Inquérito policial: metodologias anacrônicas e a busca pela verdade dos fatos

Inquérito policial: metodologias anacrônicas e a busca pela verdade dos fatos

Quem conhece minimamente os corredores das delegacias de polícia espalhadas pelo país sabe bem do que estamos tratando aqui.

Desempenhando nossas atividades profissionais, contemplamos cotidianamente as precaríssimas condições em que a grande maioria dessas instituições públicas estão assentadas. É comum vermos sedes de distritos policiais civis adaptados em casas de baixo custo, com mobiliário e ferramentas de trabalho completamente sucateados. É o abandono estatal levado às últimas consequências.

E o que falar sobre nossa metodologia burocrática no que tange às investigações criminais? O “caos” seria talvez a palavra que melhor definiria essa realidade.

O Decreto-lei 3.689/41 – Código de Processo Penal – em seu Título II, do artigo 4º ao artigo 23 trata exclusivamente dos procedimentos referentes ao inquérito policial. Numa leitura menos atenta de um leigo talvez transpareça uma certa organização e dinamismo em todo esse processo inquisitivo, não obstante, nós operadores das Ciências Jurídicas sabemos que no mundo real as coisas são completamente diferentes. E na mesma esteira vão os procedimentos estatuídos em leis específicas que regem o Direito Penal pátrio, tão ou ainda mais embaraçados que os dispositivos legais supramencionados.

O inquérito policial instituído no Brasil é bastante ineficaz e ultrapassado.O volume de papel necessário para atender às exigências de leis arcaicas faz com que a verdade dos fatos se perca entre ofícios, requisições e formalidades pouco inteligentes.

Apenas para ilustrar essas considerações, trago à colação o artigo 50, §1º da Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas – que diz, ipsis litteris: “Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.”. 

Muito bem, deixando de lado as discussões sobre se é ou não suficiente o referido laudo para se estabelecer a materialidade do crime, vamos traçar um liame cujo ponto de partida é a lei e o ponto de chegada é o que ocorre na prática: a droga – que a essa altura é tratada pelos papéis oficiais como “substância semelhante à droga” – deve ser analisada por peritos para que seja comprovada de fato sua verdadeira natureza.

Até aí tudo certo, uma vez que qualquer homem com grau de intelecção média e algum senso de justiça consideraria oportuna a comprovação da natureza da substância apreendida para que a investigação policial corra sem o cometimento de arbitrariedades. Contudo, na prática, temos que as delegacias de polícia do interior do país não dispõem de aparato técnico nem de profissionais gabaritados para fazer esse trabalho.

Sendo assim, torna-se necessário aguardar alguns dias para juntar requisições de diversas perícias de casos diferentes dentro de um prazo legal razoável e seguro para depois levar todo o material e os papéis oficiais requerendo sua análise para os núcleos de perícia situados nas capitais.

Feito isso, retorna-se às delegacias de origem, para após mais alguns dias ter de retornar à capital para buscar o referido material com os laudos de constatação, para consequente juntada à investigação policial. Do extrato mandamental da lei até o retorno do laudo comprobatório da substância apreendida, dias e dias se passaram dando ensejo a uma série de prejuízos ao trabalho investigativo.

Esse é apenas um exemplo da via crucis burocrática que trava o trabalho da polícia judiciária, prejudicando todos os atores envolvidos no acontecimento delituoso. 

Em países do primeiro mundo o próprio policial carrega consigo os reagentes e já na apreensão do que se supõe tratar-se de substância tóxica viciante se faz o teste, comprovando-se ou não o porte de drogas. Uma medida simples como essa resulta na celeridade de todo o processo envolvendo o investigado, trazendo ganhos de grande relevância para toda a sociedade.

Fica claro que nosso modelo de investigação – que encontra similaridade apenas nos sistemas implantados em Cabo Verde e Moçambique – encontra-se perdido num “mar sem-fim” de papéis, carimbos, números de registros e assinaturas. A verdade dos fatos fica em último plano.

A saída possível ao que parece passa pela modernização das leis e por via de consequência de todo o procedimento investigatório policial. O processo deve urgentemente ser simplificado para poder se aproximar dos padrões de eficiência mencionados no caput do artigo 37 da Constituição Federal.

Deve ser dada uma atenção maior ao treinamento dos profissionais envolvidos na ocorrência desde o nascedouro, para que as práticas de conservação do local do crime sejam bem executadas, afastando a possibilidade de se corromper o local do crime. Essas regras devem constar de leis e regulamentos de fácil compreensão, para que não hajam ruídos na produção de provas cruciais para todo o processo legal.

As novas leis referentes ao inquérito policial precisam acompanhar o princípio da celeridade, sempre tendo em vista que celeridade não significa “pressa”. A investigação de um crime não deve ser atropelada pela busca desenfreada de economia de tempo em prejuízo de um resultado justo, mas deve contemplar o lapso temporal necessário para uma averiguação adequada dos acontecimentos, instrumentalizando as autoridades judiciais para um possível julgamento futuro dos ora investigados.

Por fim, deixemos registrado: não devemos covardemente fugir de nossa responsabilidade. Cabe a nós pugnar por leis mais modernas que dinamizem todo o processo inquisitivo e derrubem de vez o anacronismo burocrático preponderante nos inquéritos policiais. A luta por um sistema investigatório que seja mais hábil na reunião de provas só trará benefícios a todos, sob pena de não conseguirmos vislumbrar a justiça por detrás de montanhas inúteis de papel.


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