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Instauração de inquérito penal pelo Poder Judiciário

Instauração de inquérito penal pelo Poder Judiciário

No dia 14 de março de 2019, por meio da Portaria GP nº 69, o Min. Dias Toffoli, Presidente do Supremo Tribunal Federal, instaurou, de ofício, com base no art. 43 do Regimento Interno da Corte, o inquérito penal nº 4.781 para apurar a responsabilidade penal dos envolvidos na divulgação de notícias falsas (fake news), bem como de outras condutas criminosas que estariam atingindo a honra e a segurança do STF e de seus membros.

Diante disso, o tema central gerou controvérsia, porque a referida medida adotada pelo Min. Presidente, segundo grande parcela da doutrina, estaria em desacordo com o sistema processual penal acusatório e a Carta Maior.

O sistema acusatório, inquisitório e misto

Em suma, pode-se dizer que o sistema penal acusatório se caracteriza, principalmente, pelo fato do juiz não centralizar as tarefas de acusação, defesa e julgamento, além de o magistrado ter o dever de observar o contraditório e a ampla defesa do acusado. Trata-se de sistema no qual o juiz não deve agir de ofício, mas sim, quando provocado pelas partes, ou seja, um sistema democrático, em que o juízo ouve as partes e depois decide sobre a culpabilidade do réu com base nas provas apresentadas (AVENA, 2019, p. 08).

Por outro lado, AVENA (2019, p. 08) descreve o sistema inquisitório como arbitrário, pois, via de regra, o juiz concentra as tarefas de acusar, defender e julgar. Trata-se de sistema sem garantias constitucionais, no qual o juiz pode, inclusive, processar os indivíduos de ofício. Por fim, no que tange à sistemática processual penal, há, também, o sistema misto, sendo uma mistura do sistema acusatório com o inquisitório.

O sistema processual penal adotado pela Constituição Federal de 1988

De fato, não há consenso absoluto sobre qual sistema processual penal teria adotado a Carta Política de 1988, embora a ampla maioria dos juristas assentem que o nosso sistema penal é o acusatório.

No entanto, o que se pode dizer, indiscutivelmente, é que o nosso sistema não é o inquisitório, já que a Carta Cidadã prevê garantias constitucionais aos cidadãos e distribui as funções da justiça em diferentes órgãos, sendo o Ministério Público o titular exclusivo da ação penal pública.

Ademais, verifica-se que o nosso ordenamento jurídico constitucional não faculta ao Poder Judiciário a instauração de inquérito penal ex officio, uma vez que, certamente, caso fizesse, ficar-se-ia, inequivocamente, vinculado a uma decisão completamente imparcial e, por consequência, tornar-se-ia um sistema inquisidor pela circunstância de centralizar as funções de investigar e julgar.

Portanto, depreende-se que a Constituição Federal de 1988 adotou o sistema penal acusatório, típico de uma democracia, tendo todas as pessoas, sejam brasileiras ou estrangeiras, garantias constitucionais contra qualquer poder arbitrário do Estado, de modo a ser necessário, em qualquer processo penal, um órgão acusador, defensor e julgador, salvo nas ações penais privadas.

Conclusão

Não se pode olvidar que o Min. Presidente da Suprema Corte cometeu um equívoco ao instaurar o inquérito penal nº 4.781, malgrado o art. 43 do Regimento Interno da Corte ampare tal procedimento. Além disso, não há dúvidas de que o Poder Judiciário não pode investigar e julgar o mesmo processo. Até porque, se pudesse, estaríamos diante de um sistema

processual penal inquisitório/ditatorial, sem garantias constitucionais e a mercê de um poder ilimitado. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu direitos e garantias fundamentais, instituindo funções essências à justiça em diferentes órgãos, razão pela qual não se pode aceitar que o Poder Judiciário exerça a função de investigador e julgador ao mesmo tempo.

Deve-se ressaltar, ainda, que o art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal não foi recepcionado pela Carta da República do Brasil, porque infringe preceitos fundantes do Estado Democrático de Direito exposto no próprio preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Portanto, a instauração de inquérito penal ex officio pelo presidente da Suprema Corte é incompatível com a Constituição Federal de 1988, porquanto viola o sistema processual penal acusatório e usurpa as funções institucionais do Ministério Público.


REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto, Processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2019.


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