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Instinto materno, infantícidio e útero artificial

Instinto materno, infantícidio e útero artificial

O ser humano não é apenas aquilo que a biologia atrelada ás crenças culturais têm determinado, o ser humano é mais que uma época dimensional.

A biotecnologia evolui, entretanto, conceitos estruturais e místicos permanecem impregnados no seio social, o que impede debates aprofundados no que tange a vida, planejamento familiar, direitos reprodutivos e alterações dos significados de maternidade, paternidade e equilíbrio parental.

Discussões sobre o aborto e início da vida são feitas ao arrepio, e sem atender verdadeiramente toda a sociedade, sem debates inteligentes e sem propostas com real benefício, e apresento-lhes então uma nova hipótese que parece ficção cientifica, mas está bem próxima, útero artificial.

A maternidade carrega simbologias religiosas e místicas, construídas com o somar das épocas, história e necessidade. Contém ainda a influência hormonal natural, da própria modificação do corpo durante a gravidez e após, até o seu retorno ao estado anterior, retorno esse que nem sempre acontece, e quando os hormônios se encontram em completa desregulação podem levar ao estado puerperal, depressão pós-parto e prática do crime de infanticídio, que serão abordados na derradeira produção.

A utilização do útero artificial também poderá ser utilizada para o salvamento de espécies animais em extinção, bem como na fecundação ab initio através da fertilização in vitro, todavia o objeto da pesquisa se restringirá a utilização do útero artificial como substituto da gravidez natural, ou seja, um útero complementar para a viabilidade de vidas que seriam descartadas nas práticas abortivas, legais ou não.

Para a viabilidade do útero há enormes desafios a superar, mas os principais não se encontram na ceara biotecnológica, mas social, com possibilidades inimagináveis de redescrições de papéis e estereótipos, tal como a necessária desvinculação da bioética com os experimentos nazistas e outras perversões contrárias a humanidade e a vida sadia.

Instinto materno, infantícidio e útero artificial

É oportuno destacar que o livro “Útero artificial: uma solução para o fim das práticas abortivas” não tem por finalidade exaurir a matéria, mas instigar reflexões e entendimentos além do senso comum, com o fim de desencadear transformações no ordenamento jurídico benéficos a toda a população, e hoje, resolvi abordar o instinto materno e a história do crime de infanticídio, que tudo tem a ver com o direito criminal, direitos humanos, e a necessidade de novas definições de vida, ser humano e crime de aborto.

Instinto materno

Identidade da mulher e maternidade são duas coisas muito difíceis de separar. A maternidade tem um peso muito grande na construção de nossa identidade individual e social, independentemente de ser exercida a função materna. […] Somente nós, mulheres, engravidamos, temos a capacidade de gerar filho! Isso significa um poder imenso perante a humanidade e uma experiência muito importante na vida das mulheres. (SECOLI; SANTIN, 2000, p. 14 e 33)

O instinto materno é uma construção cultural e não um impulso animal. Embora o corpo feminino possa gerar uma vida após a fecundação do óvulo, não existe impulso de amar e tampouco de ser mãe, como existe nos animais não humanos.

Um animal não planeja ter filhos, não desenvolve expectativas, não imagina como será, apenas procria, e tampouco os animais são ensinados a amar as crias, diferentemente das mães humanas, em que são estimuladas ao cuidado e afeto aos seus descendentes – exemplo claro é a tipificação do crime de abandono de incapaz (artigo 133, Código Penal).

Ao contrário de outros primatas, as mulheres imaginam antecipadamente como será dar a luz e ser mãe. Suas expectativas não se baseiam somente nas experiências que elas próprias tiveram nem na observação de outras mães e no convívio com os bebes delas, mas também no que outros lhes contam a respeito do que deve ser. (HARDY, 2001, p. 185)

No reino animal os mamíferos rejeitam os filhos, matam ou permitem que outros matem, e ausentes de leis morais e legais, as mães humanas não fariam exatamente o mesmo? No século XVI e XVI, na França por exemplo, a prática de infanticídio era comum, conforme relatório polícia de 1780 apresentado por Elisabeth Badinter:

