Imposição de medidas cautelares a parlamentar: é (im)possível?
Por Vilvana Damiani Zanellato
A situação vivenciada nos dias de hoje em nosso País tem levado a população e, em especial, inúmeros operadores do Direito a diversas reflexões.
O desmantelamento da prática ininterrupta de crimes contra a administração pública – vale dizer, contra a coletividade –, a exemplo da corrupção, tem criado hipóteses nem sempre previstas em nosso ordenamento jurídico. Não de forma clara, direta e que independa de uma interpretação mais aguçada.
E a bola da vez é: é possível impor medidas cautelares (prisão ou diversas da prisão) a parlamentar?
Alguns pontos (não muitos), quanto a esse aspecto, são indiscutíveis:
- parlamentar somente pode ser preso em flagrante delito, por crime inafiançável, e assim será mantido mediante a concordância da respectiva Casa Legislativa[1].
- não há dispositivo de lei que impeça a aplicação das medidas cautelares, diversas da prisão[2], ao parlamentar.
Essa dupla já é mais que suficiente para criar longo debate sobre o tema!
Indiscutível que a Constituição em vigor, conforme bem lembrado por LUIZ FLÁVIO GOMES na data de ontem, privilegiou os parlamentares (ou suas funções, que sejam), proibindo a imposição de prisão preventiva. Vale dizer, tornou-os intocáveis[3]!
Tal assertiva, incontroversa, dá guarida, de outro lado, à impossibilidade de imposição de qualquer outra medida cautelar diversa da prisão preventiva?
Apressadamente, pode-se responder que sim, fundando-se no fato de que a Constituição Federal concedeu proteção maior aos parlamentares quanto à prisão, o que pode demonstrar a ausência de legitimidade para a imposição de qualquer outra medida repressora, que não a prisão decorrente do próprio cumprimento de pena aplicada por condenação criminal transitada em julgado.
Até aí, tudo bem.
Tudo bem, nada!
Todos sabem que, nos casos em que cabível, são requisitos à prisão preventiva, além da prova da existência do crime e de indícios da autoria, que seja fundada em elementos concretos e idôneos que demonstrem sua necessidade para a garantia da ordem pública[4] e da ordem econômica, para a conveniência do procedimento criminal e para assegurar a aplicação da lei penal[5].
Esses mesmos requisitos são necessários à imposição das demais medidas cautelares diversas da prisão preventiva, que, aos pobres mortais – leia-se, aos que não detém prerrogativa em razão da função –, não sendo adequada a medida mais drástica privativa da liberdade, serão aplicadas cumulativamente sem perdão…
Mas como fica a situação dos parlamentares?
Prisão preventiva não pode. Outra medida cautelar pode?
Agora, com menos pressa, responde-se que sim.
Ainda que se alegue que os pressupostos das medidas cautelares – prisão ou não – são os mesmos, o que inviabilizaria a imposição de qualquer uma delas aos parlamentares em razão da imunidade quanto à liberdade corporal albergada pela Constituição, não se pode olvidar que as demais, não obstante imputem determinadas privações, são aplicáveis a qualquer cidadão, parlamentar ou não.
Primeiramente, inviável conceber que a Constituição veda a imposição de medida cuja existência nem em ensaio se fazia presente à época de sua promulgação. Entre a edição de ambas (1988-2011) há um hiato de mais de 20 anos!
Em segundo lugar, a título da indagação feita no já citado texto de LUIZ FLÁVIO GOMES, como ficaria a situação do parlamentar que tentar obstruir provas materiais e/ou testemunhais?
Se não cabe a prisão preventiva – medida legítima para qualquer outro cidadão, nesse caso – solução diversa não resta senão a imposição de uma (ou mais) das outras cautelares dispostas no art. 319 do CPP, a exemplo da suspensão do exercício da função pública, para fins de se fazer cessar a possível alteração das provas a serem ainda produzidas no procedimento penal.
Nem se diga que se está de forma esquizofrênica (virou moda o termo no meio jurídico) a obstruir direitos fundamentais que devem ser garantidos a todos os acusados, segundo a ótica do garantismo penal lançado por FERRAJOLI[6]. Esquizofrenia é pulverizar a ideia de que esse garantismo é unilateral e deixar de propagar sua dupla dimensão (indivíduo + coletividade)[7].
Retoma-se, então, ao tema específico e conclui-se: não se pode simplesmente bater palmas para o que vem ocorrendo. É legalmente possível, sim, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão preventiva a parlamentar, desde que requerida, de forma motivada, em qualquer fase do procedimento criminal, pelo Procurador-Geral da República e apreciada fundamentadamente pelo Supremo Tribunal Federal, e, por esse, de ofício, após instaurada a ação penal.
O que vai acontecer?
Não se sabe.
O Brasil é uma caixinha de surpresas!!
__________
[1] Art. 53 da CF.
[2] Art. 319 do CPP.
[4] Apesar do conceito aberto.
[5] Art. 312 do CPP.
[6] FERRAJOLI, Luigi. Garantismo – una discusión sobre derecho y democracia. Madri: Trotta, 2006.
[7] Isso é assunto para uma outra oportuna terça-feira…