A indicação de Alexandre de Moraes e o discurso perigoso no STF
A indicação do Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, pelo Presidente da República para ocupar a vaga do então Ministro Teori Zavaski, vítima de um terrível acidente, era objeto de controvérsias antes mesmo da sua concretização, tendo diversos juristas se manifestado de forma contrária por variadas razões.
De fato, se cogitava tal nomeação, mas jamais pensaríamos que seria efetivada.
Não vou criticar o currículo ou mesmo a carreira do Ministro – há ocupantes hoje do cargo de Ministro da mais alta corte do país que não possuem os mesmos títulos e publicações que o indicado, o que não quer dizer que Alexandre de Moraes seja uma boa escolha.
Não me refiro apenas à posição político-partidária – que sim, causa enorme preocupação, tendo em vista que o novo Ministro será o revisor da Lava-Jato – mas a sua postura sobre a descriminalização do uso de drogas e o caos do sistema prisional brasileiro.
A DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS X GUERRA AO TRÁFICO
O Supremo está a um passo do julgamento histórico sobre a descriminalização do uso de entorpecentes (RE 635659, tema: tipicidade do porte de droga para consumo pessoal).
Até o momento, o placar está 3×0 (todos os votos foram favoráveis, da autoria dos Ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin).
Entretanto, o processo encontra-se suspenso após pedido de vista do então Ministro Teori Zavaski.
Se o Supremo, a priori, caminha para a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, teremos um forte embate caso o Ministro da Justiça seja, de fato, empossado.
No supramencionado processo, o Min. Gilmar Mendes defendeu a descriminalização do porte para quaisquer drogas, enquanto que os Ministros Edson Fachin e Barroso, somente da cannabis.
É cediço que o tráfico de drogas é responsável pela maior parte da população carcerária brasileira (veja <a href="http://g1.globo.com/politica/noticia/um-em-cada-tres-presos-do-pais-responde-por-trafico-de-drogas.ghtml" onclick="__gaTracker('send', 'event', 'outbound-article', 'http://g1.globo strattera online canada.com/politica/noticia/um-em-cada-tres-presos-do-pais-responde-por-trafico-de-drogas.ghtml’, ‘AQUI’);”>AQUI), e a política criminal ultrapassada de enfrentamento a todo custo só incrementa o tráfico, a violência e, por consequência, o contingente prisional.
O caos do sistema carcerário brasileiro atingiu seu ápice neste ano, quando diversas rebeliões ocorreram no país, capitaneadas por brigas entre facções, desaguando na barbárie acompanhada por todos nós: o massacre no Rio Grande do Norte e Roraima.
Taxar como mero “acidente pavoroso” (leia AQUI) é tapar o sol com a peneira e demonstra claramente o despreparo dos políticos brasileiros.
A política criminal adotada pelo Brasil quanto ao combate às drogas, da máxima repressão, tão somente apresenta o desconhecimento das causas e consequências no uso das drogas e a realidade social.
Muitos dos que ingressam no sistema prisional sequer são traficantes, ou mesmo “aviõezinhos”, mas tão somente pessoas que passam a “pertencer” a determinada facção de acordo, por exemplo, com o bairro no qual residia antes da prisão.
Sim, parece absurdo, mas a “classificação” do sujeito ocorre por zona… Se vivia no bairro “A” ou “B” irá pertencer ao traficante da região e, por conseguinte, aos seus representantes que se encontram no cárcere.
Assim sendo, a postura de combater com violência e de forma intolerante qualquer pessoa que possua envolvimento com drogas – usuário, intermediário ou traficante – promove dois resultados: o aumento da população carcerária e a reprodução da violência externa aos muros do estabelecimento prisional.
É latente o fracasso da política criminal de drogas no Brasil, desafiando sua releitura. Mas, a indicação do Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, representa justamente o oposto.
A constrangedora cena do Ministro com um facão em solo paraguaio (veja AQUI) cortando uma plantação de maconha demonstra o quão equivocado é o seu raciocínio, quer por adotar ainda uma postura antiquada e sabidamente falida de combate às drogas, quer porque o “corte” dos pés da cannabis em nada modifica a dinâmica do tráfico de drogas.
A obsoleta prática de criminalização e emprego de violência para reprimir o tráfico já se revelou inócua, ou melhor, desastrosa: aumento da população carcerária, prisões arbitrárias – tendo em vista que não há na legislação brasileira critérios objetivos para estipular que quantidade seria razoável, a fim de se considerar uso ou tráfico – e o incremento da violência e do caos nos presídios.
A política de drogas deu seu recado: quem domina é o tráfico, e não o governo. Ademais, não se pensa nos cuidados com o usuário dependente químico e sua família. Não se pensa na sociedade.
REVISÃO DA LAVA-JATO
Outro aspecto polêmico refere-se à revisão dos votos da Lava-Jato e a possível (im)parcialidade do Ministro. Tema, aliás, já suscitado quando o Ministro Dias Toffoli foi empossado no governo da então presidente Dilma, em razão da sua ligação com o PT.
Causa preocupação a atuação do Ministro da Justiça na função de Revisor da Lava-Jato, por ser, justamente, Ministro do atual governo. Como é sabido, a Lava-Jato investiga diversos políticos, dentre os quais integrantes do governo e da base aliada.
O próprio Alexandre de Moraes, em sua tese de doutorado apresentada na USP, entendia não ser possível que um Ministro de governo assumisse o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, pois haveria flagrante violação a imparcialidade:
Em tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da USP, em julho de 2000, o hoje ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, defendeu que, na indicação ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, fossem vedados os que exercem cargos de confiança “durante o mandato do presidente da República em exercício” para que se evitasse “demonstração de gratidão política”. Por esse critério, ele próprio, um dos citados candidatos à sucessão do ministro Teori Zavascki, estaria impedido de ser indicado pelo presidente Michel Temer. O veto sugerido por Moraes está no ponto 103 da conclusão da tese. Ele diz: “É vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo, mandatos eletivos, ou o cargo de procurador-geral da República, durante o mandato do presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa Corte Constitucional”. (veja AQUI)
Bom, a priori, o Ministro mudou de ideia e não mais defende sua tese. Resta-nos aguardar como será sua postura no Supremo.
VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
A indicação nos parece representar um retrocesso na Corte Suprema, pois estamos diante de um perfil – ao menos de acordo com o que o Ministro tem demonstrado na pasta da Justiça – de máxima repressão e intolerância, como visualizamos também na ordem de repressão às manifestações estudantis (veja AQUI).
Trata-se de um perfil que até o momento viola os direitos humanos, quer pela franca política de máxima intervenção e repressão às drogas, autorizações à época como Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no governo de Geraldo Alckimin, do uso da força policial para reprimir manifestações populares, a péssima gestão da questão prisional, culminando não apenas com os ataques em Roraima, Manaus e no Rio Grande do Norte – parcela de responsabilidade que deve ser dividida com governos anteriores – mas com as medidas a serem adotadas após os massacres.
A sua falha, inoperância e omissão no enfrentamento dos massacres nos presídios e as violações aos direitos humanos provocaram não apenas a emissão de diversas notas de repúdio (veja AQUI e AQUI), e ainda o pedido de demissão em massa dos membros do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (leia AQUI).
Alexandre de Moraes, sem dúvidas, passa a ser o nome mais contestado da história do Supremo Tribunal Federal e só nos resta lamentar e torcer para que ele, milagrosamente, mude de postura…