A humanização do réu no processo penal
A humanização do réu no processo penal
Já dizia Evandro Lins e Silva:
Eu tenho o vício da defesa pela liberdade. Não escolho causas para defender.
O Advogado Criminalista sofre um preconceito desde sempre. É nítida a decepção no olhar da família quando se dá a notícia da área escolhida. E os questionamentos são sempre os mesmos:
mas quem sabe muda pro cível? Tributário? Trabalhista, como dá dinheiro!!.
E a resposta é – e deve ser – única:
não, senhores, eu nasci para ser um Advogado Criminalista!
Enfrentada essa primeira parte, o preconceito segue nas delegacias, fóruns, presídios. Isso tudo por estarmos ao lado “deles”, daqueles que somos voz no processo penal, daqueles que lutamos pelos direitos, sem olhar a quem estamos defendendo.
Já na faculdade aprendemos que o direito e processo penal no Brasil é o direito do fato e não do autor. Será? É só olharmos pro perfil carcerário no país que rapidamente identificamos o perfil do inimigo penal brasileiro.
Jovem, negro e de baixa renda. Sem querer vitimizar ninguém e, longe disso, mas para que haja uma efetividade punitiva, se deve parar de perseguir sempre os mesmos indivíduos que possuem as mesmas características. Se deve abrir os horizontes e atentar-se aos fatos, não – apenas – aos autores.
Na prática forense, conversando com operadores do direito ou agentes da segurança pública nos corredores das audiências e de estabelecimentos prisionais as perguntas se repetem, principalmente por nos tratarmos de jovens mulheres:
Mas defende até quem mata? Como consegue defender um estuprador? E se fosse com um familiar teu?
Esclarecemos desde já que a Constituição Federal, Lei Maior, que estabelece direitos e garantias a todos os cidadãos não faz qualquer ressalva. No artigo 5º, todos são iguais perante a Lei, não havendo qualquer expressão similar com “exceto os bandidos”, “exceto quem praticar delitos”. Muito pelo contrário!
A Carta Magna brasileira elenca direitos processuais penais que devem ser respeitados e garantidos a quem quer que seja. E pasmem: A PRESUNÇÃO É DE INOCÊNCIA!!! Ou seja, ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
A opinião sobre um tema ou outro pode até ser subjetiva. Mas o que está escrito na lei, ninguém, nem o leigo, nem a maior autoridade judiciária pode contrariar. A legislação vigente é para todos, independente de opinião garantista ou punitivista. Independente de um ente querido teu ser a vítima.
Os direitos e garantias fundamentais elencados pela Constituição são cláusulas pétreas. O Estado Democrático de Direito é pautado pela observância das normas, inclusive as infraconstitucionais, não podendo haver desrespeito aos dispositivos preconizados nos Códigos Penal e Processual Penal, além das legislações especiais.
No nosso último Plenário de Júri, enfrentamos um discurso ministerial do parquet de que ali ele estava representando a sociedade e nós, enquanto defesa, representávamos os réus. Nos primeiros minutos de fala da Defesa, derrubamos essa inverdade, uma vez que não é devido ao fato daqueles indivíduos estarem sentados no banco dos réus que eles não pertencem à sociedade.
E mais, não é por eles viverem às margens da sociedade (pois de classe baixa, moradores de um bairro mais afastado do centro da cidade), que eles não se incluem na sociedade daquela cidade interiorana.
O Ministério Público, naquele infeliz comentário, apenas representou o que a maioria pensa. E é sim a maioria. A mídia, as redes sociais, as conversas de bar, tudo incita o medo. Medo daqueles que são perigosos, que estão distantes de nós, que não se parecem conosco. Como diz Bauman,
O medo se enraíza em nossos motivos e propósitos, se estabelece em nossas ações e satura nossas rotinas diárias.
A sociedade vive refém do medo e claro que aqui ninguém é ingênuo de dizer que é um exagero, que o Brasil é um país tranquilo de se viver e que a segurança pública não enfrenta problemas. Porém, o que está de forma equivocada é a forma de encarar esse medo, que deixa de ser estatal e passa a ser individualizado.
É aquele singelo exemplo: ao ver dois indivíduos distintos, um de cada lado da rua, sendo um com características estigmatizadas pelo brasileiro, e outro de acordo com o “nós” inserido na sociedade, para o lado de quem os senhores iriam? Sem exitar, para o lado daqueles que são semelhantes a nós, no entender do senso comum atual.
Ou seja, a lógica é a seguinte:
Sempre há um número demasiado deles. ‘Eles’ são os sujeitos dos quais devia haver menos – ou, melhor ainda, nenhum. E nunca há um número suficiente de nós. ‘Nós’ são as pessoas das quais devia haver mais.
Há um afastamento, um olhar desconfiado quando se vê aquele indivíduo estigmatizado, principalmente quando ele está no banco dos réus. Por consequência, o Advogado também sofre esse mal olhado. O Advogado Criminalista, é aquele a que, nas palavras de Manoel Pedro Pimentel,
cabe a coragem do leão e a brandura do cordeiro; a altivez de um príncipe e a humildade de um escravo; a fugacidade do relâmpago e a persistência do pingo d’água; a rigidez do carvalho e a flexibilidade do bambu.
O Advogado Criminalista é aquele que atua na Defesa da sociedade, do cidadão, das Leis. É aquele indispensável à Administração da Justiça nos termos do artigo 133 da Constituição Federal. Senhores, o Advogado não está em busca da impunidade, tanto é que sem a figura do Advogado não há aquela que é tão desejada por todos: a Justiça!
É preciso lembrarmos que cada réu é uma pessoa. Um humano. Por mais difícil que possa ser e parecer. É uma vida como a nossa, como a sua, como a dos nossos familiares e amigos, com problemas, falhas, erros e acertos. Não importa o que ele fez ou quem ele é. Ele tem o direito de ser defendido e ter a melhor defesa cabível.
E somos nós, Advogados, os incumbidos a desempenhar esta tarefa árdua. Somos nós, Advogados, que devemos impor respeito à nossa profissão, indispensável à administração da justiça, conforme ordem constitucional. Somos nós, Advogados, que devemos impor respeito aqueles que nos confiam a sua liberdade, a sua vida e de seus familiares.
Somos nós, Advogados, que devemos romper o medo e a distância “deles”, com a sociedade. Somos nós, Advogados, que devemos fazer JUSTIÇA!