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Furto e erro de tipo

Furto e erro de tipo

Olá amigos, espero que estejam bem.

Esta semana resolvi trazer um tema bastante curioso no que diz respeito à possibilidade de alegação de erro de tipo no crime de furto e outras questões atreladas à temática.

O erro de tipo, destarte, situa-se no terreno da tipicidade e interfere na adequação típica. Ele dividi-se em erro essencial ou acidental.

O erro de tipo essencial é aquele que recai sobre elementos ou circunstâncias essenciais do tipo. Pode ser inevitável ou evitável; no primeiro caso, exclui dolo e culpa, ao passo que na segunda hipótese, o dolo também é excluído, mas permite-se, porém, a punição por crime culposo, se houver previsão legal.

Por sua vez, o erro de tipo acidental, pode-se entender como aquele que recai sobre elemento acessório/secundário, muitas vezes irrelevante à caracterização da infração.

Em análise perfunctória sobre o crime de furto, imperioso destacar a possibilidade da existência de erro de tipo, em determinado caso concreto.

Imagine a seguinte situação: JOÃO, passeando pela rua encontra um celular abandonado e se apropria do mesmo, utilizando como se fosse seu.

Nesse caso, JOÃO não comete o delito de furto, vez que pressupõe estar diante de coisa abandonada, por estar em via pública ao alcance de qualquer transeunte, incidindo em erro de tipo quanto à elementar ‘coisa alheia móvel’, que não compreende em sua definição a coisa abandonada (res derelicta). Não se nega que comete o delito previsto no art. 169, II, do CP o agente que encontra celular em calçada de via pública, e, após dele se apoderar, deixa de restituí-lo ao saber quem é o seu dono, mas, em relação ao crime de furto, o fato seria atípico. Nesse sentido (APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0460.13.000677-4/001 – Comarca de Ouro Fino – Apelante: B.M.S. – Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Vítima: G.C.L. – Relator: DES. PAULO CEZAR DIAS).

Mas, e se o erro for determinado por terceiro, qual seria a sua implicação jurídica?

Sendo mais preciso:

Suponha que JOÃO convide PEDRO para ir até a residência daquele onde estaria vendendo alguns bens móveis a preço módico, sob alegação de que faria uma mudança para outra cidade. PEDRO, agradecido pelo convite, se desloca em seu veículo, juntamente com JOÃO até a residência. Chegando lá, PEDRO indica quais produtos quer e espera no carro enquanto JOÃO abre o imóvel e se apodera dos objetos, colocando no interior do veículo. Posteriormente, ambos foram presos sob a alegação do cometimento do crime de furto em concurso de pessoas. PEDRO alega que comprou os objetos mas não apresenta qualquer documento.

O exemplo parece complexo, mas não é difícil se deparar com situações análogas nos fóruns do país.

Para que não se corra o risco de ser iníquo, primeiro, importa esclarecer a respeito do erro determinado por terceiro.

Nesta modalidade, o agente atua por erro em virtude de provocação ou determinação de terceiro, que pode ser dolosa ou culposa.

O erro determinado por terceiro também torna o fato atípico, se invencível.

Estabelece o art. 20, § 2º, do Código Penal:

Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

(…) § 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

No erro determinado por terceiro, como vimos, o agente pratica a conduta porque falsa é sua percepção da realidade a respeito dos elementos constitutivos do tipo penal, em razão da atuação de terceira pessoa. Aqui o agente não erra por conta espontaneamente, mas sim por provocação de outrem.

A situação prevista no artigo 20, §2º, do Código Penal trata-se, pois, de um erro induzido pelo agente provocador, que leva o agente provocado a prática de ilícito penal, sem contudo, que este (o induzido) tenha ciência. Para exemplificar, imagine o caso de um médico que, com intenção de matar seu paciente, um desafeto, induz a enfermeira a ministrar dose de veneno àquele.

No exemplo acima, se comprovado que PEDRO não sabia que os objetos eram produto de furto, ausente estará o elemento subjetivo do tipo (dolo), e, não havendo previsão para furto culposo, deverá ser absolvido. Quanto a JOÃO, não há dúvidas que este deverá ser condenado.

O fato de ter sido encontrado algum bem com o acusado JOÃO não é capaz, por si só, de assegurar que este seja autor do furto.

Entende-se que o fato jamais pode ser considerado furto, diante da ausência da elementar do tipo SUBTRAIR COISA ALHEIA MÓVEL.

