Feminicídio: o que está acontecendo no Brasil?
Por Bruno Espiñeira Lemos
Confesso-me estarrecido com os últimos casos de mortes de mulheres protagonizadas por homens ocorridas recentemente, com destaque para os dois casos ocorridos esse mês no Distrito Federal. Tirando-se os sociopatas de plantão, todos os homens que matam mulheres por conta da condição de mulher, são doentes terminais.
O conceito de doença aqui imputado tem uma visível raiz histórica, tem um cunho evidente de machismo atávico e patriarcal e por que não dizer claros elementos de patrimonialismo (na perspectiva de propriedade de suas companheiras, como se donos fossem e não aceitassem rompimentos, como se tivessem o poder de vida morte sobre elas), se não pode ser “minha”, não será de mais ninguém!
Uma interessante pesquisa de 2015, intitulada A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA FATAL: O PROBLEMA DO FEMINICÍDIO ÍNTIMO NO BRASIL (leita o estudo aqui), realizada pelo Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da FGV DIREITO SP, publicada pelo Cejus, da Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, nos dá conta de que:
A violência fatal atingiu mais de 50 mil mulheres entre 2000 e 2010, ano em que a taxa de mortes foi de 4,6 por 100 mil habitantes (Waiselfisz, 2012: 8).* À semelhança de outros países da América Latina, o problema do feminicídio no Brasil está estreitamente ligado à violência conjugal: dentre as mulheres assassinadas, muitas morreram pela ação de pessoas com quem mantinham ou mantiveram um relacionamento afetivo. Esse fenômeno é conhecido como feminicídio íntimo. (*Considerando a realidade brasileira, é preciso destacar que há diferenças regionais: no Espírito Santo, a taxa é de 9,8 por 100 mil habitantes e no Piauí, 2,5 por 100 mil habitantes, segundo o Mapa da Violência 2012. O relatório Femicide: a global problem (2012) aponta que a partir de 3 por 100 mil habitantes a taxa pode ser considerada muito alta).
O denso estudo realizado em destaque, apresenta-nos o cenário em diversos países latino-americanos e nos informa, inclusive, que no México o autor de um feminicídio pode ser condenado até mesmo à prisão perpétua, na Argentina, até 40 (quarenta) anos na Colômbia, 30 (trinta) anos na Bolívia, 35 (trinta e cinco) anos na Costa Rica, 30 (trinta) anos na Venezuela.
E nos diz mais a pesquisa. Como são mortas essas mulheres?
“Faca, peixeira, canivete. Espingarda, revólver. Socos, pontapés. Garrafa de vidro, fio elétrico, martelo, pedra, cabo de vassoura, botas, vara de pescar. Asfixia, veneno. Espancamento, empalamento. Emboscada, ataques pelas costas, tiros à queima-roupa. Cárcere privado, violência sexual, desfiguração”. “Em um caso bastante emblemático, as facadas foram dirigidas a seios e vagina, fato que suscita o intuito de atingir a especificidade do corpo feminino. Ao final do ataque, a faca restou encravada, até a metade do cabo, no peito da vítima”.
Não me agrada a ideia de trazer para o sistema penal o protagonismo em matéria de soluções de problemas sociais estruturantes. O direito penal simbólico não se mostra satisfatoriamente eficaz em casos dessa natureza, pois, por mais que se aumentem as penas ou se qualifiquem as condutas dos agressores as estatísticas não têm acompanhado o caminho inverso. Temos agora a previsão do “feminicídio” no Código Penal brasileiro. Podemos afirmar que foi importante a mudança da norma? Ainda não sei e nem posso afirmar.
O que parece-me próximo do que são nossas tarefas enquanto sociedade, eu destacaria a de destruir ou desconstruir uma série de arquétipos equivocados e distorcidos nas relações de gênero que legitimam um “bem” e “mal” inexistentes em matéria de condutas e escolhas pessoais de qualquer natureza; a de extinguir do imaginário coletivo qualquer resquício da famigerada “legítima defesa da honra”, mas, acima de tudo, cabe a nós, pais e mães, apresentarmos para os nossos filhos os valores horizontais de respeito ao próximo, sem sexismo, sem machismos, sem ideia de posse de quem quer que seja, pois nenhum ser humano, independentemente do sexo, pertence a ninguém, e sigamos em luta permanente e incansável contra todas as formas de perenização das desigualdades de gênero.
Como diz e bem retrata uma célebre frase: “Macho tu violencia es tu impotencia”…