sorte, sem perspectivas, sem inserção na sociedade, sem moradia, tão somente “vestido com a roupa do preconceito” social (a estigmatização – a pecha de criminoso) e muitas vezes da própria família.
De fato, assim como retratado no filme, o sistema não procura resolver as deficiências apresentadas pela pessoa, tão somente exerce sobre ela um controle incapaz de demovê-los da criminalidade e de devolvê-las à vida em sociedade.
Dentre os aspetos a serem observados, o egresso, na maior parte das vezes, sofre com a falta do apoio familiar. Se a própria família não o aceita, quiçá a sociedade.
Consequentemente, ao sair do encarceramento, o egresso não possui moradia e lembremos, ainda não tem condições financeiras de conseguir arcar com tais despesas. Ainda sofre com tal estigma ao tentar conseguir alguma recolocação no mercado de trabalho.
Ao se dizer que o egresso fica mercê à própria sorte não é exagero. Veja que ele, quando posto em liberdade, está sem residência, sem perspectiva de exercer uma atividade lícita, sem apoio familiar e, ainda, sofrendo preconceito estigmatizante, não havendo outra alternativa, como uma das soluções de sua sobrevivência, senão o cometimento de novos crimes.
Assim, é indubitável a importância da conscientização de que a assistência ao egresso na forma de oferecimento de uma moradia temporária, emprego, de regularização de sua documentação e de uma crescente adaptação às condições da vida em liberdade é aspecto sine qua non para a quebra desse ciclo vicioso.
Com maestria, bem enfatizado que o preso, o condenado, na mente do cidadão comum e mesmo dos mais evoluídos, será sempre uma ameaça, não bastando que tenha pago seu crime com a supressão de sua liberdade, a pecha lhe incomodará por toda sua vida.
Assim, não há dúvidas que a ausência de projetos de recuperação por parte do Estado, a falta de consciência da sociedade que estigmatiza o egresso, aliados ao tempo de encarceramento degradante de superpopulação, uma alimentação inadequada, falta de higiene e assistência sanitária, dentre outras coisas é em grande parte a responsável pelos novos cometimentos de crimes. É um verdadeiro “tapar o sol com a peneira”.
E, à luz do que foi dito no início deste artigo, indaga-se: do que adianta termos uma das leis mais avançadas do mundo, se na prática ela não é aplicada?
Como bem disse o ilustre jurista e professor alemão Gustav Radbruch precisamos “não de um Direito Penal melhor, mas algo melhor que o Direito Penal”. E nesse caso, algo melhor é o Estado parar com toda essa demagogia e a sociedade com essa hipocrisia.
Assim, deve-se quebrar o paradigma da dicotomia encarceramento e liberdade como forma de cumprimento de pena e libertação do indivíduo à sociedade. Devem ser as premissas desse eixo entendidas como a do “punir e ressocializar” pois que, um Estado que pune mais e que também educa e reintegra com dignidade e respeito nos termos da Carta Magna e da Lei de Execução Penal, é um Estado que põe em prática os dogmas estatuídos na Constituição Federal e na LEP.
Em suma, tratar os indivíduos infratores sem ressocializar é sucatear o convívio em sociedade, é como produzir um “lixo”, sem reciclar, sendo que o é perfeitamente possível.