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Habilidades negociais no acordo de não persecução penal

Habilidades negociais no acordo de não persecução penal

O acordo de não persecução penal, trazido à lume pela Lei Anticrime, se trata de uma forma negocial de resolução de questões criminais, que pressupõe a atuação da defesa, do Ministério Público e não prescinde da homologação judicial, situação em que o juiz deve analisar as condições do acordo e a sua viabilidade.

Em uma conversa sobre algumas habilidades negociais no acordo de não persecução penal com o professor Alexandre Morais da Rosa, magistrado inovador e figura extremamente solícita, surgiu a ideia de lançar essas breves linhas sobre o tema.

Salienta-se que a justiça negocial sempre foi limitada, basicamente se restringindo a suspensão condicional do processo e a transação penal.

Entretanto, políticas de desencarceramento tem sido adotadas em vários países para evitar a segregação decorrente da prática de determinados crimes de “menor expressão”, digamos assim. No Brasil não poderia ser diferente.

Essa possibilidade de evitar a aplicação ou o cumprimento de pena é reflexo de nova política criminal para reforçar o exposto no parágrafo anterior.

Com a amplitude do acordo de não persecução penal, os horizontes se abriram e os efeitos do acordo, inclusive, vão além das possibilidades negociais até então existentes.

Sabemos que a confissão do suposto agente é requisito essencial para a aceitação do acordo.

Nessa senda, uma orientação fundamental para o acordo, que envolve uma questão tão complexa quanto a confissão, é de que ele deve ocorrer fora do ambiente judicial, diferentemente das outras hipóteses negociais acima mencionadas.

Assim, a proatividade do advogado é fundamental para um bom acordo, pois depender do judiciário para uma convocação de audiência e deixar para o ambiente forense a lavratura do acordo, pode limitar as possibilidades ou até mesmo inviabilizar a negociação.

Desse modo, o Ministério Público deve ser procurado para a discussão dos termos do acordo. Essa postura inclusive pode implicar em um aumento na confiança em relação as intenções do agente e uma ampliação das possibilidades do acordo.

Daí a importância da confissão, pois somente o agente pode assumir a responsabilidade pelos fatos apurados, evitando que alguém o faça por ele.

Trata-se de uma negociação complexa. A própria confissão precisa ser negociada, bem como os seus termos. As provas até então apuradas devem ser sopesadas para fins de dimensionar a amplitude da confissão e a sua densidade.

A defesa e o Ministério Público devem ter atenção para o fato de que a confissão não advém de um interrogatório e muito menos de uma instrução processual. Assume-se o fato como meio para a obtenção do acordo.

Dito isso, a confissão deve ter, nesse caso, um propósito único, qual seja, evitar os riscos de uma persecução penal, com futura condenação, colocando-se, na balança, os benefícios de obstar a investigação ainda em fase embrionária de apuração.

Até mesmo em casos de inocência, mas lastreada no fato de não ter o agente provas robustas de sua tese defensiva, pode ocorrer a confissão. O contexto fático-probatório pode ser desfavorável ao agente e impulsionar a confissão, mas frise-se, apenas para fins do acordo.

Por isso ela é uma confissão especial ou circunstancial, com um fim próprio, exigindo-se dos envolvidos essa habilidade negocial.

Pelo fato de ser uma relação negocial, ambas as partes devem pesar os custos de sua prestação no acordo, já sabendo que perdas podem ocorrer. O importante é saber: vale a pena essa perda?

Nesse ponto cabe a defesa fazer um trabalho de análise de risco e de possibilidades de condenação, de modo a instruir o agente acerca de todas as consequências, tanto do acordo quanto de possível condenação.

Portanto, o aspecto negocial do acordo reflete uma verdade circunstancial e não necessariamente uma verdade real.

Devem ser observados o arcabouço jurídico aplicável aos contratos, como, por exemplo a boa fé objetiva e outros princípios contratuais basilares.

As teses defensivas e as provas para a absolvição, se não muito consistentes, podem ser um grande motivador para o acordo de não persecução penal.

