ArtigosDireito Penal

A fixação da pena-base acima do patamar mínimo legal

A fixação da pena-base acima do patamar mínimo legal

Saudações, amigos, hoje iremos comentar um tema bastante interessante: a fixação da pena-base acima do limite legal e o posicionamento dos tribunais pátrios.

Recentemente acompanhei um caso em que a sentença, publicada em audiência, considerou a pena-base muito acima do mínimo legal. A bem da verdade, quase atingindo o máximo da pena prevista em lei. Por óbvio, interpus recurso de apelação por acreditar que, com base nas provas dos autos, não é possível auferir como negativa todas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP.

Sabe-se que o julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime.

Fixação da pena

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Cálculo da pena

Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Pela simples leitura dos dispositivos do CP acima transcritos, percebe-se que a dosimetria será realizada por meio de um sistema trifásico, seguindo modelo defendido por Nelson Hungria e adotado pelo Código Penal de 1940 (em vigor), do seguinte modo:

  1. A 1ª fase, que consiste na fixação da pena-base (artigo 59 do Código Penal);
  2. A 2ª fase, onde o magistrado deverá observar a existência de circunstâncias atenuantes (contidas no artigo 65 do Código Penal) e agravantes (artigos 61 e 62, ambos do Código Penal), confrontando-as;
  3. A 3ª fase, onde será analisado as eventuais causas de diminuição e de aumento de pena (neste ponto, a pena poderá ser inferior ao mínimo legal ou ainda, superior ao máximo).

Mutatis mutandis, não é lícito se valorarem negativamente, no processo de fixação da pena-base (primeira fase da dosimetria da pena), elementos próprios do tipo penal.

Como é sabido, ao julgador incumbe a tarefa de não apenas avaliar todo o conteúdo probatório de um determinado processo para chegar a uma conclusão, mas além disso, é de sua responsabilidade também ditar a sanção penal cabível. Trata-se de tarefa extremamente delicada e complexa que deve obedecer, além de regras legais, princípios constitucionais como o da individualização da pena, legalidade e livre convencimento fundamentado.

Assim, para a pena-base afastar-se do mínimo legal, deve-se levar em consideração circunstancias desfavoráveis do caso concreto, amplamente comprovada nos autos, sob pena de nulidade.

A Súmula n° 444 do STJ relata:

É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. (Súmula 444, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010)

Portanto, ainda que o réu possua contra si inquéritos ou ações penais em andamento o juiz não poderá usar tal fato para afastar a pena-base do mínimo legal.

Sobre o tema, vejamos decisões dos tribunais pátrios:


APELAÇÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA MUITO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS QUE NÃO SÃO DE TODO DESFAVORÁVEIS AO RÉU. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Quando as circunstâncias judiciais não são inteiramente desfavoráveis ao réu, não se justifica a fixação da pena-base muito acima do mínimo abstratamente cominado, podendo-se-a mitigar. (…) (TJ-SC – ACR: 148036 SC 2011.014803-6, Relator: Sérgio Paladino, Data de Julgamento: 16/08/2011, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação Criminal n. , de Criciúma)


HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE ROUBO QUALIFICADO. FIXAÇÃO DA PENA. NULIDADE. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. INOBSERVÂNCIA DO CRITÉRIO TRIFÁSICO. REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. IMPROPRIEDADE. PRECEDENTES. 1. Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena fundando-se, tão-somente, em referências vagas, sem a indicação de qualquer circunstância concreta que justifique o aumento, e inobservando o critério trifásico, de forma desordenada e em fases aleatórias. Precedentes desta Corte Superior. […] (HC 96.395/SP, Rel. Ministra  LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 14/04/2008).


Assim, citando como exemplo o crime de estupro previsto no artigo 213 do CP (pena de reclusão de 6 a 10 anos), o juiz, ao condenar o acusado deverá considerar a pena mínima (6 anos), somente afastando-se dela se reconhecer, motivadamente que as circunstâncias judiciais são negativas, sendo que, em todo caso, a jurisprudência tem entendido que para cada circunstancia valorada negativamente, aumenta-se um sexto da pena.

Fiquemos atento para os casos de eventuais abusos ou excessos, pois uma pena de um dia de prisão a mais, que seja, será abusiva, se aplicada sem fundamentação idônea ou amparo nas provas dos autos.

Jairo Lima

Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9474 4848.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo