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Homicídios por policiais em folga

Homicídios por policiais em folga

Em plena segunda-feira, na pacata Dourados, em Mato Grosso do Sul, um PM em folga matou a tiros um homem, dentro do cinema, em um shopping da cidade. A sessão estava cheia de crianças e famílias. O bioquímico Júlio César Cerveira Filho foi alvejado em frente à esposa e à filha. O atirador é o PM Dijavan Batista dos Santos. O motivo? Uma banal discussão por poltronas (notícia completa aqui).

Embora Rio de Janeiro e São Paulo sejam as cidades em que a violência cometida por policiais, em operações ou em folga, seja mais estudada, vemos que cidades que outrora ostentavam o rótulo de “tranquilas” tem sido palco de tragédias antes restritas às grandes metrópoles. Em Campo Grande, no mesmo outrora “tranquilo” e “pacato” Mato Grosso do Sul, um policial federal foi recentemente condenado, pelo Tribunal do Júri, a 23 anos e 4 meses de prisão, por ter assassinado a tiros o empresário Adriano Corrêa do Nascimento, em 2016, em uma banal discussão no trânsito. (notícia completa aqui).

Enquanto parte significativa da sociedade, encorajada por um governo de extrema direita, quer ampliar as possibilidades legais do cidadão comum portar arma de fogo, os índices de morte por arma de fogo por cidadãos JÁ autorizados a portar arma não para de crescer. Policiais de folga são responsáveis por um número absurdo de assassinatos, pois se sentem treinados e autorizados a portar arma e utilizá-la em qualquer circunstância:

No primeiro semestre de 2016, policiais de folga mataram o maior número de pessoas dos últimos 11 anos no estado de São Paulo se comparado com os primeiros seis meses dos anos anteriores. 

(…) O levantamento foi feito a partir de metodologia usada pela própria secretaria. Até março de 2015, o número era divulgado somente no Diário Oficial como ‘homicídio doloso fora de serviço reações’. Desde abril do ano passado, no entanto, passou a aparecer nas estatísticas trimestrais publicadas no site da SSP como ‘pessoas mortas por policiais militares de folga’.

(…) No mesmo período, em 2006, 61 policiais de folga foram mortos nos primeiros seis meses. Em 2016, foram 37 agentes mortos, 32% do total de pessoas mortas por policiais.

(…) Para a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, as estatísticas já fazem um ‘julgamento moral’ porque desde o início não consideram que houve um homicídio, mas uma intervenção por legítima defesa. ‘Antes do inquérito ser concluído, já se assume que o policial é inocente. E o pior, a maioria dos inquéritos é arquivado e os casos dificilmente serão investigados. A série mostra que os policiais se sentem mais impunes, têm carta branca’, disse.

Segundo Samira Bueno, o aumento dos casos se deve à omissão dos órgãos.

A Polícia Civil, por exemplo, deveria conduzir investigações sérias antes de concluir os inquéritos. O Ministério Público [MP] é omisso. Apenas afastar o policial envolvido, sem responsabilização do comando também não é uma resposta adequada. (notícia completa aqui).

Além da falta de investigação e punição efetiva a policiais, seja da PM, Civil ou Federal, vemos na sociedade uma tendência a incentivar a violência policial por uma suposta segurança pública. Nada mais sintomático do “brasileiro cordial”, que de cordial não tem nada, do que o sucesso extraordinário do filme “Tropa de Elite”, em 2007.

O truculento capitão Nascimento virou herói, seus bordões no filme fazem sucesso até hoje nas redes sociais da vida. O filme mostrava com absurdo realismo a ação de policiais nas favelas do Rio de Janeiro, o vale-tudo em nome do “combate à criminalidade”: batidas na favela à torto e à direito, nada de mandado judicial para efetuar prisões e oitivas, tortura com saco plástico na cabeça.

Na narrativa, o jovem policial André, negro e favelado, ao longo do treinamento, deixa suas críticas à truculência de seus colegas de farda de lado, e se torna tão truculento ao final quanto os outros. O filme, que se diga, é excelente. O problema é que o público aplaudiu o que deveria condenar. 

Homicídios por policiais em folga

O treinamento a que os policiais são submetidos e a falta de investigação e punição àqueles que cometem crime são a chave do problema, e deveriam ser a chave da solução. A síndrome de “policial herói” não ajuda em nada no combate à criminalidade. Uma polícia que investe na resolução de crimes ao invés de treinar seus oficiais para uma verdadeira rinha nas ruas faria mais pela redução dos índices de criminalidade. Em um país em que apenas 5% dos homicídios são solucionados, é óbvio que o modelo seguido está falhando:

A meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) — parceria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça — previa concluir até abril de 2012 todos os inquéritos abertos até dezembro de 2007 para investigar casos de homicídio. Mas, do total de 136,8 mil inquéritos, apenas 10.168 viraram denúncias e 39.794 foram arquivados. Outros 85 mil inquéritos ainda estão em aberto.

(…) Para a conselheira do CNMP, só o fato de a Enasp estar fazendo um diagnóstico dos inquéritos já é motivo de comemoração:

— Antes, não havia sequer como mensurar o tamanho do problema.

A promotora também diz que o trabalho sobre os inquéritos trouxe à tona a discussão sobre os problemas da investigação criminal no país:

— Nós nos deparamos com um quadro muito complicado, de falta de equipamento e de pessoal. Muitos estados têm aberto concursos para a polícia científica. E mesmo o governo federal abriu os olhos para a importância da perícia e tem ajudado os estados na aquisição de equipamentos. São passos fundamentais para a resolução dos homicídios. (notícia completa aqui)


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Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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