Da observância da individualização da pena nos crimes hediondos e assemelhados

O princípio da individualização da pena está previsto no artigo 5°, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988. De acordo com este princípio, a pena deverá ser sempre individualizada para cada infrator, pois nenhum crime é igual ao outro.

Assim, independentemente do tipo penal praticado pelo agente delituoso, o juiz, no momento da aplicação da pena, deve analisar todas as circunstâncias na quais o crime foi perpetrado, bem como o grau de culpabilidade de cada agente.

Em outros dizeres: as infrações penais devem ser analisadas, verificando-se a culpabilidade do agente, bem como as circunstâncias de cada crime, individualizando-se, assim, a pena para cada condenado.

Destarte, no que tange o princípio da individualização da pena, pode-se dizer que a pena recebida pela prática de uma infração penal deve ser imposta levando-se em consideração as características pessoais do acusado, bem como as circunstâncias em que o delito foi praticado.

A pena deve respeitar os limites da culpabilidade. Ou seja: o magistrado, ao aplicar a pena, deve atentar para a culpabilidade, devendo, portanto, avaliar o grau de responsabilidade de cada agente em relação à empreitada criminosa.

"Individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que co-autores ou mesmo co-réus." (NUCCI, 2005, p. 31).

Assim sendo, pode-se dizer que a pena para cada condenado deve ser sempre única; cada infrator deve ter sua pena individualizada, mesmo que tenham concorrido para a mesma infração.

Destarte, o princípio da individualização da pena incide em três etapas distintas, quais sejam, legislativa, judicial e administrativa. Expliquemos.

Na etapa legislativa, para a correta observância da individualização da pena, o legislador deverá atuar com razoabilidade, cominando penas para cada infração de acordo com a natureza e a importância do bem jurídico tutelado, pois só dessa forma o princípio da individualização da pena estará sendo obedecido.

Em outras palavras: o legislador deverá cominar a pena de acordo com a importância do bem jurídico que está sendo objeto da tutela penal, devendo, para isso, respeitar o princípio da proporcionalidade.

Já na fase judicial, ou seja, na dosimetria da pena, o magistrado, analisando o caso concreto, deverá fixar a pena de acordo com os requisitos previstos no artigo 59 do Código Penal.

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

É na fase judicial, portanto, que a individualização da pena deve ser observada com a máxima atenção, pois é nessa fase que a pena abstratamente cominada em lei será individualizada e concretamente aplicada no caso concreto.

Por fim, na etapa administrativa, que é a fase da execução penal, a individualização da pena irá incidir nas questões de progressão e regressão do regime prisional, como também nas concessões de outros benefícios para o preso condenado.

PENA-BASE – FIXAÇÃO. Em se tratando de corréus, o exame das circunstâncias judiciais ocorre ante o princípio constitucional da individualização da pena, descabendo simples repetição de palavras e fundamentos. CONCUSSÃO – CRIME DE MÃO PRÓPRIA. A concussão é crime de mão própria, praticado pelo servidor público. PENA-BASE – CULPABILIDADE INTENSA – MAJORAÇÃO DA PENA – EXACERBAÇÃO – ILEGALIDADE. A circunstância judicial retratada na culpabilidade não é suficiente à elevação da pena mínima prevista para o tipo em quatro anos, chegando-se a seis anos de reclusão, presente o balizamento de dois a oito.anos. (HC 104864, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 17/05/2011, DJe-120 DIVULG 22-06-2011 PUBLIC 24-06-2011 EMENT VOL-02550-01 PP-00055).

Nota-se, portanto, que o postulado da individualização da pena deverá incidir em qualquer tipo de crime, até mesmo naqueles cometidos por meio de concursos de pessoas.

Assim sendo, pode-se dizer que, mesmo se tratando de corréus, a pena deve ser individualizada para cada um, pois não se pode padronizar as condutas de cada indivíduo, mesmo que estes estejam inseridos em um mesmo cenário criminoso.

Partindo-se do exposto, é correto afirmar que a vedação a concessão de liberdade provisória e a impossibilidade de progressão da pena nos crimes hediondos e equiparados, conforme se previa antes da alteração de 2007, violava o princípio da individualização da pena.

Ao se restringir, de maneira absoluta, a possibilidade de concessão dos referidos benefícios aos autores de crimes hediondos e equiparados, única e exclusivamente, em virtude da gravidade em abstrato dos crimes perpetrados, vai de encontro aos preceitos de caráter constitucionais.

Em outras palavras: a impossibilidade de concessão de liberdade provisória e a previsão de cumprimento obrigatório da pena em regime integralmente fechado para os crimes hediondos e assemelhados, conforme se previa na redação original da Lei 8.072/90, contraria, além do princípio da presunção de inocência (que é o princípio que rege todo o processo penal), o princípio da individualização da pena.

Sendo assim, é correto afirmar que as alterações de 2007, no que tange a possibilidade de concessão de liberdade provisória e a possibilidade de progressão de regime nos crimes hediondos e assemelhados, foi de grande valia, tendo em vista que retirar benefícios e conferir um tratamento mais rigoroso para autores de crimes hediondos, única e exclusivamente, em razão da gravidade em abstrato dos referidos crime, é inconstitucional.

Conclui-se assim que todo infrator deve ter um tratamento único, diferenciado, não se podendo, portanto, tratar cada infrator de maneira igual, seja no momento da fixação da pena, seja no momento do cumprimento da mesma.

"Regular significa agir mediante regras, logo, cabe ao legislador estabelecer as regras em relação às quais se dará a individualização da pena. Eliminá-la, por lei ordinária, é inconstitucional." (NUCCI, 2013, p. 19).

REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade . 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.