Hermenêutica jurídica e situações de conflito
Hermenêutica jurídica e situações de conflito
Notas sobre o texto “A hermenêutica jurídica e a busca da decisão em meio a situações de conflito”
Nota introdutória: Na coluna da Comissão Especial de Estudos em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentaremos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão. Para além da obra, com a reunião de artigos produzidos pelos membros, que será produzida ao longo do ano, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2018, passamos a estudar de maneira mais específica o aporte teórico que dá embasamento ao movimento, preocupando-se com formas possíveis de abordagens, questões metodológicas e afins. Diante disso, alguns textos foram selecionados para serem estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam os resumos, uma vez que cada membro acaba ficando responsável por “relatar” determinado texto por meio do resumo. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O resumo da vez, formulado pela colega Myrna Alves de Britto, foi feito com base no artigo “A hermenêutica jurídica e a busca da decisão em meio a situações de conflito”, de Célia Teresinha Manzan – publicado nos anais do V CIDIL. Vale conferir! (Paulo Silas Filho – Coordenador da Comissão Especial de Estudos em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais)
RESUMO DO ARTIGO ESTUDADO:
“A ciência do direito é constituída por uma estrutura de modelos, uma grande série de teorias que guardam unidade, estas têm uma função pontual, cujas doutrinas transformam essa ciência em uma dogmática jurídica.”
1. INTRODUÇÃO
A função primordial do Direito é a busca pela pacificação social através da coerência, que se concretiza em decisões pautadas em métodos. Métodos esses que por vezes levam a consequências distintas, a depender dos elementos argumentativos que sejam utilizados.
Quando existem situações de conflito, possível variabilidade dos métodos de interpretação de uma mesma norma jurídica pode culminar com distintas consequências jurídicas.
2. A CONCEPÇÃO DE HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO
Para interpretar a lei de acordo com o objetivo para o qual foi criada, utilizamo-nos da hermenêutica jurídica. Devemos portanto, diferenciar hermenêutica de interpretação.
Para França (2009), interpretar é “aplicar as regras, que a hermenêutica perquire e ordena, para o bom entendimento dos textos legais”; para Montoro (2000), interpretar é “fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurídica”.
A hermenêutica entretanto, para este, consiste na “teoria científica da interpretação”. Enquanto que, para França, “ tem por objeto o estudo e sistematização dos processos, que devem ser utilizados para que a interpretação se realize”.
Sua finalidade é, de todo modo, apresentar o autêntico significado da norma, encontrar o entendimento juridicamente adequado.
Sendo a hermenêutica, a ciência que vai determinar o sentido e o alcance de determinada norma jurídica.
3. AS DIVERSAS TÉCNICAS ADOTADAS QUANDO DA INTERPPRETAÇÃO
Os diversos métodos de interpretação visam um resultado, a pacificação social, e enfrentam problemas de decibilidade, que podem ser, segundo Tercio Sampaio Ferraz Júnior (2008), de ordem sintática, semântica e pragmática.
Relacionam-se à conexão das palavras (sintáticos), à conexão de uma expressão com outrasdentro de certo contexto (lógicos) e à conexão da sentença dentro de um todo orgãnico (sistemáticos).
Segundo Lênio Streck (2014), são instrumentos rigorosos, eficientes e necessários para o conhecimento científico do direito. “Todas as formas de decisionismos e discricionariedades, devem ser afastadas. O Direito não é aquilo que o intérprete quer que ele seja.”
3.1 INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL, LÓGICA E SISTEMÁTICA
“A ordem das palavras e o modo como elas estão conectadas são importantes para obter-se o correto significado da norma” (Ferraz, 2008).
A interpretação lógica é adotada para emprestar solucionamento para problemas designados de sintáticos.
A interpretação lógica pode ocorrer no plano formal (fundamentada em princípios universais, a fortiori ratione, contrario sensu) e material (ocupa-se com o conteúdo da norma, além do texto que se quer interpretar, aprofunda-se na ratio legis).
A interpretação sistemática leva em consideração o preceito jurídico de forma interpreá-lo como fragmento do sistema normativo maior que o abarca.
3.2 INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA/SOCIOLÓGICA
Segundo Ferraz (2008), a busca do sentido efetivo na circunstância atual ou no momento da criação da norma mostra que ambos se interpenetram, é preciso ver as condições específicas do tempo em que a norma incide, mas não podemos desconhecer as condições em que ocorreu sua gênese (occasio legis).
