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A distinção entre a futilidade e a torpeza no crime de homicídio qualificado

A distinção entre a futilidade e a torpeza no crime de homicídio qualificado

A vida é o bem jurídico que mais recebe a tutela do Código Penal. Comprova-se tal afirmação ao perceber a importância com a qual o legislador tratou de posicionar os crimes contra a vida logo nos primeiros artigos da parte especial do diploma legal supramencionado.

O artigo 121, caput, do Código Penal, preceitua a conduta de matar alguém dolosamente (animus necandi), com reprimendas de seis a vinte anos. Conduta essa também conhecida como homicídio simples.

Ademais, o parágrafo 2º do dispositivo citado traz um rol taxativo de qualificadoras, que cominam em reprimendas ainda mais severas àqueles que agem com o intento de ceifar a vida alheia.

Essas qualificadoras têm a finalidade, em razão da reprovabilidade da conduta do agente perante a sociedade, de elevar as penas aplicadas ao crime, aumentando, tanto a pena mínima quanto a máxima. Logo, o crime de homicídio simples, que cominava penas de seis a vinte anos, passa a ter a pena de doze a trinta anos de reclusão, chegando a atingir a pena máxima aplicável no Brasil.

Além das penas aplicadas a um patamar mais elevado, o crime de homicídio doloso, com qualquer uma das qualificadoras do seu rol, é considerado crime hediondo, por força do artigo 1º, inciso I, da Lei N.º 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), de modo a alterar o início do cumprimento da reprimenda, sendo fixado inicialmente o regime fechado.

Dentre essas qualificadoras, duas, comumente, eclodem em noticiários televisivos e em mídias digitais ou impressas: a torpeza e a futilidade.

A doutrina classifica o rol de qualificadoras do artigo 121, parágrafo 2º, e seus incisos, como subjetivas e objetivas, sendo aquelas de caráter motivacional e estas relacionadas ao meio empregado para a execução do crime de homicídio.

No que concerne à torpeza e à futilidade, são qualificadoras classificadas como subjetivas, pois guardam relação com a motivação do agente, e é neste ponto que se faz necessário compreender a distinção entre as duas.

Primeiramente, tratar-nos-emos da torpeza.

A redação do artigo 121, parágrafo 2º, inciso I, prevê que, se o homicídio for cometido “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”, ele será qualificado. Tem-se que a prática do homicídio doloso pela torpeza é de motivação imoral, razão pela qual justifica a gravidade do delito.

Gonçalves (2011) conceitua que o homicídio doloso qualificado pela torpeza é o intento de ceifar a vida da vítima em razão de uma motivação vil, repugnante, imoral.

Pode-se trazer à baila como exemplos: matar alguém com a intenção de ocupar o cargo da vítima, matar o pai para ficar com a herança, matar a esposa para receber o seguro de vida, matar em razão do preconceito – raça, cor, religião, etnia, origem, etc. – ou até mesmo matar alguém por prazer ou sem motivo.

Em boa parte dos casos, a torpeza está ligada intimamente com a motivação do agente em cometer o crime e receber uma recompensa, econômica ou não, em razão da morte da vítima.

Assim, o agente que comete o crime de homicídio qualificado pela torpeza, motivado pelo preconceito, tem como recompensa a satisfação de retirar do seu plano existencial alguém considerado inferior; o agente que comete o crime de homicídio qualificado pela torpeza, motivado a obter e ocupar o cargo da vítima, tem como recompensa o cargo que lhe era almejado; o agente que comete o crime de homicídio qualificado pela torpeza, motivado pelo dinheiro que receberá com a herança quando o pai falecer, terá como recompensa o valor econômico pretendente. Inclusive, o agente que mata sem ter motivação alguma, o que também caracteriza torpeza, tem como recompensa o sentimento de poder.

Logo, é a maneira pela qual o agente, por meio de uma motivação imoral, busca a autossatisfação em detrimento da vida alheia.

Já a qualificadora da futilidade, prevista no artigo 121, §2º, II, do Código Penal, guarda relação com a desproporcionalidade entre a motivação e a conduta do agente. Para a maior doutrina, tem-se que a motivação é mínima, insignificante, descabida de motivo aparente.

Pode-se exemplificar a qualificadora da futilidade quando o pai mata o filho que estava chorando; quando um vizinho mata o outro em razão do volume alto do aparelho de som; o indivíduo que mata o outro porque a vítima falou mal do seu time de futebol; Uma “fechada” no trânsito que resulta em morte imediata após o ocorrido (não pode haver uma discussão pretérita que tenha motivado o crime, senão, não há o que se falar na qualificadora da futilidade).

Nesse sentido, Guilherme Souza Nucci (2016) trata da futilidade como a incompreensibilidade da morte de uma pessoa baseada num motivo totalmente reles, de grande dissonância entre a motivação do criminoso e o dano causado à vítima. É o crime que a sociedade conhece como banal.

Portanto, conclui-se que há uma linha tênue entre as qualificadoras, devendo o operador do Direito ficar atento aos detalhes do caso concreto, a fim de constatar os pormenores que farão a distinção entre uma e outra, buscando, em todo caso, verificar se houve uma conduta abjeta e repugnante com o objetivo de recompensa (material ou não) ou se o houve desproporcionalidade entre a conduta do agente e o dano causado à vítima.


REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte especial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

NUCCI, Guilherme de Souza. Motivo fútil. Disponível aqui. Acesso em: 08 de abril de 2019.


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Luciano Carlos

Pós-Graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal. Pesquisador. Advogado Criminalista.

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