Garantia da ordem pública e periculosidade do agente
Garantia da ordem pública e periculosidade do agente
A periculosidade do agente é um dos argumentos mais utilizados na decretação da prisão preventiva sob o manto da proteção à ordem pública. Uma parte doutrinária entende que o referido argumento não tem idoneidade para ser utilizado na decretação da custódia cautelar, já que se trata de um argumento de difícil aferição e comprovação.
Em razão disso, utiliza-se o argumento de periculosidade do agente associado à ideia de reiteração delitiva e de gravidade do delito.
LOPES JR. (2013) diz que o argumento de perigo de reiteração delitiva é de natureza inquisitória, já que irrefutável, tendo em vista que é impossível a prova de que o indivíduo solto praticará ou não um crime. Afirma ainda que nem o direito penal tampouco direito processual penal estão legitimados a tutelar o imprevisível; o futuro.
Agravo regimental em habeas corpus. Processual penal. Crime de homicídio qualificado supostamente praticado por integrante da organização criminosa, denominada PCC. Prisão preventiva. Revogação. Impossibilidade. Periculosidade em concreto evidenciada. Gravidade da conduta criminosa. Decreto prisional devidamente fundamentado. Legitimidade da medida extrema. Precedentes. Agravo regimental não provido. 3. Mostra-se idôneo o decreto de prisão preventiva quando assentado na garantia da ordem pública, ante a periculosidade do agente, evidenciada não só pela gravidade in concreto do delito, em razão de seu modus operandi, mas também pelo risco real da reiteração delitiva (HC nº 128.779/SP, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 5/10/16). 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento (grifo nosso). (HC n° 141.170. Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 02/05/2007).
O Supremo Tribunal Federal entende que a periculosidade do agente não pode ser demonstrada levando-se em conta apenas a gravidade em concreta do delito, já que prescinde de uma análise conjunta dos elementos que demonstram a gravidade concreta do crime, com elementos que demonstrem a possibilidade real e efetiva de reiteração delitiva.
Entende-se que a gravidade do crime, ou a forma pela qual o mesmo foi perpetrado, são circunstâncias insuficientes para embasar a prisão preventiva sob o manto da garantia a ordem pública.
Portanto, o fato de o crime ter natureza hedionda não implica em decretação imediata da segregação cautelar, tendo em vista que gravidade do crime e crueldade na qual o mesmo fora executado são circunstâncias que demonstram a realidade fática, e não a personalidade do agente; não implica dizer, portanto, que o agente voltará a delinquir.
Nessa esteira, a periculosidade do agente pode ser demonstrada a partir da possibilidade real de reiteração delitiva, ou então a partir da gravidade concreta e real do crime perpetrado, corroborada com a possibilidade de reiteração delitiva.
Em relação a possibilidade de reiteração delitiva, o magistrado não pode fundamentar sua decisão em suposições ou achismos. Deve formar o seu convencimento com base em algo sólido.
No que tange à prisão preventiva em nome da ordem pública, sob o argumento de risco de reiteração de delitos, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de Polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal. (LOPES JR, 2013, p. 115).
LOPES JR. (2013) entende que o argumento de decretar a prisão preventiva para evitar a reiteração criminosa está ligado À função policial, e não judiciária, já que a segurança das pessoas é atribuição do Executivo, e não do Judiciário.
O Judiciário, no que tange às prisões preventivas, deve se preocupar em resguardar o processo, para que este, ao final, tenha um resultado útil, devendo deixar a segurança da população. Portanto, a cargo do Executivo, que é o responsável por elaborar as políticas públicas no combate à criminalidade.
LIMA (2003) entende que a decretação da prisão preventiva em virtude de o indivíduo ser perigoso, no intuito de frear a possibilidade de continuidade delitiva, é incompatível com a teoria da cautelaridade.
Argumenta ainda que o juiz, ao decretar a prisão preventiva sob esse fundamento, está punindo o agente de forma antecipada, já que a sua intenção está ligada a prevenção especial, que é uma das finalidades da pena.
Nessa esteira, percebe-se que a prisão preventiva decretada no intuito de evitar a reiteração criminosa, além de ser uma presunção de periculosidade, é uma presunção de culpabilidade, o que viola o status de inocência do sujeito passivo (que deveria perdurar até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória).
Assim, pensamos que a decretação da preventiva baseada na periculosidade do agente, seja relacionado-a com o perigo de reiteração delitiva, seja relacionando-a com a gravidade em concreto do crime praticado, é inconstitucional, por violar a presunção de inocência e os demais princípios correlatos.
Admitir a utilização da periculosidade do agente como fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva é admitir a culpa antecipada do agente.
Ademais, os referidos argumentos fogem totalmente da finalidade cautelar da prisão provisória, qual seja, a de resguardar o processo. Por fim, é impossível verificar, sem fazer um juízo de culpabilidade, se o indivíduo irá ou não cometer novos crimes.
REFERÊNCIAS
LIMA, Camila Eltz de. A garantia da ordem pública como fundamento da prisão preventiva: (in) constitucionalidade à luz do garantismo penal. Porto Alegre: Revista de Estudos Criminais, nº 11, 2003.
LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2013.