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Habeas Data: afinal, o que é isso mesmo?

Habeas data, o que é isso mesmo? Em tempos de sociedade da informação, entendemos salutar utilizar este espaço para reavivar a figura do habeas data, importante remédio constitucional cujo objetivo é exatamente assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa que dele se utiliza, devendo, para tanto, estarem tais informações armazenadas em registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como, pode ser utilizado para retificar dados constantes desses registros ou bancos de dados.

Atualmente, o habeas data (“HD”) está regulamentado pela Lei 9.507/1997 e tem como escopo primordial disciplinar o direito de acesso à informação para conhecimento ou retificação relativamente aos dados da pessoa do impetrante.

No estudo do “HD” é de suma importância apontar a diferença dessa garantia constitucional com aquele direito de obter certidões (art. 5º, XXXIV, CF) ou informações de interesse coletivo ou geral (art. 5º, XXXIII, CF) que, em sua essência visa a defesa de direitos ou o esclarecimento de situações de cunho pessoal, próprio ou de terceiros; para a garantia desse direito o remédio cabível é o mandado de segurança e não o habeas data que deve e pode ser utilizado pelo impetrante independentemente da demonstração ou da necessidade ou mesmo do interesse de utilizar as informações pleiteadas para a defesa de interesses; basta, para ser cabível o “HD”, que o impetrante tenha o desejo de conhecer as informações relativas à sua pessoa, simples assim.

Importante destacar ainda que o STJ, o STF e a própria Lei reguladora do “HD” exigem prova da recusa de informações pela autoridade para se configurar a pretensão resistida hábil a ensejar o remédio constitucional, sendo que, se não houver a demonstração de tal requisito a ação será extinta por falta de interesse processual.

Ademais, insta ressaltar a competência para o julgamento da ação de habeas data, que assim se pode esquematizar:

1) HD contra os atos do:

  • Presidente da República;
  • Mesas da Câmara do Deputados e do Senado Federal;
  • Tribunal de Contas da União;
  • PGR;
  • STF;
  • Órgão julgador é o próprio STF (artigo 102, I, d, CF – competência originária).

2) HD decidido em única instância pelos:

  • Tribunais Superiores (TST, TSE etc)
  • Órgão julgador é o STF (artigo 102, II, a, CF – competência recursal).
  • HD contra os atos do:
  • Ministro de Estado;
  • Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica;
  • STJ
  • Órgão julgador é o próprio STJ (artigo 105, I, b, CF – competência originária).

3) HD contra os atos do:

  • TRF;
  • Juiz federal.
  • Órgão julgador é o próprio TRF (artigo 108, I, c, CF – competência originária).

4) HD contra os atos de:

  • Autoridade federal, ressalvados os casos de competência dos tribunais federais.
  • Órgão julgador é o juiz federal (artigo 109, VIII, CF – competência originária).

5) HD denegado pelo:

  • TRE
  • Órgão julgador é o TSE (artigo 121, parágrafo 4º, V, CF – competência recursal).

No âmbito estadual, a teor do artigo 125, parágrafo 1º, da Constituição Federal, as próprias Constituições Estaduais definirão as competências para o julgamento do habeas data. Como exemplo, podemos analisar a Constituição do Estado de São Paulo que, sem eu artigo 74, III, assim determina:

Art. 74. Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente: III – os mandados de segurança e os “habeas data” contra atos do Governador, da Mesa e da Presidência da Assembleia, do próprio Tribunal ou de algum de seus membros, dos Presidentes dos Tribunais de Contas do Estado e do Município de São Paulo, do Procurador-Geral de Justiça, do Prefeito e do Presidente da Câmara Municipal da Capital.

Já a Constituição Estadual de Minas Gerais atribui a competência para o julgamento do “HD” de forma mais ampla ao Tribunal de Justiça. Vejamos:

Art. 106. Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição: I – processar e julgar originariamente, ressalvada a competência das justiças especializadas: e) habeas-data, contra ato de autoridade diretamente sujeita à sua jurisdição.

