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Inscrição fraudulenta de eleitor (Parte 2)


Por Bruno Milanez


Na coluna da última semana, iniciamos a análise das fraudes eleitorais, o que se fez a partir do crime de inscrição fraudulenta de eleitor, crime tipificado no art. 289, do Código Eleitoral. Na coluna de hoje, aprofundamos o estudo desse crime.

E relativamente ao delito em análise, questão controvertida diz com a possibilidade ou não da modalidade tentada. Há corrente doutrinária compreendendo que o crime de inscrição fraudulenta é formal e que a consumação do crime independe da efetiva inscrição do eleitor:

“A consumação do ilícito de inscrição fraudulenta do eleitor, previsto no art. 289 do Código Eleitoral, se dá no momento em que o agente comparece ao cartório eleitoral e ali promove a sua inscrição fraudulenta.” (TRE/RJ – CC 4.349, Rel. Marco José Mattos Couto, DJERJ 22.10.2015″

“O crime do art. 289 do Código Eleitoral “consuma-se, independentemente da obtenção de resultado. Trata-se de crime formal. Assim, não se apresenta necessário para a caracterização do delito que tenha o agente obtido a sua inclusão no corpo eleitoral, sendo suficiente tenha declarado dados fraudulentos de relevância para a efetivação do alistamento ou que tenha instruído o pedido de inscrição com documentos material ou intelectualmente falsos. A exigência de dolo específico para a figura em comento não encontra sustentação legal, posto que o tipo do art. 289 do Código Eleitoral não impõe deva a inscrição fraudulenta ser realizada para um fim específico, não havendo sequer a menção de que seja levada a efeito para obtenção de alguma vantagem eleitoral para si ou para outrem (…). Demais disso, exigir-se o dolo específico, como parte da jurisprudência e da doutrina minoritárias querem fazer, faz com que, na prática, o tipo penal se torne iníquo, já que basta o denunciado dizer que “não queria fraudar a Justiça Eleitoral” que o fato será atípico. Ou seja, estará, em verdade, se descriminalizando uma conduta com base em uma desculpa, examinando a vontade declarada, sem levar-se em consideração que a conduta, o tipo penal, ocorreu e não interessa, pois este não assim exige que haja o dolo específico de fraudar o processo eleitoral. Caso assim não fosse, haveria guarida da própria Justiça Eleitoral, a lesada diretamente com a conduta, para que o fato não fosse punível, mesmo sendo fraudatória a intenção, mesmo que não seja a fraude dirigida a esta especializada.” (TRE/DF – REL 963, Rel. Alfeu Gonzaga Machado, DJE 21.3.2012)

Segundo essa concepção, não seria possível a prática do crime na modalidade tentada, tendo-se em vista que a simples atividade (v.g. apresentação de documentos com a intenção de fraudar a inscrição eleitoral) implicaria no reconhecimento do crime e, por outro lado, sem a apresentação dos documentos, sequer se poderia cogitar da prática delitiva.

Por outro lado, há posição segundo a qual o crime de inscrição fraudulenta exige a ocorrência do resultado inscrição eleitoral, resultado sem o qual não se poderia cogitar de consumação, mas apenas de tentativa:

“Se o agente, ao requerer a transferência de seu domicílio eleitoral, apresenta declaração de endereço para satisfazer exigência relativa à residência mínima de três meses no novo domicílio (art. 55, § 1.º, inciso III, do Código Eleitoral), mas das diligências realizadas resta apurada a falsidade da informação, impedindo a efetiva transferência, há de se reconhecer que o crime no caso em concreto (art. 289 do Código Eleitoral) deu-se na modalidade tentada (art. 14, II, do Código Penal), pois, por motivos alheios à vontade do agente, não se consumou.” (TRE-MS – REL 10.235, Rel. Heraldo Garcia Vitta, DJE 11.5.2016)

“No caso em julgamento, a tentativa de inscrição eleitoral fraudulenta foi prontamente identificada pelo Chefe do Cartório Eleitoral, na primeira conferência dos documentos que instruíam o pedido de transferência do título de eleitor. A evidência de que o bem jurídico tutelado pelo tipo do artigo 289 do Código Eleitoral – a higidez e a confiabilidade do Cadastro de Eleitores – não foi concretamente ofendido conduz à confirmação da sentença, no capítulo em que aplicou o fracionário máximo (2/3) de redução pela da tentativa” (TRE/RJ – REL 26.059, Rel. Edson Aguiar de Vasconcelos, DJERJ 20.3.2015)