Para a mensuração da robustez ou não das teses defensivas é de fundamental importância a investigação defensiva.

Essa investigação pressupõe a passagem por todas as possibilidades de robustecimento das teses defensivas. Se, nessa fase inquisitorial, a prova não evidenciar a melhor tese de defesa para o agente, aconselhável o acordo de não persecução penal.

A investigação pode ser, inclusive, uma fase de atuação da defesa, considerando a possibilidade atual do acordo. De qualquer forma, não aceito o acordo, a prova colhida na fase preliminar à ação penal pode ser usada quando do processo, ou seja, não se trata de serviço “perdido”, em tese.

Outra habilidade é a observância de que se o acordo é firmado antes da instrução, maiores são as chances de êxito e de proveito do que será proposto e negociado com o Ministério Público.

Propor o acordo depois que a instrução está avançada tende a levar ao insucesso da negociação.

Além disso, a negociação deve ser conduzida por profissional que não tenha se indisposto com o Ministério Público. Nesse ponto mais evidente a importância de se resolver o acordo nas fases iniciais da persecução penal.

Se a defesa está intencionada em fazer um acordo de não persecução penal, deve-se evitar “atrito” com o Ministério Público.

A combatividade defensiva deve ser deixada para o caso de instrução processual, frustrada ou afastada a negociação. Essas habilidades pressupõem habilidades de um advogado sem “fricções” com o Ministério Público.

A advocacia negocial é diferente da advocacia belicosa.

Como exposto alhures, a negociação é complexa, que pressupõe estratégias e etapas. Inclusive uma dica: não se deve fazer as primeiras tratativas no MP com a participação do agente (cliente).

É claro que o advogado precisa estar credenciado para agir negocialmente, sobre pena de ele, inclusive, manchar a sua reputação diante de uma “refugada” do cliente, que pode voltar atrás, desistir ou não ratificar todas as negociações levadas a efeito.

Nesse caso, diante da não ratificação do cliente, a postura esperada do advogado é a renúncia ao mandato.

Sugere-se estabelecer então limites para a negociação para que a defesa possa saber até onde pode avançar na negociação e quais termos acertar com a acusação.

Um ponto crítico e que pressupõe habilidades importantes é a análise do rol de condições impostas. Na Lei Anticrime fica aberto ao Ministério Público a possibilidade de imposições de condições não previstas em lei, que podem ser abusivas e devem ser repelidas no acordo.

Mas a amplitude legislativa não pode ser vista como deletéria, pois em certos casos até mesmo a defesa pode ser beneficiada, pois o não engessamento das condições permite o ajustamento ao caso concreto, de modo que o que foi oferecido por ela ou exigido pelo MP pode casar com as pretensões do agente, viabilizando a negociação. Alternativas podem ser criadas e agradar o Ministério Público, bem como podem ser admitidas pelo juiz.

Uma observação importante é a apuração da pena, que deve ser observada em perspectiva e analisada de acordo com a jurisprudência aplicável ao caso para fins de possível cabimento do acordo.

Acordo não é briga, mas sim composição.

Até mesmo o perfil do membro do Ministério Público deve ser analisado. Para isso o agente deve oferecer condições atrativas ao Ministério Público para que o acordo seja viabilizado.

Em alguns casos a composição com a vítima e a reparação de danos por ela experimentados pode ser um plus para a viabilização do acordo, mas sem oportunismo ou condicionantes.

Toda arrogância da defesa deve ser afastada. Não se negocia com ignorância.

A lógica é a do ganha-ganha.

Portanto, em linhas gerais, essas são algumas habilidades negociais que podem auxiliar no acordo de não persecução penal.


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote anticrime comentado: Lei nº 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

DEZEM, Guilherme Madeira; SOUZA, Luciano Anderson de. Comentários ao pacote anticrime Lei 13.964/2019. São Paulo: Editora RT, 2020.

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A função social da pena e a Quimera punitivista


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Alneir Maia

Advogado. Mestre em Direito pela UFMG. Professor da Universidade FUMEC; Professor de Direito Penal da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/MG.

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