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Invasão de dispositivo informático (art. 154-A, CP) e o STJ (Parte 2)

Seguimos hoje a análise do delito de invasão de dispositivo informático (art. 154-A, CP).

Na nossa última reflexão estávamos a tratar do julgamento do REsp 1461946, de relatoria do E. Ministro do STJ, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, publicado em 29/04/2016, onde apontamos ao leitor os dizeres do E. Julgador que em sua decisão afirmou que “a conduta atribuída ao réu não constitui delito informático, mas sim crime patrimonial”, diferenciando, no nosso entender, o delito informático do delito patrimonial.

Esboçamos, resumidamente as correntes doutrinárias existentes acerca do bem jurídico protegido pelos delitos informáticos, remetendo, o colega, ao nosso artigo publicado neste canal em 11/05/2016 e propusemos a continuação dessa reflexão na coluna de hoje.

Pois bem, partindo da tripartição da doutrina, por nós apresentada, ao analisarmos o julgado do STJ podemos entender que houve um posicionamento favorável à tese de que o bem jurídico protegido pelos delitos informáticos é um novo bem jurídico e supraindividual, sendo, portanto, bem jurídico a própria segurança informática ou o próprio sistema informático em si, pois que, nas palavras do Ministro “a conduta atribuída ao réu não constitui delito informático, mas sim crime patrimonial”, ou seja, o delito informático não se configura crime patrimonial.

Não obstante discordemos desse entendimento o que nos cabe levantar aqui é a tendência que se verifica no julgado do STJ e que pode refletir na forma de se interpretar o bem jurídico protegido pelos delitos informáticos, vez que, nos parece que o Ministro Relator claramente diferenciou e apartou crime informático de crime patrimonial.

Insta destacar que, por força da S. 7 do próprio STJ, não houve uma análise acurada da questão aqui levantada, sendo que, como dissemos, as palavras do Ministro indicam uma tendência a ser melhor aprofundada quando do julgamento mais aprofundado dessa questão, sendo que, o destaque trazido do acórdão recorrido merece reprodução para deixar ainda mais claro essa tendência percebida:

Em relação à possível aplicação da Lei n. 12.737, a qual acrescentou o art. 154-A ao CP, mostra-se completamente desarrazoada. Ora, é de conhecimento notório que a norma em questão, conhecida popularmente como “Lei Carolina Dieckmann”, possui o claro e especifico intuito de tipificar e reprimir aqueles delitos ditos informáticos. Entretanto, tem-se que a conduta imputada ao réu constitui, flagrantemente, crime de cunho patrimonial, muito mais grave e sem qualquer semelhança com as abarcadas pelo art. 154-A. Na realidade, o delito do art., 154-A do CP é crime meio para a consumação do furto, sendo’ por este absorvido (excerto do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região na Apelação Criminal n. 6.810/PE – 2007.83.08.001065-4) (destacamos)

Nesse passo, de se ver que apesar de entender o Tribunal que o artigo 154-A estava sendo absorvido pelo crime de furto, ele, em si, não poderia afigurar-se autonomamente como crime patrimonial, pois que o referido tipo penal “possui o claro e especifico intuito de tipificar e reprimir aqueles delitos ditos informáticos” e a conduta do réu, por sua vez, “constitui, flagrantemente, crime de cunho patrimonial, muito mais grave…”.

Ainda nessa linha ficamos a refletir sobre a ponderação – nada ponderada – feita pelo Desembargador ao afirmar, genericamente, que o crime de furto é muito mais grave que o crime de invasão de dispositivo informático. Nos perguntamos com base em que houve por bem o julgador aduzir tal certeza…

O fato de estar topograficamente incursos em títulos diversos no texto do Código Penal não deveria fazer com que um tipo fosse “mais grave” que outro, já que todos são considerados crimes para a lei e para a atual configuração social. A gravidade de cada crime é que deveria ser medida e não a gravidade comparativa entre tipos…

Em tempos de julgamentos “estranhos” e decisões “perigosas”, continuaremos acompanhando a evolução desse entendimento, pois que nos soa estranho afirmar que um tipo penal que prevê como causa de aumento de pena o prejuízo econômico não possa ser considerado um crime patrimonial, pois que, hodiernamente, não somente os bens tangíveis, mas também – e em muitas vezes muito mais – os bens intangíveis compõe o patrimônio dos indivíduos.

Além disso, entendemos temerário afirmar-se, genericamente, que um dado tipo penal, apenas e tão somente por proteger o bem jurídico patrimônio seja “muito mais grave” que outro que, por sua vez, proteja a intimidade, a privacidade ou mesmo a segurança informática…

Somente à título de exemplificação, o furto simples do caput do artigo 155 do Código Penal tem a si cominada a pena de reclusão de um a quatro anos e multa e a invasão de dispositivo informático qualificada é apenada com reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, podendo, caso ocorra uma das hipóteses de aumento de pena previstas no parágrafo 4º do artigo 154-A, chegar a 2 anos e 8 meses de reclusão.

Muito mais grave é haver julgadores generalistas e despreocupados com as minúcias necessárias ao processo que envolve o julgamento criminal de uma conduta humana e a possível retirada ou mesmo o cerceamento da liberdade de um indivíduo…

Ao se tratar do bem jurídico desta forma na seara penal e ao se colocar em relevância o patrimônio individual em detrimento da intimidade e da privacidade do cidadão, nos parece que não fora somente no Executivo que houve uma mudança de mentalidade que pende do social ao capital…se os poderes devem ser harmônicos entre si, nos parece que o Judiciário vem fazendo bem tal harmonização com o Executivo!

Que possamos atravessar a tormenta que se avizinha e encontrar a luz e a bonança após a tempestade anunciada que paira sobre nós nesses tempos confusos…

Boa reflexão a todos! invasão de dispositivo invasão de dispositivo invasão de dispositivo invasão de dispositivo invasão de dispositivo invasão de dispositivo invasão de dispositivo invasão de dispositivo

Dayane Fanti Tangerino

Mestre em Direito Penal. Advogada.

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