O indulto e a comutação na execução penal
O indulto para além de ser uma causa de extinção da punibilidade, nos termos do que dispõe o artigo 107 do Código Penal, é considerado como o perdão da pena. Para o apenado ou a apenada ser beneficiada, deverá cumprir alguns requisitos fixados por Decreto da Presidência da República.
Não sem razão, portanto, no Brasil, todos os anos, no período natalino, o Presidente da República, diante do que aduz o artigo 84, inciso XII, da CF, tem por tradição conceder indulto às pessoas condenadas ou submetidas à medida de segurança e comutar penas de pessoas condenadas, embora o decreto de 2016 não tenha previsto a comutação, o que não ocorria desde a época ditatorial.
Pode-se afirmar, assim, que o indulto nada mais é do que uma política criminal redutora de danos, quanto mais em âmbito brasileiro, considerada a precariedade do seu sistema carcerário e a sua hiperlotação, não estando condicionada ao período natalino, apenas, eis que uma vez no âmbito da discricionariedade presidencial, pode ser concedido a qualquer tempo.
A comutação da pena é que é um instituto de natureza controvertida, pois, embora majoritariamente se entenda tratar-se de indulto parcial da pena, não há que se falar em causa extintiva parcial da punibilidade, razão pela qual ROIG (2014) trata a comutação como uma mutação da pena privativa de liberdade em outra pena, de menor quantidade ou de distinta qualidade, desde que cumpridos determinados requisitos por parte da pessoa condenada.
Os requisitos estabelecidos no decreto são objetivos e subjetivos. Ambos devem estar presentes para o reconhecimento do indulto e da comutação. Os objetivos dizem respeito ao tipo de crime, de pena, quantidade total da pena e tempo já cumprido até o dia 25 de dezembro, em geral.
Os subjetivos dizem respeito à existência ou não de falta grave, cometida e homologada, no período dos 12 meses anteriores à publicação do Decreto, mas não devem estes últimos ser exigidos em se tratando de indulto humanitário e de medida de segurança. Consigne-se que somente podem ser exigidos os requisitos expressamente previstos no Decreto Presidencial.
Os decretos presidenciais tem fixado, via de regra, que o desconto ocorre sobre o maior patamar da pena, ou seja, se o preso cumpriu mais da metade, será pela pena já cumprida; se cumpriu menos da metade, será sobre a pena restante, lembrando que a aferição relativamente ao tempo de pena cumprida é feita com base na pena existente em 25 de dezembro de cada ano, mas o requisito subjetivo utiliza como referência a data da publicação do Decreto – um ano retroativamente, sendo que nesse último caso houve um agravamento, na medida em que o parágrafo único do art. 9º do decreto de 2016, aduz que caso a infração disciplinar não tenha sido submetida à apreciação do juízo da execução, a declaração do indulto deverá ser postergada até a conclusão da apuração, que deverá ocorrer em regime de urgência, não se estabelecendo de que prazo de urgência se está falando.
Os chamados crimes hediondos ou equiparados não podem receber indulto ou comutação. Contudo, caso o sentenciado ou a sentenciada estivesse cumprindo penas de naturezas distintas (crime hediondo + crime comum), após o cumprimento de 2/3 da pena impeditiva (hediondo) e mais a fração correspondente do crime comum, poderia ser analisada a obtenção do benefício de indulto ou comutação da pena do crime comum até a edição do decreto de 2016, o qual em evidente agravamento, também, exige agora o cumprimento integral da pena do crime impeditivo à concessão do indulto.
Há de se observar que em casos em que houve condenação com trânsito em julgado afastando a hediondez do delito, a vedação do decreto não é aplicável. O indulto humanitário (por doença grave, por exemplo) também alcança os condenados por delitos hediondos (ou equiparados).
São diversas as modalidades de indulto, como, por exemplo, o indulto comum; o indulto etário; o indulto assistencial, em caso de filhos e filhas que dependam do apenado ou da apenada para sua subsistência; o indulto por estudo; o indulto humanitário, o qual não depende da modalidade do crime praticado, tampouco da quantidade de pena, pois leva em conta a situação de saúde do apenado e da apenada, muitas vezes gravosa; o indulto de medida de segurança; o indulto para vítimas de tortura, entre outros.
Entretanto, cabe referir que o decreto de 2016 foi extremamente gravoso, não apenas por que não previu a comutação da pena, mas por que também estabeleceu requisitos outros à concessão do indulto, extirpando algumas das suas modalidades, como, por exemplo, a possibilidade de indulto para quem teve as suas penas substituídas por restritivas de direito ou multa.
Mas, diga-se, também, que o pleito de indulto e de comutação pode ser realizado a qualquer tempo ao longo do processo de execução penal, sendo certo que os decretos passados podem ser utilizados de parâmetro a sua concessão, acaso cumpridos com os requisitos lá estabelecidos.
Não nos esqueçamos de que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Na prática, o advogado e a advogada deverá acompanhar a edição do decreto presidencial para proceder à análise e enquadramento do pleito do apenado ou da apenada, verificando se o mesmo ou a mesma atende as suas hipóteses e se implementa os requisitos objetivos e subjetivos a tanto.
Atualmente, inclusive no sitio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, já se encontra a disposição calculadora de execução penal, a qual pode auxiliar nesse trabalho.
Entretanto, sabe-se que os presos e as presas ficam muito ansiosos nessa época, exatamente por que aguardam, por certo, a edição do decreto, por isso, todos os anos, logo após a edição do decreto presidencial, os defensores públicos com atribuição de atuação na Execução Penal iniciam a análise individualizada dos benefícios referidos, haja vista que a atuação da Defensoria Pública, principalmente como órgão de execução que é, impõe como incumbência o requerimento a tanto.
O procedimento de indulto pode se iniciar de ofício ou a requerimento do interessado, de quem o represente, ou, ainda, de seu cônjuge ou companheiro, parente ou descendente, da Defensoria Pública, da OAB, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, do Conselho da Comunidade, do patronato, da autoridade administrativa, da Ouvidoria do Sistema Penitenciário, da Corregedoria do Sistema Penitenciário ou do médico que assiste o indivíduo. Porém, a autoridade que custodiar a pessoa condenada e os órgãos da execução penal possuem o dever de encaminhamento, de ofício, ao Juízo da Execução, da lista dos condenados e das condenadas que satisfaçam os requisitos necessários a concessão do indulto.
Em regra, os decretos seguiam os mesmos padrões, portanto, era mais fácil quando do acompanhamento do processo de execução penal, já prever se o apenado ou a apenada que você representa poderia se enquadrar nas hipóteses referidas, caso em que era mais fácil peticionar e obter o perdão mais rapidamente, que é o que esperam todos os apenados e as apenadas.
Por isso, na prática seria interessante já se poder confeccionar uma tabela em que estarão os principais dados e requisitos, sejam objetivos e subjetivos, dos apenados e das apenadas aos quais se acompanha a execução da pena, facilitando em muito o peticionamento em menor tempo possível, e possibilitando, assim, uma nova caminhada, muitas vezes longe dos nefastos efeitos do cárcere, já no início de um novo ano, embora se saiba da dificuldade dessa obtenção, na maioria das vezes, na medida em que estamos falando de período o qual abrange o recesso forense e de uma duração, não muito razoável, diríamos, dos processos de execução penal.
REFERÊNCIAS
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal. Teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014.