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A (im)parcialidade, o silêncio e a defesa criminal

A (im)parcialidade, o silêncio e a defesa criminal

Ao ensejo dos recentes fatos noticiados acerca do processo criminal acerca das famigeradas reformas no Sítio de Atibaia, envolvendo construtoras, políticos e outras pessoas, num estrondoso escândalo de corrupção, escreverei, mais uma vez, sobre o direito prerrogativa ao silêncio, cujo uso, em determinadas ocasiões e contextos, é ferramental importante para a defesa criminal.

Analisarei, também e sumariamente, a oitiva do ex Presidente e outros réus, destacando a (im) parcialidade dos juízes, trazendo mais luz sobre a questão, sem a pretensão de esgotar o assunto muito menos proferir juízo de valor acerca da acusação. A ideia é apenas deitar olhos críticos sobre os fatos e tentar analisar friamente o imbróglio jurídico formado.

Há poucos dias o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento na ação criminal que investiga os recursos que financiaram a reforma no Sítio de Atibaia, muito frequentado pelo político e sua família.

É bom esclarecer que referida ação penal não tem a atenção voltada à propriedade de fato ou de direito do imóvel, mas nas reformas neles realizadas: quem, como e porque foram pagas. Inevitável, contudo, o perpasse de lucubrações acerca de quem seria a propriedade, questão que inaugurou a fala do ilustre interrogado.

A denúncia indica prática de crimes de corrupção passiva/ativa em contratos da Petrobras e lavagem de dinheiro na reforma do sítio. No início do ato judicial, após ser chamado de Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, o réu foi questionado pela magistrada se poderia tratá-lo como Ex-Presidente e respondeu que sim.

Esta pergunta revela, no mínimo, uma dificuldade do enunciador em reconhecer alguma autoridade na pessoa do réu, pela sua condição de ex Presidente da República, relegando-lhe uma forma menor de tratamento. Sempre vi e ouvi ex mandatários serem chamados de Presidente e tratados como tal, pelo que o tratamento diferenciado transpareceu a intenção de diminuir a importância política de um estadista da envergadura de Lula, rebaixando-o, residindo aí, a parcialidade[1].

A pergunta, sob o viés da análise do discurso, pode ser indicativa de uma posição ideológica contrária ao réu, uma espécie de antipatia. Observe que ele poderia ter sido chamado de Presidente – opção que dispensaria questionamentos acerca de sua aceitação e ou preferência, eis que o tratamento estaria conforme o protocolo.

Este teria sido o procedimento adequado, e o magistrado assim agindo, posicionar-se-ia equidistante das partes, mantendo a necessária legalidade quando da prática dos atos que lhe competem. Contrariamente, foi utilizada a pergunta “posso chamá-lo de ex-presidente”, como que para lembrar ao réu que não é mais detentor de prerrogativas e que naquele foro – ou “República de Curitiba”, parafraseando o réu, sua influência e prestígio políticos pouco ou nada valiam.

Foi uma bela demonstração de poder:  subjugar publicamente um político poderoso e importante como Lula. Tal atitude, anteriormente, alçou a Herói Nacional, Paladino e Ministro da Justiça o Magistrado Federal Sérgio Moro sendo certo que a juíza, estreante no papel, seguiu na esteira de seu antecessor.

É crível que o fato em si não a incompatibilize para o exercício da jurisdição no caso, mas revela, para dizer o menos, as lentes com as quais enxerga a pessoa do réu.

À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta.

Resta evidente – e seria uma covardia se assim não fosse, que a Meritíssima Juíza Federal estreou na Lava Jato adredemente preparada por seu antecessor, ciente e consciente que a oitiva de Lula envolveria discussões e bate bocas. Sabia, também, de antemão, que o réu faria uso de um discurso político-ideológico, com insinuações de qual é vítima estaria entremeado de paixões e interesses político-partidários – o que não deixa de ser verdade.

De fato, assim ocorreu. Quebrado o protocolo e ciente o réu de seus direitos constitucionais, foi advertido que ali estava para ser interrogado e não para interrogar. Ora, é claro que as partes devem se comportar de maneira conveniente em uma audiência: mas ao acusado é garantido o amplo e irrestrito direito de defesa – devido à posição desconfortável que ocupa na relação processual penal, conforme queixa do réu, sendo desculpável que, no afã de defender-se, extrapole ou se exalte, ainda mais quando privado da liberdade.

Natural, portanto, que contraponha a acusação e seus acusadores, inclusive com perguntas – não caracterizando, a ocorrência, um interrogatório às avessas. O julgador deve ser sensível ao fato. Sobreveio, então, a corretíssima e imediata intervenção da defesa técnica no sentido de garantir a amplitude e a liberdade da (auto)defesa, que não pode, sob pretexto algum, ser diminuída, menosprezada ou cerceada. Não bastasse, lá pelas tantas, foi exigido do acusado respostas do tipo “sim ou não”, intervindo mais uma vez o defensor e a situação normalizada.

Quando dos depoimentos de Léo Pinheiro, Paulo Gordilho e Fernando Bittar – também réus nesta ação penal, é possível observar claramente diferenças no tratamento: o primeiro é chamado, em algum momento, pelo promotor ou pela juíza, não me recordo bem, de Léo (o nome dele não é Leonardo é Adelmário) ao passo que Lula foi chamado por ambos – MP e Juiz, a todo o tempo, salvo engano, de “ex Presidente”.

Por outro lado, questionado pela defesa do ex mandatário – que teve a clara intenção de desmerecer seu depoimento, em face das tratativas de uma delação premiada com o MP, se suas acusações contra o co-réu soavam críveis, Léo Pinheiro se retraiu – o que é natural, e foi imediatamente imunizado pela magistrada.

Assim, à vista do contexto probatório e linguístico ideológico dos autos, o silêncio seria a (in)ação  mais apropriada. É contraproducente tentar convencer quem não está disposto a ser convencido. E aqui cabe, perfeitamente, o adágio: “A palavra é prata e o silêncio é ouro”. Muito poderia ser dito sem esboçar uma só palavra.

Se a pretensão era protestar a favor da sua tese de que “esta sendo vítima de uma mentira” ou qualquer outra, nada mais revolucionário que o silêncio. Se a pretensão era se defender, a estratégia de “sair de cena” – e explorar as falas alheias, teria sido menos prejudicial.

Por fim, apesar do tratamento dispensado pela juíza ao acusado ter sido verdadeira castração, para dizer o mínimo, o ex Presidente teve relativa liberdade para falar e argumentar, sem, contudo, convencer. Seu discurso político foi, no mais das vezes, contraditório e evasivo.

Os co-réus, apesar de suspeitos, produziram depoimentos coesos e desfavoráveis ao ex mandatário sendo certo que os indícios e provas serão sopesadas em um contexto global onde o depoimento do réu – diferentemente do seu silêncio, poderá prejudicá-lo. Calado, Lula teria ao menos uma certeza: não contribuiria para a própria condenação, ou, parafraseando o Presidente peladeiro, “não correria o risco de fazer gol contra”.


NOTAS

[1] (par.ci:al)

  1. Que é (apenas) parte de um todo.
  2. Que só existe ou só se realiza em parte (eclipse parcial; resultados parciais). []
  3. Que toma partido, sem isenção; INJUSTO: O juiz mostrou-se muito parcial naquela sentença. [ Antôn.: imparcial.]

Ângelo Moura

Advogado criminalista e integrante do Núcleo de Advocacia Criminal

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