Há ainda precedentes que, muito embora reconheçam trata-se o tipo do art. 289, do CE, de crime de resultado, entendem que a ausência de efetiva inscrição fraudulenta do eleitor acarretaria atipicidade da conduta:

“Recurso Criminal. Inscrição fraudulenta. Eleitor. Declaração falsa para fins eleitorais – Art. 289 da Lei 4.737, de 15/7/1965 (Código Eleitoral). Ação julgada procedente. A fraude consistente na apresentação de documento particular com finalidade de obter inscrição eleitoral. Transferência eleitoral não realizada. Ausência de potencialidade lesiva. Atipicidade da conduta. Absolvição, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. (…).” (TRE/MG – REL 805.267, Rel. Maurício Torres Soares, DJEMG 21.10.2010)

“Na linha dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, constituindo o tipo do art. 289 do CE (inscrição fraudulenta) crime de resultado, o indeferimento da transferência eleitoral pretendida impõe a reforma da sentença, uma vez que o delito não restou configurado.” (TRE/PB – REL 2.597, Rel. Tércio Chaves de Moura, DJE 17.2.2014)

Uma análise do tipo penal evidencia que o crime positivado no art. 289, do CE não é formal – o que revela o desacerto da primeira corrente jurisprudencial –, mormente porque o núcleo do tipo do art. 289, do CE, consiste em “inscrever-se o eleitor fraudulentamente” e não em “apresentar documentos com o a finalidade de inscrição fraudulenta“.

Assim sendo, entende-se que a não realização efetiva da inscrição não pode, em hipótese alguma, implicar em consumação do crime. Em outros termos, o delito somente restaria consumado com a efetiva inscrição, somada à finalidade eleitoral espúria, que poderia ou não ocorrer.

Quando a inscrição fraudulenta se dá mediante a apresentação de declaração ou documento falso sem potencialidade lesiva de ludibriar os serventuários responsáveis pela inscrição, aplica-se a regra do art. 17, do CP, reconhecendo-se o crime impossível, com a consequente absolvição:

“A hipótese prevista no art. 350 do Código Eleitoral, qual seja, inserção de declaração falsa em documento público ou particular, enquadra-se na categoria de “crime meio”, pela qual se objetiva alcançar um resultado, também ilícito, e, portanto, tipificado como crime, que no caso dos autos, revela-se pela conduta prevista no art. 289, ou seja, inscrição fraudulenta. Detecção, pela justiça eleitoral, do ardil que pretendia utilizar o recorrente. A transferência eleitoral sequer foi iniciada. O estratagema documental, que pretendia implementar o recorrente, não teve potencialidade para enganar, ocorrendo, in casu, a hipótese de crime impossível, prevista no art. 17 do Código Penal, quando nem mesmo a tentativa é punida, haja vista a ineficácia do meio empregado.” (TRE/SC – REL 3, Rel. Samir Oséas Saad, DJE 10.7.2009)

E por fim, nas hipóteses em que o crime é praticado através da apresentação de documentos falsos – muito embora exista posição minoritária no sentido da existência de relação meio-fim entre o falso e a inscrição fraudulenta –, tem-se entendido majoritariamente que o agente responde em concurso pelos crimes de inscrição fraudulenta e uso de documento falso:

“A realização de inscrição fraudulenta como eleitor, por meio de documentos falsos, é vedada pelo tipo penal inserto no art. 289 do Código Eleitoral, não havendo ainda que se falar em consunção pelo crime de uso de documento falso, eis que os delitos ofendem bens juridicamente distintos.” (TRE/PR – PROC. 9.943, Rel. Andrea Sabbaga de Melo, DJ 31.8.2012)

Na próxima coluna seguimos com a análise das demais modalidades de fraudes eleitorais!

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Bruno Milanez

Doutor e Mestre em Direito Processual Penal. Professor. Advogado.

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