Intocáveis: a tênue linha entre o estigma e a aceitação
Intocáveis: a tênue linha entre o estigma e a aceitação
A película francesa Intocáveis de 2011, dirigida por Eric Toledano e Olivier Nakache deve ser vista por todos não apenas por ser um ótimo filme com uma excelente história, mas principalmente por trazer as dificuldades e o encontro de vidas antagônicas que se preenchem ao primeiro encontro, realizando uma interação quase improvável, a princípio.
A tênue linha entre o estigma e a aceitação demonstrada na obra evidência de que tudo o que se precisa nessa vida é uma chance.
Driss, personagem do hilário Omar Sy, parte em busca de uma vida alternativa tendo em vista a realidade a qual acostumara-se nas ruas.
Ex presidiário e imigrante em um país reestruturado pelas conturbadas regras de uma comunidade internacional Europeia que parte em busca de uma vigília constante que tem por função assegurar a permanência de fundamentalistas e terroristas fora de suas bordas, travando uma batalha contra o terror e as ameaças incessantes. Esse é o cenário.
Nesse ambiente que Bauman sugere ser a reprodução do medo via uma catarse emocional fincada nas memorias daqueles que tiveram em passado recente encontro com o terror advindo de uma espécie de ódio transcendente (nazismo), qualquer ameaça se torna enfática e real.
Entretanto, a vida segue seu rumo numa Paris multicultural que já viu por entre suas ruas contagiante número de miserables rebeldes e suas barricadas, que serviram para a forçada emigração para países (colônias) subdesenvolvidos, como a Argélia, em meados de 1850, destes sobreviventes da desvalida condição humana que não deveriam pertencer a Paris e por isso dela retirados.
Estas apólices de seguro serviram ao propósito, enquanto o inimigo era visível e facilmente distinguido entre a gente da cidade.
Após a queda da Comuna de Paris (1871), o mesmo esquema revigorou e aos sobreviventes derrotados a Nova Caledônia os aguardava em uma prisão sem muros juntamente a um sentimento apátrida que não abandonaria nunca.
A multicultural França do Vive la difference! e de Benjamin Constant segue o rumo do despejo de seu próprio medo em valas as quais os despejados se encontram numa sentença de morte iminente pelas mãos de fundamentalistas e fanáticos que cometem atos contra a humanidade em nome de sua crença.
Hodiernamente, essa caracterização de uma França aberta aos diferentes após suas Revoluções começou a cair por terra após o medo de ataques advindos dos terroristas que rondavam o mundo e começavam a desestruturar a vida e sua liberdade.
Da mesma forma, a nação de Victor Hugo fechou suas fronteiras e sua essencial característica de igualdade e liberdade, deixando a fraternidade para aquele que não tem medo de se aventurar frente ao estranho.
O estranho vem no personagem Driss.
Esse diferente era mais que estranho. Era também o terror advindo do exterior, o imigrante buscando seu lugar e que já se deparou com a malha penal. É a partir de sua marcação inicial sob o emblema da penalização por um desvio realizado no passado, que ajuda a manter o personagem em seu covil encarcerado em sua estigmatização.
Mas Driss teve uma oportunidade que agarrou com força e vontade; uma chance de redenção seja lá do que for, a conveniência de uma vida nova.
A história sensacional de amizade incondicional entre os personagens do filme Intocáveis, que também são protagonistas da vida real, divide em duas formas de configurar um problema premente: a tênue linha entre o homem estigmatizado e a sua aceitação por um lado, e por outro, a possibilidade de uma real inserção ao verdadeiro significado da palavra cidadania.
Ao estrangeiro em país diferente, a pretensão de cidadania esbarra em uma enorme tradição histórica de receios infundados por parte dos estabelecidos, quando as chances estão sempre contra o novo morador.
O receio da tomada de seus lugares na mesa e nas primeiras filas da igreja na missa de domingo é infundada, bem como a participação na força que se chama Estado, que não deveria se atrever a atender estrangeiros em detrimento dos nacionais, confirmando a falácia.
Cidadania e seu conceito muito amplo nada significa sem o verdadeiro significado de soberania individual e a possibilidade de interação e alteridade, em seus conceitos mais básicos.
Essa independência (soberania citada acima) assusta os estabelecidos de forma a manter a estigmatização e a marcação cerrada, tanto dos órgãos de controle quanto aqueles que deveriam prestar apoio social para o desenvolvimento dos novos cidadãos aceitos (ao menos documentalmente) em novo País.
Mas não ocorre dessa maneira.
Driss foi a diferença devido a uma oportunidade que bateu a sua porta, a chance de uma vida nova que disporia a ele conhecimentos e educação, experiência e encontro com a classe estabelecida que não o julgaria por sua cor ou por seu estigma nato de estrangeiro.
Ao agarrar tal brecha que se abria a sua frente, Driss percebeu que o mundo poderia trata-lo como igual e que reinaria a aceitação em sua vida.
O filme Intocáveis, baseado em uma história real, mostrou que cada um de nós precisa de uma chance na vida, mas que para o estigmatizado e rotulado por diversos motivos, entre eles, o medo do diferente e do estranho, essa chance poderá ser a última que terá na vida.
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