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Intervenção de terceiro no processo penal: assistente da defesa


Por André Nicollit


Inicialmente, importante assentar que encaramos o Processo Penal sob uma ótica garantista, mais precisamente como uma garantia fundamental. Não é por outro motivo que o constituinte originário fez inserir no art. 5º, inc. LIV, da Constituição da República de 1988 a cláusula do due process of law, de onde se extrai: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Partindo dessa premissa, é necessário que se extraia de todos os enunciados normativos contidos no Código de Processo Penal normas que encontrem seu fundamento de validade na autoridade constitucional, ou seja, que todas as normas extraídas sejam respaldadas pelos princípios e regras insertas na Constitucional e mais que isso, que estas e as suas interpretações estejam comprometidas com a construção do projeto constitucional.

Como se sabe, o nosso Código de Processo Penal prevê em seu art. 268 uma hipótese de intervenção de terceiros nas ações penais públicas, qual seja: o assistente de acusação. Sabe-se também que o assistente de acusação não é titular do direito de punir tampouco do direito de liberdade, sendo sua atuação legitimada por interesse jurídico.

Sustentamos, por isso, que tal intervenção de natureza acusatória tem como escopo a garantia, ao final do processo, da formação do título executivo judicial. Formado o título, será possível buscar a reparação civil em decorrência da prática delituosa por meio de execução cível. É por isso que a finalidade da atuação assistencial não é auxiliar o órgão ministerial de maneira meramente vingativa, mas sim buscar uma condenação que atenda aos seus anseios particulares. É assim pois o processo penal é uma garantia e não comporta vingança.

Por fim, quanto a esta modalidade de intervenção, mister que se destaque que não há possibilidade de intervenção na fase inquisitorial, só sendo cabível seu ingresso no feito após o recebimento da denúncia pelo órgão judicial.

Como o processo penal é um processo de garantia e uma das garantias do acusado é a paridade entre acusação e defesa, à luz do princípio da igualdade sustentamos a tese de que é possível também a intervenção de terceiros como assistente de defesa, ainda que não haja previsão legal de forma geral.

Dissemos de forma geral pois em relação ao advogado já há previsão específica de tal instituto, como se extrai do art. 49, parágrafo único, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei. 8.906/94), que legitima os Presidentes dos Conselhos e das Subseções “para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB”.

Com efeito, a figura do assistente de defesa está expressamente contemplada no ordenamento jurídico, mais precisamente no Estatuto da OAB, e tal possibilidade não se exclui nos casos em que há possibilidade de se vislumbrar legítimo interesse de assistir a defesa de alguém.

À guisa de ilustração, façamos aqui um breve raciocínio. Pensemos no caso de um motorista de uma empresa de ônibus. Quando este motorista estava no exercício de sua profissão, acabou por atropelar um transeunte que atravessa uma via. Tal conduta acabou por submetê-lo ao crivo do processo penal, quando então vem a responder pelo crime de homicídio na modalidade culposa.

Deste breve exemplo, é possível extrair interesse jurídico que legitimaria o ingresso de um assistente de defesa? Sim. A empresa de ônibus do qual o motorista era empregado no nosso raciocínio acima tem interesse jurídico de que seu motorista seja absolvido, provando que o fato se deu por culpa exclusiva da vítima, o que acabaria por elidir sua responsabilidade civil. Assim, poderia requerer seu ingresso como assistente de defesa e gozar dos poderes atribuídos ao assistente de acusação.

Note-se que, diversamente do que ocorre com o assistente de acusação, que não possui interesse recursal para aumentar a pena do indivíduo, uma vez que sua legitimidade se fundana mera formação da sentença condenatória, o assistente de defesa possui interesse recursal mais amplo, pois ao nosso ver poderia recorrer para modificar o fundamento da sentença absolutória.

É só imaginarmos que o suposto acusado tenha sido absolvido por falta de prova, nos termos do art. 386, VII, do CPP e o assistente de defesa deseja que a absolvição seja lastreada na culpa exclusiva da vítima, conforme o art. 386, IV, do CP. No primeiro caso, a responsabilidade civil da empresa permaneceria; no segundo caso, não.

É certo que o tema parece inusitado, porém, cremos necessária a reflexão sobre ele dadas as implicações práticas demonstradas, além da já mencionada necessidade de enxergar o Processo Penal à luz dos princípios consagrados na Constituição da República.

_Colunistas-AnddreNicolitt

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