Admitindo-se que a posse dos bens é capaz de demonstrar a autoria delitiva, é preciso discutir a que infração essa ação corresponde.

Isso porque entende-se que, na mais dramática das hipóteses, caberia a responsabilização por receptação.

Analisemos a figura do artigo 180 (Receptação) do Código Penal:

Art. 180 – Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Os fatos descritos no caput do artigo 180, são puníveis, exclusivamente a título de dolo, que abrange a consciência de que o objeto material é produto de crime: vontade de adquirir, receber ou ocultar coisa produto de crime, consciente o sujeito dessa circunstância.

Analisemos agora a hipótese de dolo subsequente:

Seria a hipótese em que o sujeito adquirisse a coisa de boa-fé, vindo depois a saber que é produto de crime.

Neste caso, se o réu adquiriu objeto de boa-fé e tão logo soube que tal era proveniente de crime, de imediato, entregou-o junto à Delegacia de Polícia local, voluntariamente, seria hipótese de absolvição.

Segundo entendimento de Damásio de Jesus, tal hipótese descrita acima, não configura receptação. Para ele, o dolo deve ser contemporâneo com a conduta. Realizada esta, o posterior elemento subjetivo não tem efeito retroativo, no sentido de dominar um comportamento já consumado, a não ser que o sujeito realize nova ação que configure o tipo penal. Nesse sentido: RT, 580:373 (in Código Penal Anotado, pg. 539, Ed. 1991, Ed. Saraiva).

Ausente prova do elemento subjetivo, poderia a acusação pleitear a condenação pelo crime de receptação, como muito se vê. Contudo, ainda assim, deverá existir prova suficiente de autoria e materialidade, além da comprovação da ciência do réu de que sabia estar adquirindo produto oriundo de conduta criminosa.

FURTO QUALIFICADO – DESCLASSIFICAÇÃO PARA RECEPTAÇÃO – POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE PROVA DA SUBTRAÇÃO – DECOTE DA REINCIDÊNCIA – VIABILIDADE –  REGISTRO ANTERIOR COM PRESCRIÇÃO RECONHECIDA – MITIGAÇÃO DE REGIME E SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS – NECESSIDADE – REQUISITOS PREENCHIDOS. Não descontituída a versão defensiva de que adquiriu o objeto de furto, por preço desproporcional ao valor do bem, necessária a desclassificação delitiva. O reconhecimento da prescrição afasta todos os efeitos primários e secundários da condenação, não podendo a esta servir como fundamento para o reconhecimento da reincidência. Preenchidos os requisitos, necessário substituir a pena corporal por restritivas de direitos. (TJ – MG – AOR: 10145180010194001 MG, Relator: Alexandre Victor de Carvalho, Data de Julgamento: 15/10/2019, Data de Publicação: 21/10/2019).

Embora não concorde com a nomenclatura, a dita receptação culposa encontra previsão legal no § 3º, do art. 180, do Código Penal, o qual estabelece:

Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.

Nesse caso, a desproporção é relacionada ao conhecimento do homem médio, devendo o juiz sopesar as condições específicas do caso concreto, em cotejo com as provas dos autos.

APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA – FURTO – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO – AFASTADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA RECEPTAÇÃO RECONHECIDA DE OFÍCIO. DECOTE DAS MODULADORAS NEGATIVAS – PREJUDICADO. FIXAÇÃO DE REGIME ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA – POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não sendo o caderno probatório capaz de comprovar a prática do crime de furto pelo autor, mas, ao contrário, evidenciar seguramente a prática do delito de receptação simples, a desclassificação do crime é medida que se impõe. (TJ-MS – APR: 00191540620148120001 MS 0019154-06.2014.8.12.0001, Relator: Des. José Ale Ahmad Netto, Data de Julgamento: 07/08/2019, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 09/08/2019)

Por fim, concluímos ser perfeitamente possível a ocorrência de erro de tipo no delito de furto, com a consequente atipicidade do fato (exclusão do dolo e da culpa). Caso o erro seja acidental, como aquele determinado por terceiro, haverá a exclusão do dolo, devendo o agente provocador do erro ser punido a título de dolo ou culpa, a depender do caso concreto.

É o nosso entendimento, salvo melhor juízo.


REFERÊNCIAS

FUZII, Marco Antônio. Erro jurídico-penal: modalidades, natureza jurídica e efeitos. Disponível aqui. Acesso em: 20 mai. 2020.


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Jairo Lima

Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9474 4848.

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