A banalização das interceptações telefônicas nos crimes de tráfico de drogas
Fala moçada! Mais uma coluna entrando no ar hoje e tratando do tema das interceptações telefônicas. Surgiu a ideia de escrever sobre esse tema após uma conversa que tive com meu irmão e sócio de escritório, Dr. Gustavo Nagelstein, quando estávamos debruçados em um gigantesco processo de tráfico de entorpecentes, onde uma família inteira estava presa com base em interceptações telefônicas totalmente ilegais.
Peço licença a você, meu amigo leitor, para dividir as dificuldades e intranquilidades sobre o tema.
Toda pessoa tem o direito à intimidade, garantido na Constituição Federal, como podemos contemplar no artigo 5º, X, onde diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Estamos trabalhando em nosso escritório frente a um processo criminal onde as escutas telefônicas se iniciam sem autorização judicial, feitas por um longo período e que hoje foram confirmadas como lícitas por um grupo de desembargadores criminais que citam jurisprudências dos nossos Tribunais Superiores para chancelar essa terrível ilegalidade.
Estamos relativizando direitos importantes, esquecendo que o processo penal foi feito para garantir direitos ao réu; estamos esquecendo que foi o opressor de ontem é o oprimido de hoje frente à força estatal, que lhe retira bens já na fase policial (cautelares reais e outras medidas assecuratórias), bem como se tem suprimida a liberdade de alguém (prisões preventivas), por tempo indefinido, conforme for conveniente à instrução processual criminal.
Não se investiga no Brasil. Tenho observado que grande parte de condenações em crimes de tráfico de entorpecentes são feitas com base em interceptações telefônicas e nada mais.
A própria Lei 9.296/96 dispõe que a interceptação telefônica é o último meio probatório a ser buscado pela autoridade policial, no entanto, vemos ocorrer totalmente o contrário: processos com escutas telefônicas apenas, sem perícias de confirmação de voz, onde as únicas testemunhas dos autos são os próprios policiais que interpretaram e transcreverem os diálogos ao seu modo ou seja ao “arrepio da lei”.
E o que mais me causa espanto é ver tribunais inferiores e superiores confirmando essas terríveis ilegalidades, usando o argumento de que o tráfico de drogas realizado com elevado grau de sofisticação permite que esses tipos de provas sejam licitas, não contaminado os autos do processo.
No processo em que estamos trabalhando, a meu modo de ver, ele seria totalmente NULO. Além das prisões, vemos pessoas perderem todo o seu patrimônio inteiro.
Até parece que essas pessoas se dedicaram à traficância durante sua vida inteira. Tudo é retirado desses acusados (patrimônio e liberdade) com base em procedimentos fraudulentos que são confirmados por aqueles que deveriam preservar as garantias constitucionais do acusado.
Não adianta: o direito penal do inimigo contaminou nossos tribunais e agora se salvem quem puder.
A impressão que tenho é que cada julgador faz seu próprio CP, CPP e CF. Deciosionismo puro. Tudo é justificado quando melhor convém para aquele julgador ou grupo de julgadores, inclusive, deixar passar uma prova ilícita em favor da garantia da ordem pública e pior. Como trazer de volta a segurança jurídica que nos foi retirada?
Não vejo com bons olhos o futuro do processo penal no Brasil. Muito ódio, decisões equivocadas tomadas para agradar a população sem nenhuma técnica jurídica fazendo aquele “jogo para a torcida”.
Mais uma vez, quero deixar claro que, como advogado criminal que sou com muito orgulho, não desejo benefícios algum para o meu cliente. Apenas gostaria que as regras processuais fossem mantidas.
O que vale para um vale para todos. É inegável que o tráfico de entorpecentes é muito mal visto pelos julgadores, no entanto, não podemos relativizar direitos dependendo do crime que está sendo julgado.
Eu fico, às vezes, pensando nessas grandes apreensões da policia federal, citando, como exemplo, que, se toneladas e mais toneladas de drogas são apreendidas, é certo que outras toneladas vão abastecer as ruas e quem mantém o tráfico de entorpecentes no Brasil? O cara pobre da periferia? Claro que não.
O tráfico é mantido pelo grande número de usuários “ocasionais” de finais de semana, classe média e alta, que trabalham a semana inteira e se libertam nas festas embaladas por tóxicos.
O que precisamos, urgentemente, é de uma política de drogas. Acredito que a melhor saída é liberação dos entorpecentes, tomando o governo a frente do comércio, cobrando impostos e deixando o indivíduo decidir onde vai colocar seu nariz ou se vai dar um “dois”.
Perdemos a guerra para o tóxico, mas isso é um assunto para outra coluna!