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Inverter a ordem de inquiração das testemunhas gera nulidade?


Por Henrique Saibro


A partir da reforma processual trazida pela Lei nº 11.690/08, retirou-se do juiz a função protagonista da instrução, para ter uma função subsidiária, não podendo o magistrado exercer uma postura proativa, “de fazer dezenas de perguntas, esgotar a fonte probatória, para só então passar as palavras às partes, para que, com o que sobrou, complementar a inquirição” (LOPES JR., 2012, p. 651). Trata-se da importação do sistema americano cross-examination.

Portanto, o correto deslinde da audiência de instrução e julgamento consiste na (i) abertura da solenidade pelo juiz, (ii) compromissando ou não a testemunha, (iii) passando a palavra para a parte que a arrolou e, logo após, (iv) caberá à outra parte elaborar as perguntas. Ao final, o juiz poderá (v) fazer questionamentos sobre pontos não esclarecidos no depoimento, em tom exclusivamente complementar.

Frise-se que o julgador continua presidindo o ato, exercendo uma função, além de subsidiária complementar, de fiscalização, como, por exemplo, o de inadmitir perguntas que possam (i) induzir a testemunha à resposta, (ii) não tiverem relação com a causa ou (iii) importarem na repetição de outra já respondida (caput do art. 212 do CPP).

A regra hodierna de inquirição testemunhal possui o condão de alinhar um modelo acusatório de processo penal, neutralizando o magistrado no que tange à produção da prova, evitando-se o risco de tornar-se o magistrado o substituto do Ministério Público (peculiar do sistema inquisitório).

Desrespeitar a ordem de inquirição imposta pelo art. 212 do CPP é afrontar, além da regra infraconstitucional, supedâneos constitucionais, como o princípio do due process of law (art. 5º, LIV, da CF), gerando, pois, a nulidade da audiência de instrução e julgamento, bem como os atos subsequentes à solenidade.

Em suma: as partes iniciam a inquirição e o juiz a encerra.

Por lealdade acadêmica, deve-se deixar claro que a corrente dos tribunais superiores (HC nº 146.374, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe 09/03/2016), vai no sentido de que inversão da ordem de inquirição trata-se de nulidade relativa, devendo o prejuízo vir demonstrado nos autos.

Mas, afinal, o que viria a ser um prejuízo? Sou intransigente neste ponto: forma é garantia e, violando-se formalidades dispostas em lei [como, por exemplo, a ordem de inquirição de testemunhas], o prejuízo é absoluto e, portanto, o ato prejudicial deve ser nulo.

Entretanto, esse não é o entendimento jurisprudencial majoritário. Dada a indefinição do que se trata “prejuízo” na legislação, bem como a inexistência de uma conceituação uníssona dos próprios tribunais, a análise é de caso a caso. O TJ/RS já decidiu, por exemplo, que uma condenação lastreada em depoimentos de ordem invertida seria prova do efetivo prejuízo (ACR nº 70055523815, Terceira Câmara Criminal, Rel. Desembargador Jayme Weingartner Neto, Julgado em 17/10/2013). Mas, frise-se, as causas e os efeitos podem variar de acordo com a vastidão de outros entendimentos.

Enfim, o desrespeito ao sistema cross-examination deve gerar a nulidade da audiência de instrução e julgamento, bem como, consequentemente, dos atos subsequentes à solenidade, dada a violação expressa do art. 212, caput, do CPP – além do art. 5, LIV, da CF (princípio do devido processo legal).

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Henrique Saibro

Advogado. Mestrando em Ciências Criminais. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Compliance.

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