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Interrogatório como meio de defesa, primordialmente

Interrogatório como meio de defesa, primordialmente

Interrogatório pode ser conceituado como o ato de a autoridade policial no âmbito de inquérito policial ou a autoridade judicial, já em fase de processo, questionar determinada pessoa sobre fatos anteriormente cometidos, e que lhe são imputados.

Vale dizer que a lei divide o interrogatório em duas partes, o interrogatório de qualificação e o interrogatório de mérito, conforme se verifica nos §§1º e 2º do artigo 187, do Código de Processo Penal, sendo que a análise a ser feita se dará em relação ao interrogatório de mérito.

A importância em aferir a natureza jurídica do interrogatório é enorme, mas primeiro se deve saber conceituar natureza jurídica, que é um conceito que viabiliza saber qual é a razão de ser de tal instituto jurídico, ou seja, o que a lei quis dizer ao criar tal norma, e ainda mais, propicia-se conhecer qual a essência da norma.

A natureza jurídica do interrogatório possui profundas divergências entre os maiores doutrinadores das ciências criminais no Brasil, inclusive com a manifestação do Superior Tribunal de Justiça e do Excelso Pretório. Existem quatro entendimentos a respeito da natureza jurídica deste ato, que são:

  1. Interrogatório como meio de prova;
  2. Interrogatório como meio de defesa;
  3. Interrogatório como meio de prova e de defesa, indistintamente; e
  4. Interrogatório como meio de defesa, primordialmente.

A primeira posição analisa onde se insere o interrogatório dentro do Código de Processo Penal, observando que se encontra no título VII, denominado: Da Prova, especialmente no capítulo III: Do interrogatório do acusado. Sendo assim, para os defensores desta, o interrogatório é simplesmente uma prova em espécie.

Os apoiadores do interrogatório como meio de defesa já começam a fazer uma interpretação mais profunda, ou melhor, uma interpretação sistêmica sobre a matéria, aqui nasce a autodefesa do réu (artigos 189 e 190 do Código de Processo Penal), que possui como corolário o seu direito ao silêncio, que não pode ser interpretado em seu prejuízo, conforme previsto no parágrafo único, do artigo 186, do Código de Processo Penal, bem como no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição da República. Dessa forma, para os que se filiam a esta corrente, o interrogatório não pode ser considerado como meio de prova, ainda que o legislador ordinário tenha o inserido no título referente as provas do processo.

Os defensores do interrogatório como meio de prova e de defesa estão na frente, pelo menos em quantidade de adeptos, ou seja, é a posição majoritária na doutrina, sendo o entendimento dos tribunais superiores.

Essa natureza mista apontada por grande parte dos juristas encontra guarida no fato de que tanto o acusado pode se valer de aderir ao silêncio, ao ser interrogado, como, o juiz, tem o dever legal de fazer perguntas obrigatórias ao interrogado, conforme prevê os incisos do artigo 187, §2º, do Código de Processo Penal, bem como, a possibilidade existente de as partes realizarem perguntas ao interrogado. 

Assim, essa inteligência seria a junção dos dois entendimentos acima trazidos, ou seja, o acusado tanto pode utilizar o ato processual para se defender, ou, ficar calado, sendo assim um meio de defesa. Mas também é meio de prova, pois o que será dito pelo interrogado, caso decida falar, valerá como prova para o processo, podendo por este meio, o magistrado fundamentar seu decisum.

A posição final é de que o interrogatório é meio de defesa, primordialmente, e em segundo plano, meio de prova, sendo que aqui é o lugar em que me coloco, para isso, devo negar com veemência o primeiro entendimento trazido, qual seja, aquele que fundamenta o interrogatório como meio de prova simplesmente pela “posição topográfica” dele no Código de Processo Penal. 

A partir de então, é possível fazer uma análise axiológica com base na Carta Magna, que claramente privilegia o direito do preso de ficar calado, conforme artigo 5º, inciso LXIII. Ora, se o interrogando fizer uso de seu direito de permanecer calado, não há prova para ser usada pela parte, e muito menos, valorada pelo juiz, a respeito deste ato.

À luz do Código de Processo Penal, o investigado/acusado pode ser obrigado a comparecer em seu interrogatório ou não. Tanto na esfera policial, quanto na instrução criminal, o comparecimento é obrigatório, no entanto, na segunda fase do procedimento do Júri, não existe obrigação do réu solto comparecer ao julgamento para ser interrogado.

Interpretando o artigo 260, caput, do Código de Processo Penal, que versa sobre a condução coercitiva do acusado para o interrogatório, dentre outros atos,  verifica-se, ser, o interrogatório obrigatório, no entanto, somente são imprescindíveis o ato de propiciar o interrogatório ao réu, ou seja, intimá-lo é obrigatório, comparecer ao ato, também, mas ele aceitar ser interrogado (interrogatório de mérito) faz parte de sua faculdade.

O procedimento da segunda fase do Júri, avança ainda mais no entendimento, conforme artigo 457, do Código de Processo Penal, isso porque o princípio constitucional da plenitude de defesa no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, possibilita que o pronunciado, solto, não compareça no dia de seu julgamento perante o Tribunal popular do Júri, não obstando o seu julgamento, fortificando o entendimento de ser o interrogatório primordialmente meio de defesa, uma vez que se o acusado não quiser participar do julgamento, não oferecendo sua autodefesa, assim é possível, sendo uma escolha de defesa. 

Assim, para ser meio de prova, indubitavelmente, é necessário que o interrogando assim o queira, respondendo as questões que lhe são postas, no entanto, é essencialmente meio de defesa, isso porque qualquer que seja a atitude do acusado, em ser interrogado ou não, será firmado em seu direito de defender-se.

Não havendo o exercício do direito de defesa pelo interrogado (autodefesa), não há prova a ser colhida em seu interrogatório. Assim, a natureza jurídica do interrogatório é hibrida, mas pendente ao direito de defesa que dá azo ao meio de prova, sendo este, limitado ao agir do interrogado. Portanto, querendo o acusado provar em seu interrogatório que não cometeu o crime, deve antes, utilizar de seu direito de defesa, que lhe é inerente.


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