Gênio Indomável e Unabomber: a relação entre genialidade e destruição
Gênio Indomável e Unabomber: a relação entre genialidade e destruição
Hannah ARENDT teceu críticas sobre as atitudes do homem que denigrem a própria humanidade ao engendrar obras que possuem uma tênue relação entre genialidade e destruição, trazendo para a realidade armas de devastação da vida, como as primeiras bombas atômicas. Por sua vez, BAUMAN e CASTORÍADES também apresentaram críticas ao comportamento humano que, influenciado por um desregramento de suas virtudes e de seus relacionamentos, esqueceu-se de questionar e de priorizar o debate.
Arendt vai ainda mais longe quando sua crítica se estende às situações como as bombas de Hiroshima e Nagasaki, acentuando que o homem se esqueceu de pensar, ou seja, parou de raciocinar e que aquele momento seria marcante para a humanidade, uma vez que desceria aos mais sórdidos e sombrios degraus da degradação humana, levada pelo homem à sua própria alcova fatal.
Como é possível tamanha genialidade servir aos propósitos da destruição e do levante contra a vida? Nesse sentido nota-se, como se de passagem por aquela época estivéssemos, a consequência de atos refletidos na falta de questionamento, com o início do Holocausto e o fim da guerra, tomando proporções cada vez mais absurdas: esmagar um povo ou uma raça e por fim, bombardear com armas de destruição em massa um povo e uma raça. Falta de intelecto decididamente não era, uma vez que inúmeras mentes brilhantes caminhavam juntas nessa época. Para Hannah Arendt, o que faltou foi a conversa e o questionamento.
Em um período de 1978 até 1995, Theodore John Kaczynski produziu 16 ataques a bomba realizados por cartas bomba, enviadas aos seus alvos, matando nesse período 3 pessoas e ferindo outras 23. Conhecido como Unabomber, seus alvos eram cientistas, industriais, engenheiros e executivos que corroboravam entusiasticamente para a vida num sistema tecno-industrial, priorizando a tecnologia à uma vida em prol e beneficiada pela natureza.
Todavia, Ted Kaczynski, o Unabomber, era um sujeito letrado, que aos 16 anos entrara para a Universidade de Harvard e logo após sua formação fora contratado como um dos mais brilhantes estudantes de matemática a lecionar na Universidade da Califórnia. Dois anos após pediu demissão e passou a viver como um ermitão, numa cabana na floresta, empregando sua genialidade para asseverar seu ponto de vista em benefício de uma vida natural que se degrada mediante aos aparatos tecnológicos não necessários e que, segundo o Unabomber, levariam o homem à perda de si mesmo para as máquinas da inovação; o que o mundo conhecia por progresso ele entendia por retrocesso e um rumo para a certeza da escravidão do homem pela máquina.
Ted era um rapaz quieto, sozinho e com traumas de infância bem definidos. Certa vez teve de ser deixado em um hospital por longo período de tempo para o tratamento de uma doença que acossava sua infância, época essa que visitas não eram permitidas, uma vez que não possuía ainda o homem conhecimento cientifico sobre todas as mazelas da saúde e nem tecnológico para tratar delas. Assim, a solidão passou a ser companheira daquele menino e o homem considerado gênio acostumou-se a ela, deixando sua vida deveras brilhante e promissora para viver em um solipsismo nas florestas de Lincoln, Montana.
O exemplo de que a falta de questionamento e de discussão pode levar a atos reconhecidamente extremos e infelizes contra a humanidade e contra a própria existência é evidente quando o eremita prova que matando seus iguais por intermédio de bombas chama atenção para um mundo melhor, isolado em seus obscuros pensamentos.
Gênio Indomável (1988, direção de Gus Vant Sant) é a tênue linha que separa um jovem incrível e promissor de um delinquente e um criminoso em potencial, e distingue os caminhos de um gênio solitário (Ted Kaczynski, real) e um gênio que obteve o auxílio para seguir em frente (Will Hunting, ficção).
O personagem de Matt Damon, em Gênio Indomável, era um jovem de 16 anos influenciado pela matemática e suas possibilidades, passa a resolver problemas incríveis deixados no quadro negro das salas de aula onde trabalhava como servente. Na mesma época em que é reparado por um ilustre professor, o jovem é preso mais uma vez por conta de seu comportamento agressivo e destrutivo que já temperou a vida do personagem outras vezes, imputando-lhe uma ficha policial exponencial.
Recolhido à detenção, porém, descoberto por um professor que reconheceu seu talento único, passa a ser ajudado, tendo sua pena transferida aos serviços comunitários, ao estudo da matemática e ao tratamento psicológico. Após vários encontros com um proeminente psicólogo, o jovem encontra sua vida e seu espírito em prol de algo maior, entre eles, o amor.
Semelhanças ou não o fato é que o questionamento e o auxílio influenciam muito. Deixar o jovem só e jogado aos salões da detenção é o intuito de um estado de coisas que gera cada vez mais destruição e negação. Ao se deparar com a oportunidade o jovem resolveu seguir um outro caminho que talvez não se mostrasse a sua frente numa detenção, mas que se abriu como nuvens sopradas no céu pelo Zéfiro sempre inconstante, em uma justiça alternativa.
Destarte, molestar a liberdade simplesmente pode ser a solução para a criação de uma rebeldia que ultrapassa limites, criando, dialeticamente, um novo ser: o desviante ímprobo.
Por outro lado, a justiça restaurativa, quando a mudança de paradigma da penalização tradicional passa para a humanização da pena, teve destaque na peça quando ao personagem principal foi dada a possibilidade de reintegração à sociedade por intermédio de estudos e psicanalise tornando um jovem excepcional mas destrutivo em um gênio a ser celebrado. Por outro lado, em caso da inexistência de tal reinterpretação da pena, a possibilidade da criação de alguém pior, na tenra idade, seria muito real.
Excluir e efetivar a exclusão pode ser a matriz para a criação de um ser destrutivo em potencial. Discutir, questionar e priorizar o debate sobre a justiça de penas alternativas para jovens é um caminho seguro em benefício da humanidade. A possibilidade real da transformação de um gênio em formação em uma maquiavélica mente do crime, criada dentro da negação e da exclusão é proporcional à negação e à exclusão. Nesse ínterim, se tem a certeza que o desvio primário levará ao desvio secundário, causado pelo afastamento.
A exclusão gera a negação, que se transforma na falta de diálogo e confirma de vez a supressão do questionamento: Será que estamos caminhando pela via correta? É o que Hannah ARENDT disse que faltava, há tempos atrás.
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