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A influência da Lei n. 13.254/2016 sobre a caracterização da Lavagem de Capitais

A análise que será realizada neste artigo exige do leitor conhecimento acerca de características da lavagem de capitais em relação a sua infração precedente, principalmente em relação ao vínculo entre ambos, invocando-se o Princípio da Acessoriedade Material Limitada, já trabalhado em outros artigos.

A Lei Federal n. 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que a pouco completou dois anos de existência, dispõe sobre regime especial de regularização cambial e tributária de recursos, permitindo a quem tiver recursos de origem lícita no exterior, não declarados ou remetidos com declaração incompleta ou incorreta, possa, mediante o pagamento de contribuição ao Estado e multa, repatriá-los e utilizá-los normalmente.

Equivocadamente entendeu-se, principalmente pela incitação da mídia, que a Lei de Repatriação de Capitais serviu de salvo-conduto para lavadores de dinheiro, isentando-os da pena prevista para a lavagem e de outros delitos geradores da verba ilícita, pois permitia que pudessem utilizar desses recursos com o devido pagamento da parcela estatal.

É evidente o equívoco quando verificamos seus artigos 1º e 3º, os quais salientam a possibilidade exclusiva de repatriação de recursos de origem lícita, mas que remetidos à mercê da legislação tributária vigente ou com declaração irregular ou incompleta. Tais dispositivos salientam que somente são repatriáveis recursos de origem lícita, conceito que é definido pela própria Lei em seu artigo 2º, inciso II, nesses termos:

Art. 2.º Consideram-se, para os fins desta Lei:
(...) II - recursos ou patrimônio de origem lícita: os bens e os direitos adquiridos com recursos oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei, bem como o objeto, o produto ou o proveito dos crimes previstos no §1º do art. 5º.

O §1º do artigo 5º ali referido elenca taxativamente os crimes passíveis de repatriação, os quais terão sua punibilidade extinta desde que satisfeitos os requisitos previstos na Lei. Os crimes previstos naquele dispositivo são:

  1. Sonegação fiscal na modalidade formal (Lei n. 8.137/90, art. 2º, incisos I, II e V);
  2. Crimes previstos na Lei n. 4.729/65;
  3. Sonegação de Contribuição Previdenciária (Código Penal, art. 337-A);
  4. Crimes de falsificação de documento público ou particular, falsidade ideológica ou uso de documento falso, quando exaurida sua potencialidade lesiva nos crimes dos incisos I, II ou III;
  5. Crime de Evasão de Divisas (Lei n. 4.729/65, art. 22);
  6. Formas básicas de lavagem de capitais (Lei n. 9.613/98, art. 1º, caput), quando o objeto material for oriundo, direta ou indiretamente, das infrações previstas nos incisos I ao VII do dispositivo.

Há uma nítida diferença entre delitos geradores e delitos de passagem de capital. Delitos geradores são aqueles cuja prática não demanda recursos pretéritos, visto que a sua prática cria, gera, os recursos.

Os delitos de passagem, por não criarem recursos, demandam sua existência pretérita para que possam ser praticados (sonegação fiscal e evasão de divisas). A origem dos recursos dos delitos de passagem pode ser lícita ou ilícita.

O presente dispositivo agrega o objeto, produto ou proveito dos delitos previstos no §1º do art. 5º como não geradores de recursos ilícitos, ou seja, presume-se que tais delitos sejam de passagem de capital, e não geradores, os quais sequer permitiriam a caracterização da lavagem de capitais.

É desnecessária a presença do inciso VII do §1º do art. 5º que prevê a extinção da punibilidade das formas básicas da lavagem quando a infração precedente estiver compreendida naquele dispositivo.

Percebe-se, portanto, que não há delito de lavagem de capitais, nas suas formas básicas, quando os recursos forem oriundos de delitos de passagem, porque não são delitos geradores de recursos ilícitos, como demanda o art. 1º da Lei n. 9.613/98 para a caracterização da lavagem, podendo os recursos no estrangeiro serem repatriados, sem que o agente responda pelas infrações precedente ou por eventual lavagem de capitais supostamente agregada.

Não há dúvida, legal ou teórica, acerca da caracterização da lavagem de capitais em suas modalidades básicas, ou da repatriação de seus recursos. Mas a dúvida ainda sobrevive em relação as forma derivadas de lavagem, Lei n. 9.613/98, art. 1º, §§1º e 2º.

Numa interpretação estritamente legal, as modalidades derivadas de lavagem, mesmo que as infrações precedentes sejam as previstas no §1º do art. 5º, não terão sua caracterização ou punibilidade afetadas, pois, pelo Princípio da Acessoriedade Material Limitada, a punibilidade da infração precedente não influencia na caracterização da posterior lavagem de capitais, que só observa a tipicidade e ilicitude de sua infração antecedente.

Entretanto, as modalidades derivadas de lavagem de capitais somente terão sua punibilidade extinta caso o julgador leve em conta a demanda específica do delito de lavagem em relação a sua infração precedente: esta deve ter sido criadora do objeto material que se reputa ilícito.

Ou seja, caso seja infração não geradora (infração de passagem, p. e.), teoricamente não há caracterização de lavagem, independente de sua forma, básica ou derivada.

Em conclusão, a Lei de Repatriação de Capitais, longe de esvaziar a Lei de Lavagem de Dinheiro, apenas evidenciou determinadas características que restavam somente no plano teórico acerca da infração antecedente, mormente no que tange ao objeto material ilícito.

Evidenciou as características das infrações precedentes que, pela própria natureza, não poderiam caracterizar a lavagem de capitais, com ou sem a Lei de Repatriação.

Felipe Gabriel Pontes

Advogado (RS)

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