Das 21 mil crianças que nascem anualmente em Paris, apenas mil são amamentadas pela mãe. Outras mil, privilegiadas, são amamentadas por amas-de-leite residentes. Todas as outras deixam o seio materno para serem criadas no domicílio mais ou menos distante de uma ama mercenária. São numerosas as crianças que morrerão sem ter jamais conhecido o olhar da mãe. (BADINTER, 1985, p. 68)

Infanticídio e seus períodos: atual, greco romano e Idade Média  

O crime de infanticídio (artigo 123, Código Penal) significa a atitude da genitora em findar a vida do filho em decorrência de alterações hormonais e psíquicas, denominada estado puerperal, o que faz desse crime um homicídio privilegiado.

Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de dois a seis anos.

Entretanto, ao longo da história as justificativas se alteraram, e o que era comum e ausente de tipificação, em época posterior tornou-se a ser aceito para preservação da moral, e modernamente cedeu espaço a aspectos psicológicos.

No período Greco-Romano a figura paterna era a hierarquicamente superior e que determinava os direitos de cada membro da família, inclusive os que viveriam ou não, seja por má-formação genética, problemas de saúde, ausência de vinculo biológico, crise de alimentos e outros. A posteriori o pai ainda decidia sobre a vida, porém restringiu-se a licitude da época, que consistia na decisão de cinco vizinhos, chamado de consilium domesticum.

Em 318, a Constituição de Constantino criou a figura do parricídio, em que o homem que matasse o filho poderia receber punição, entretanto o poder ainda era do pai, e a mãe que matasse o filho receberia a punição de pena de morte, conforme a Lei das XII Tábuas, logo, tratamento diferente aos genitores.

Quer dizer, no período Greco Romano há dois momentos, o primeiro em que o pai exercia total direito sobre a vida e morte dos filhos, e o segundo, com o surgimento do cristianismo, em que ocorre o tolhimento do direito de matar os descendentes, pois só caberia a Deus a retirada da vida.

Na Idade Média a criança adquire alma, conforme ensinamentos cristãos, e por esse motivo as mulheres recebiam punições mais severas, conforme a Constitutio Criminalis Carolina, ordenação de Carlos V, 1532:

As mulheres que matam secreta, voluntaria e perversamente os filhos, que delas receberam vida e membros, são enterradas vivas e empaladas segundo o costume para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isso comodidade de água, onde, porém, tais crimes se dão frequentemente, permitimos, para maior terror dessas mulheres perversas. Que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que antes da submersão, a malfeitoria seja dilacerada com tênares ardentes” (MARQUES, op cit. HUNGRIA, 1991, p. 171)

Para evitar a punição, as mulheres buscaram alternativas, como falar que a ocultação da gestação pode ter levado a morte ainda no útero, e que a criança veio ao mundo sem vida, e na ausência de provas recebiam uma sentença absolutória. O que posteriormente mudou com a determinação de Henrique II, em que a mera ocultação da gravidez e a consequente morte da criança eram suficientes para caracterizar o crime de infanticídio.

Foi no período do Iluminismo em que a sanção pela prática do crime foi abrandada, beneficiando as mulheres com a figura do homicídio privilegiado, decorrente de motivos de sobrevivência, doença, deformidade e principalmente honra e reputação – materna e familiar. O Código Penal austríaco, de 1803 foi pioneiro na presente tipificação, entretanto, apenas no século XX é que foi reconhecido o estado puerperal propriamente dito, em que as condições internas e também externas a mãe teria aptidão para causar a semi-imputabilidade desta.

Gerar filhos físicos reais está colocando em oposição ao poder de desenvolver o filho psíquico interior, que acredita ser imortal porque está além dos condicionamentos deste mundo, existindo de fato, num reino diferente do universo externo ou visível. O desejo de ter um filho está em conexão com o desejo universal da imortalidade. (HARDING, 1985, p. 307) 

Então o que seria o instinto materno, senão uma imposição social ou vontade de algumas mulheres pela dominância em manter vivo seus genes no mundo? Instinto materno é a tradução do estereótipo feminino de sensibilidade e afeto criados para manutenção da ordem social.


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