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Grávida presa: inconstitucionalidade

Grávida presa: inconstitucionalidade

Assassinas nos Estados Unidos, mães com filhos pequenos, tinham permissão de criá-los em suas celas. Isso foi apresentado como um louvável desenvolvimento. Mas me lembro de ter pensado que aqueles bebês não haviam feito nada de errado. Tratem de libertá-los! (Ian McEwan, Enclausurado)

Por uma rodovia bastante fluida e organizada, depois de vinte minutos a partir do centro de Curitiba, chegamos a uma trincheira que dá numa estrada de paralelepípedos, e em seguida noutra de terra. O ar fica necessariamente mais gélido, e muito verde circunscreve a paisagem.

Nem de longe é possível avistar prédios ou concretudes. A primeira guarita é humilde, os trâmites de ingresso são peculiares porém singelos, e em poucos segundos adentramos ao maior e mais tradicional complexo penitenciário do Estado.

A Penitenciária Feminina do Paraná, localizada em Piraquara, região metropolitana de Curitiba, compõe a Penitenciária Central do Estado – PCE.

O prédio feminino, em funcionamento desde a década de 1970, serve tanto às presas provisórias quanto às condenadas. Sua estrutura organizacional não é tão diversa da masculina, distante poucos metros dessa, e a entrada principal lhes é comum.

Condenada a dez anos e meio de reclusão, está aqui desde a prisão preventiva, e agora deverá aqui permanecer pelo menos por mais três anos e pouco. Tráfico é hediondo.

Progride em dois quintos (ela é primária). Quando foi presa em flagrante, no centro de Curitiba, ainda nem sabia que estava grávida. Contava menos de um mês de concepção. Agora, na prisão, já está no sétimo mês de gravidez.

Há um problema aqui: o feto, a rigor, que está protegido pelas garantias fundamentais, tem tanto direito à vida quanto à liberdade. E não cometeu crime algum.

Está preso junto com sua mãe, enquanto não deveria estar. E não há prisão domiciliar que resolva o dilema, pois prisão domiciliar é prisão, que difere da liberdade concernente ao feto por diretriz constitucional.

O que o Conselho Nacional de Justiça tenta fazer, no desiderato de elucidar essa questão, é recomendar a prisão domiciliar para grávidas e mães de crianças pequenas.

Recentes e corriqueiras reformas na execução penal dão conta de remediar a situação, ainda, com a disposição de “alas” nas penitenciárias reservadas a mulheres grávidas ou que estejam amamentando. Atualização mais ousada dispõe sobre a conversão da segregação penitenciária em prisão domiciliar.

Insisto: “ala especial”, prisão domiciliar… é tudo prisão, e o feto não pode estar preso! Ele não cometeu crime algum!

Os direitos do nascituro (e mesmo do feto, para as correntes civilistas que distinguem tais conceitos na temática dos direitos de personalidade) estão consolidados.

E os direitos fundamentais, obviamente, se direcionam a ele. Sendo assim, liberdade no sentido subjetivo alcança o feto/nascituro, encaminhando a grávida presa a uma situação paradoxal sob o ponto de vista do feto/nascituro.

Pois se a mãe está presa, nem que presa domiciliarmente, o Estado retirou do feto/nascituro ou mesmo da criança (se já nascida) aquele direito fundamental. Aparentemente, um paradoxo. Mas não é paradoxo porquanto admite resolução. É, portanto, dilema (para o Estado) fácil de resolver.

Tanto no critério da preventiva quanto da execução penal a segregação não passará da pessoa do condenado. Se mulher grávida está presa, a pena passa, sim, da pessoa da condenada, e atinge a liberdade do feto/nascituro, sujeito de direito eivado de garantias absolutamente desrespeitadas por uma prisão “alheia”.

Sendo assim, independentemente do crime, da pena e da fase processual, libertem-se imediatamente todas as presas grávidas! Pois a criança que está em seu ventre é inocente, e está protegida pelo direito fundamental à liberdade. Resolva-se de outra forma, que não a prisão, o problema da punição da mãe criminosa.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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