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Habeas Corpus: superando a súmula 691 do STF

Habeas Corpus: superando a súmula 691 do STF

Nos termos da súmula 691 do STF, “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”

Essa regra também se aplica no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, se o advogado impetrar um habeas corpus ao STJ contra decisão monocrática proferida por desembargador que indeferiu pedido liminar, o ministro que receber essa impetração irá indeferi-la liminarmente com fundamento na súmula 691 do STF (não irá processar/receber o HC).

Ocorre que essa limitação é bastante prejudicial à defesa, pois em razão da demanda processual os Tribunais Superiores têm demorado muito para conseguir pautar em julgamento os habeas corpus lá impetrados.

Por exemplo: durante a marcha processual o advogado criminalista observa que ocorreu uma nulidade extremamente prejudicial no processo, diante disso impetra ordem de habeas corpus ao Tribunal do Estado competente a fim de sanar o constrangimento ilegal.

Após alguns dias da impetração o relator do HC indefere o pedido liminar e requisita informações ao Juízo apontado como autoridade coatora, com a finalidade de dar prosseguimento aos trâmites do HC e futuramente, em conjunto com os demais desembargadores, analisar o mérito da impetração (nesse caso a nulidade apontada no processo).

Com base na súmula 691 do STF a única medida a ser tomada diante desse quadro seria aguardar o julgamento do mérito, o que pode demorar meses! Seria essa a postura mais adequada do defensor? A depender do caso não!

Isso porque se o objeto da impetração for contra uma ilegalidade flagrante o STJ e o STF têm admitido o afastamento do preceito sumular em debate com a finalidade de sanar o constrangimento ilegal que pesa em desfavor do paciente.

Assim, no exemplo ilustrado anteriormente, o advogado deve impetrar uma nova ordem de habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, ainda que contra decisão monocrática que indeferiu pedido liminar, para que a ilegalidade evidente seja sanada. Nessa nova impetração é de suma importância que seja elaborado um tópico próprio demonstrando os motivos pelos quais a súmula deve ser superada.

Isto é, não basta o advogado simplesmente transportar a matéria do primeiro HC ao Tribunal Superior. Ele deve aclarar ao ministro o porquê que a matéria merece ser analisada, explicar de forma minuciosa os principais pontos da ilegalidade praticada pelo Juízo coator, repise-se, por meio de um tópico específico, pois só assim o ministro terá substrato suficiente para superar o entendimento da súmula 691 do STF.

Importante consignar que a regra é a aplicação da súmula, por isso que o advogado deve demonstrar de forma contundente por qual motivo o ministro poderá, excepcionalmente, afastá-la.

E mais: quando se trata de habeas corpus que busca a liberdade do cliente (como exemplo: contra a decretação desfundamentada de uma prisão preventiva), esse cenário é ainda mais delicado, uma vez que enquanto a matéria não é analisada pelas instâncias superiores o cliente continuará suportando um decreto preventivo ilegal.

Com a finalidade de exemplificar situações em que os Tribunais Superiores afastam aludida súmula, seguem decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que conheceram habeas corpus ainda que impetrados contra decisões que indeferiram pedidos liminares:

  • Decisão proferida pelo ministro Rogerio Schietti Cruz nos autos do HC n.º 477.091 (STJ, DJe 31/10/2018):

alega sofrer coação ilegal no seu direito de locomoção, em decorrência de decisão proferida por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que indeferiu o pedido de liminar formulado em seu favor (…). Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante como incurso no art. 1º da Lei n. 12.850/2013 em 23/10/2018 e permanece “sem qualquer decisão homologatória e avaliação da legalidade do flagrante por autoridade judicial e/ou sem qualquer previsão para realização de audiência de custódia” (fl. 4). Neste writ, a defesa sustenta que “o Desembargador (ora autoridade Coatora), se mostrou omisso às ilegalidades, em especial a inexistência de decisão fundamentada (ainda que minimamente) acerca da análise do procedimento do flagrante e a suposta manutenção da custódia, tornado a situação totalmente ilegal” (fl. 5). (…) Inicialmente, destaco que as matérias aventadas nesta ordem de habeas corpus não foram objeto de análise pelo Tribunal a quo, ficando, assim, impedida sua admissão, sob pena de indevida supressão de instância. Nesse sentido é o disciplinamento do enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal: “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de ‘habeas corpus’ impetrado contra decisão do relator que, em ‘habeas corpus’ requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar. O referido impeditivo é ultrapassado tão somente em casos excepcionais, nos quais a evidência da ilegalidade não escapa à pronta percepção do julgador, como ocorre no caso em exame. (…) À vista do exposto, defiro o pedido liminar, para relaxar a prisão em flagrante do autuado, cuja precariedade não permite sua subsistência por tantos dias.

  • Decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli nos autos do HC n.º 135.926 (STF, Dje 02/08/2016):

Os impetrantes sustentam, inicialmente, que é o caso de superação da Súmula 691 desta Suprema Corte, “já que o indeferimento do provimento liminar na impetração em sede do Superior Tribunal de Justiça se enquadra nas hipóteses ensejadoras do afastamento sumular” (pág. 5 do documento eletrônico 1). No mérito, alegam que “a questão cerne do habeas corpus cinge-se à nova interpretação deste Excelso Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de início da execução penal após o julgamento de 2ª instância pelos Tribunais de Apelação” (pág. 6 do documento eletrônico 1). (…) Como tenho reiteradamente afirmado, a superação da Súmula 691 do STF constitui medida excepcional, que somente se legitima quando a decisão atacada se mostra teratológica, flagrantemente ilegal ou abusivaNo caso sob exame, verifico estar-se diante dessa situação, apta a superar o entendimento sumular, diante do – à primeira vista – flagrante constrangimento ilegal a que está submetido o pacientePasso, então, ao exame do pedido de medida liminar. A concessão de medida liminar se dá em casos particularíssimos, nos quais se verifique, de plano, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Na análise que se faz possível nesta fase processual, entendo que se mostram presentes tais requisitos. (…) Assim, diante de tudo quanto exposto, e examinados os documentos coligidos aos presentes autos, constato, ainda que em juízo de mera delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar sob análise. Destarte, defiro o pedido de medida liminar para suspender, integral e cautelarmente, a execução provisória das penas impostas ao ora paciente na Ação Penal.

Por fim, ainda em relação ao exemplo citado anteriormente, caso o advogado não consiga sanar a ilegalidade flagrante ocorrida no processo de origem, nessa nova impetração é viável elaborar um pedido alternativo requerendo ao ministro do STJ que este determine que o Tribunal estadual paute com urgência o HC lá impetrado, em razão da demora excessiva.

Gustavo dos Santos Gasparoto

Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Pós-Graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.

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