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(In)justa prisão

(In)justa prisão

Baseado numa experiência histórica de prisão cautelar (processual), o legislador escolheu segregar o criminoso também para cumprimento de pena.

Essa construção histórica apenas referendou o poder de dizer o direito, e se infiltrou no senso comum através da comunicação de massa, que agora reclama a continuidade do procedimento enquanto padrão de justiça.

Prisão é, pois, para o direito moderno e para a sociedade, sinônimo de justiça.

É evidente que as teorias da justiça são inacessíveis à mídia sensacionalista e aos seus espectadores, de modo que o desfazimento desse mito se torna deveras acadêmico, portanto, restritíssimo.

Vale, então, singela contribuição crítica a essa versão de pena enquanto expressão de justiça. Já defendi esse ponto no capítulo 42 das Teses sobre homicídio, assim colocado:

Se no curso natural da vida humana a vida deveria prevalecer, o homicídio retira esse curso. Não haverá justiça nesse mundo capaz de redimir ou confortar os corações humanos. Não haverá sentença judicial nem cumprimento de sentença que dê conta de resolver o problema da justiça para o ato. Haverá, no máximo, uma prestação jurisdicional; mas, jamais, justiça! Porém, se comprovada a exculpação ou a excludente, ou seja, uma vez afastado o homicídio do evento morte, a vida que deveria prevalecer se converte em morte, porque deveria ser assim! O curso natural da vida humana termina, intransigentemente, com a morte, e em algum ato físico, espontâneo ou provocado, é chegada a hora da morte. 

Ou seja, mesmo diante da “artificialidade do crime”, a pena – também ela uma artificialidade – não expressa necessariamente uma justiça, e sim, muito aquém, uma prestação jurisdicional.

É o Estado, por um de seus poderes, dizendo o que ocorrerá com o transgressor da norma penal. E isso está muito longe da justiça. Justo seria o não cometimento da transgressão; seria a não-transgressão, isto é, o curso natural da realidade e da vida.

Pois o crime interrompe o curso natural da realidade e da vida, e desde a sua existência (do crime), inexiste a consequência da realidade e da vida para a vítima. Jamais haverá reparação, seja para a vítima, seja para a sociedade.

É por esse fator que não se pode atrelar “prisão” a “justiça”. São categorias ontologicamente incompatíveis. Prisão não faz justiça; prisão apenas dá, no atual sistema, prestação jurisdicional. Não provê justiça; apenas arrefece à sociedade o sentimento de justiça. Enquanto pretenso “sustentáculo de justiça”, pois, a prisão é deveras inútil.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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