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Humanidade em poesia: versos de um sistema (penal)


Por Thathyana Weinfurter Assad


O Direito, quando parece estar estático numa regra, está, na verdade, em constante transformação. Assim são também todos aqueles que insistem em pensar o sistema jurídico, em questionar suas premissas, suas aparentes fragilidades e pretensas fortalezas. Eles não param. E, caso pareçam estar no ócio, estarão, certamente, no ócio produtivo.

Após uma pequena pausa, fiquei pensando sobre o teor da coluna do “retorno”, por assim dizer. E, diante do que refleti, li e vi durante essas últimas semanas, somado ao que sempre esteve em minha mente, quando penso no ser humano inserido num sistema de Direito Penal, na sociedade imersa no “espetáculo” da violência, no grito do terror e na apatia diante de verdadeiras tragédias, resolvi colocar em versos o drama que envolve essa área jurídica tão sensível, ressaltando, por outro lado, a visão romântica de alguém que, ainda, acredita no melhor para todos nós.

O Direito é técnica, sem dúvida. Mas é, também, paixão. E, sem acreditar na causa, não chegaremos a lugar algum. Perdoem-me os doutrinados em educação de “gaiola”, mas é preciso alçar, aqui, um pequeno voo, com asas voltadas à reflexão sobre a humanidade (e a ausência dela).

– Meu amor, leu hoje o jornal?

– Não, por que leria?

– Mostraram mais um linchamento na periferia.

– Só isso? Se fosse eu, também o faria.

 

– Mas, meu amor, era ele nosso “igual”.

– Não a mim! Ele roubou a mercearia!

– Não lhe parece sua frase hipocrisia?

– Louca, rebelde, pare de histeria!

 

– Meu amor, viu que mataram o advogado?

– Quem? Não, não vi. Quem era o tal?

– Diversos tiros, motivo banal.

– Fará diferença em minha vida, sua radical?

 

– Mas, meu amor, coitado do advogado!

– Que carne sem gosto, me passe o sal!

– Estou falando sério, você parece do mal.

– Querida, não, sou apenas um cara normal.

 

– Meu amor, mais um usuário de “crack” hoje foi morto.

– Quem procura acha! Morreu o demente!

– Como assim? Ele era doente.

– Você não sabe de nada, isso é estória de quem mente.

 

– Mas, meu amor, ele era um ser humano, precisava de ajuda.

– Ajuda? Dela quem precisa sou eu! Passe-me a salada.

– Sua apatia me consome, não posso ficar calada!

– Pois deveria, melhor sua voz domada.

 

– Meu amor, sinto-me abnegada!

– Vai dizer, agora, que queria que fosse abraçada?

– Sim, meu amor, estou alarmada!

– Procure-me quando estiver mais animada.

 

– Mas, meu amor, veja, por exemplo, a situação daquele mendigo!

– Deveria ele trabalhar, assim como eu. Bandido!

– Mas ele não cometeu nenhum crime, meu marido.

– Como não? Que seja exemplarmente punido.

 

– Meu amor, boa noite, vou me recolher.

– E eu vou ver o que interessa: o futebol.

– Ah, falando nisso, vou doar nosso antigo lençol.

– Jogue-o fora, atire-o ao sol, mas deixe-me ver meu futebol.

 

– Mas, meu amor, os idosos do asilo precisam.

– Quem? Por onde você tem andado?

– Um deles foi violentado!

– Deve, sim, ter dado um trabalho danado.

 

– Meu amor, vi que as penitenciárias estão superlotadas.

– Não devia, pois bandido bom é bandido morto!

– Esse seu pensamento é torto.

– O que? GOOOOOOLLLLLLLLLLLL. Aborto?

 

– Não, meu amor. Mas falando em aborto…

– Lá vem!

– Ué, você só discute o que lhe convém?

– Não vem que não tem!

 

– Mas, meu amor.

– Chega de “mas”! Não quero mais ouvir!

– Certo, meu bem, vou dormir.

– GOOOOOOLLLLLLL. Pode ir, pode ir!

 

Bilhete final:

 

Você me disse: “pode ir”.

Ah, amor meu,

Lhe ofereci algo em mim

Que nunca foi seu.

 

O grito que me espanta

É o silêncio que lhe cala

A pobreza que se agiganta

É o preso de que fala

 

O que há no meu coração

É amor, a força que pode transformar o mundo!

E colocarei em ação

A cada abraço, a cada gesto, a cada segundo.

 

Adeus, amor meu.

O mundo precisa de amor.

E o futebol já tem o seu.

_Colunistas-thathyana

 

Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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