Assim, definido por Hely Lopes Meirelles como “o meio constitucional posto à disposição de pessoa física ou jurídica para lhe assegurar o conhecimento de registros concernentes ao postulante e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para retificação de seus dados pessoais”, o habeas data deve ser reinterpretado e revitalizado à luz da sociedade da informação, já que, no mundo moderno, com a evolução da tecnologia, assiste-se a um incremento na coleta e armazenamento de dados pessoais dos cidadãos, levadas a efeito exatamente por bancos de dados públicos ou de caráter público que armazenam dados e informações merecedores de preservação e sigilo, bem como que, como toda e qualquer informação, podem, por vezes, demandar o acesso por seus titulares, seja para a defesa de direitos, seja pela simples vontade de conhece-los.

Não obstante seja um instituto “jovem” no direito brasileiro, inserido em nossa legislação após o período ditatorial que sobre o Pais se abateu entre 1964 e 1985, no direito estrangeiro o habeas data não é novidade, estando presente na legislação estadunidense desde 1974 (Freedom of Information Act), na legislação francesa desde 1978 (Lei sobre Informática e Liberdades) e em outros países, tais como, na Constituição do Reino dos Países Baixos, de 1983 e no direito argentino desde a reforma de 1994, bem como Constituição Portuguesa de 1976 e na Constituição do Reino de Espanha de 1978.

Nesse sentido, como o habeas data deve ser visto no contexto da sociedade da informação?

Inicialmente cumpre destacar que, nos termos da lei 9.507/1997, “considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações”.

Assim, por exemplo, dados pessoais de cidadãos que existem em órgãos públicos, como a Agência Brasileira de Informação – ABIN ou de entidades de natureza privada, como o SPC – Serviço de Proteção ao Crédito, podem vir a ser obtidos por meio de habeas data.

Ademais, o STF, no julgamento do RE 673.707/MG, já admitiu a impetração de habeas data para se ter acesso a banco de dados do Fisco que se recusava a fornecer ao contribuinte informações sobre sua situação fiscal, sendo que os próprios Ministros do Tribunal reconheceram que, apesar de o “HD” ter sido inserido na CF/88 visando acessar aos arquivos produzidos pelos órgãos de repressão durante a ditadura militar, é um remédio pouco usado, sendo que o Ministro Marco Aurélio afirmou: “Não lembro de ter julgado habeas data em 25 anos de Supremo”, ratificando nossa posição de que tal instituto deve ser revitalizado, ao ponderar, o Ministro Gilmar Mendes, que: “Este julgamento será o marco inicial da vitalização do habeas data como direito fundamental da autodeterminação informativa, não no campo processual, mas no direito material”.

Para os ministros, a ferramenta não seria apenas um instrumento processual, mas uma garantia constitucional de acesso de informações ao cidadão. A decisão foi fundamentada nos princípios da publicidade e transparência dos atos públicos, além da lei da transparência (Lei Complementar 131/2009) e de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011).

Nesse sentido, cumpre ainda destacar que ao contrário do mandado de segurança, que estabelece o prazo de cento e vinte dias para a impetração, sob pena de perda do direito de ingresso do mandamus, a Lei nº 9.507/97, que regula o rito processual do habeas data, não especificou para este último writ prazo decadencial.

Com isso, vale este pequeno texto para nos lembrar acerca da existência deste remédio constitucional e trazer um pouco de seus fundamentos, já que ele vem sendo interpretado e admitido pela Corte Constitucional como uma garantia material de acesso de informações ao cidadão e que deve ser utilizado de forma eficiente e contumaz pelos operadores do direito e pelos cidadãos na busca de informações e dados, em especial aqueles dados constante de sistemas informatizados e que, por vezes, parecem tão distantes ao seus titulares.


REFERÊNCIAS

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

Dayane Fanti Tangerino

Mestre em Direito Penal. Advogada.

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