A interpretação histórica tem a finalidade de expor a occasio legis quando a lei foi elaborada.
3.3 INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E AXIOLÓGICA
Para Warat (1994), a norma jurídica cumpre a finalidade para a qual foi elaborada de forma a justificar a sua existência (teleológica ou finalista). A atividade deve buscar a ratio legis, que por vezes não se encontra bastante clara.
4. A NORMA E SEU ALCANCE
O que efetivamente a norma abrange?
Para Tércio Sampaio Ferraz, os tipos de interpretação podem ser classificados em: especificadora (o intérprete deve constatar a coincidência entre a letra da lei e a mens legis, o sentido da norma cabe na letra de seu enunciado), restritiva (limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal – facti species) e extensiva (amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra, já que o legislador não poderia deixar de prever casos que, por uma interpretação meramente especificadora).
Alguns ramos do direito adotam uma interpretação extensiva para fins de, e por várias vezes, suprir lacunas do direito.
5. A DECIDIBILIDADE
Para Célia Manzan, a dogmática jurídica busca na interpretação a realização do sentido atribuído pelo criador da norma.
Contudo, para Ferraz (2001), a hermenêutica dogmática teria por função prática a determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos.
Agrupar os possíveis argumentos, a fim de reuni-los em cada provável solução, objetiva torna-la mais forte e consistente possível; a argumentação tópica é que verdadeiramente delinea qual o método avultará em detrimento dos demais, segundo Manzan (2017).
Acrescenta ainda, que ao decidir, o jurista vale-se do conhecimento e o domínio de meios para se chegar ao fim almejado, do uso correto do vocabulário jurídico, da formulação de definições, do uso de técnicas interpretativas, etc.
A decidibilidade se traduz no amoldamento da norma à situação fática, constituindo uma ferramenta de exteriorização do Direito, conclui.
6. A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS E A BUSCA DE DECISÃO EM SITUAÇÕES DE CONFLITO
As situações de inércia dos Poderes Executivo e Legislativo são, atualmente, supridas pelo Judiciário, que emerge como concretizador de direitos não realizados, segundo Manzan. Para Streck (2014) entretanto, construiu-se um universo em que a interpretação passa a ser um jogo de cartas (re) marcadas.
A dogmática, apesar de posturas mais críticas, sempre se vale da tradicional, apelando, para mens legis, ratio legis…
Em decorrência do Estado Democrático de Direito, e o deslocamento do centro das decisões, o foco da tensão se volta para o judiciário (Streck, 2014).
Consequentemente, a ciência Jurídica se apresenta como um todo coerente, uma unidade sistemática, conciliando contradições, na busca de decidir com um mínimo de perturbação social, segundo Maria Helena Diniz.
Temerário, segundo Eros Grau apud Lênio Streck (2014):
A existência de diversos cânones de interpretação – que é agravada pela inexistência de regras que ordenam, hierarquicamente, o seu uso (Alexy) – faz com que esse uso resulte arbitrário.(…)Esses métodos, diz Grau, funcionam como justificativas para legitimar resultados que o intérprete se propõe a alcançar.(…) a fragilidade dos métodos de interpretação deriva da inexistência de uma meta regra ordenadora de sua aplicação, em cada caso, de cada um deles, conclui.
Para Brum (1980), conforme o método ou conjunto de métodos que se use, pode-se trocar a linha de decisão, extraindo-se da mesma norma legal diferentes consequências jurídicas.
REFERÊNCIA DO TEXTO-BASE PARA O RESUMO:
MANZAN, Célia Teresinha. A hermenêutica jurídica e a busca da decisão em meio a situações de conflito. RDL – Rede Brasileira de Direito e Literatura. v. 5, n. 2, p. 485-496. jul. 2017. ISSN 2525-3913. Disponível AQUI.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
BRUM, Nilo Barros de. Requisitos retóricos da sentença penal. São Paulo: RT, 1980.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Nominação. editora Atlas. 6ª Ed.2008.
_____________. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 2010.
FRANÇA. R. Limongi. Hermenêutica jurídica. 9ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à ciência do direito. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.
_______________. A ciência jurídica. São Paulo: Sraiva, 2009.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11ª Edição. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2014.
WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre, 1994.