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Futurologia prisional: a prisão preventiva decretada para evitar a reiteração delitiva

Futurologia prisional: a prisão preventiva decretada para evitar a reiteração delitiva

Decreto a prisão preventiva a fim de evitar a reiteração delitiva do réu.

Quantas vezes durante nossa dura jornada na advocacia criminal não nos deparamos com decretos prisionais fundamentados assim? Pois é…

Primeiramente, apesar dos ataques constantes à Constituição Federal nos últimos tempos, cabe sempre lembrar – insistentemente – que o princípio da Presunção de Inocência vigora até o trânsito em julgado, não podendo ser considerado para prejuízo do réu o fato deste responder a outro processo, por exemplo.

Futurologia prisional e reiteração delitiva

Ao fundamentar a decisão no possível risco do réu praticar novo crime diante de seus antecedentes, resta claro que há uma presunção de descumprimento da lei, ou seja, uma presunção diversa da única admitida no processo penal e garantida pela Constituição Federal.

A partir da breve leitura e interpretação do disposto no caput do artigo 312 do Código de Processo Penal, percebe-se que se trata de um rol taxativo de pressupostos para o cabimento da aplicação da prisão preventiva.

Desta feita, a decretação da medida cautelar restringe-se às hipóteses elencadas neste dispositivo, não tendo por fim, por exemplo, evitar a reiteração delitiva (muito embora esta encontre falsa guarida na genérica ‘garantia da ordem pública’, tema para outro artigo).

Controlar taxas criminalidade, isto é, evitar a reiteração delitiva, é função do Poder Executivo – mais especificamente da área ligada à Segurança Pública – e, assim, salvo engano, não compete ao Judiciário utilizar seu poder para evitar o cometimento de novos crimes.

Sobre esse ponto, nenhuma observação seria melhor do que a feita pelo jurista Aury LOPES JR. (2013, p. 853):

Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros. (grifamos)

Um exercício de futurologia

Assim, decretar a segregação cautelar do acusado não seria exercício de cautela, mas sim antecipação da pena e, portanto, violação ao princípio da Presunção de Inocência. Neste sentido:

A probabilidade de voltar a delinquir é exercício de futurologia: não apto a abalar garantia do cidadão! […] E prisão provisória é cautelar. E como cautela – o óbvio – serve para assegurar o bom andamento do feito. Aqui nada está a indicar que o cidadão esteja causando transtornos ao bom andamento do feito. Finalmente, a possibilidade de volta ao delito diz com função da pena – e não da cautela –, então se estaria – caso mantida a prisão – adiantando pena: agressão ao primado do estado de inocência. (Habeas Corpus Nº 70018147009, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 14/02/2007)

O fato de o réu apresentar antecedentes criminais não dá azo à decretação e à manutenção da prisão preventiva. Sobreleva dizer que tal matéria dever ser tratada apenas na dosimetria da pena, s.m.j., se, e somente se, o réu for condenado, o que não podemos prever nem antecipar.

Vejamos lição de Amilton Bueno de Carvalho:

Por outro lado, meros antecedentes – processos em andamento – estão a dizer o que dizem (acusado que sofre processos), mas não que será condenado (aqui agressão à presunção de inocência). Neste quadro, renovada vênia, entendo que há coação ilegal na mantença prisional do paciente. (Habeas Corpus Nº 70018147009, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 14/02/2007)

Portanto, apesar de entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema (HC n.º HC nº 117.090. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Segundo Turma. Julgado em: 20.08.2013. HC n° 125.695. Relator: Min. Marco Aurélio. Primeira Turma. Julgado em: 21/03/2017), acredita-se que as decisões referentes à prisão preventiva não podem se basear em argumento de perigo de reiteração (absolutamente inconstitucional), pois o que deve ser considerado no momento da manutenção da prisão cautelar é o fato já ocorrido, concreto e passado que está sendo apurado nos autos, não fatos futuros e imprevisíveis.

Por fim, vale dizer que a reiteração criminal é sim uma realidade no Brasil, ocorre que não será combatida aprisionando mais, pelo contrário, há décadas adota-se essa lógica e a situação só fica mais caótica. Soluções fáceis e rápidas são as mais caras e menos eficientes para a população. Deve-se pensar numa intensa reforma do sistema e analisar a gênese do problema da criminalidade, atentando-se à ausência e a não efetivação de políticas públicas e sociais de incentivo e assistência, sobretudo à população em maior situação de vulnerabilidade.


REFERÊNCIAS

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Ana Luíza Teixeira Nazário

Especialista em Ciências Penais. Advogada criminalista.

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