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Investigação criminal e garantias fundamentais do investigado

A nomenclatura da investigação criminal sofre já no momento de se denominar adequadamente o instituto. Parte da doutrina acredita que o nome correto a se dar seria instrução preliminar, pois a finalidade da investigação é atuar como uma fase pré-processual, agindo como um “filtro processual” – separando o joio do trigo.

A finalidade seria juntar elementos informativos mínimos para possibilitar e determinar a justa causa para a ação penal. Outra parte da doutrina enxerga como investigação preliminar. Enfim, fato é que a matéria é pouco trabalhada no âmbito doutrinário e, pior, muito pouco observada na esfera forense.

A doutrina tradicional costuma dividir os sistemas de investigação criminal com base no personagem que assume o papel de gestor da produção probatória. Os sistemas podem ser vistos da seguinte forma:

(1) O sistema de juiz investigador (ou instrutor) remete ao próprio judiciário o papel de protagonista da instrução preliminar. Tal sistema tende a ser abolido onde ainda vive. A figura do juiz investigador é muito combatida pela doutrina moderna. Essa parcela teórica entende que não se pode deixar àquele que julga, o papel de produzir, antes mesmo do processo, a prova, sob pena de juntar, numa única pessoa, o papel de acusador e julgador, o que, por óbvio, tende a manter a decisão final viciada pelo que foi produzido em inquérito por ele mesmo. Sem mencionar a alta probabilidade de quebra das garantias fundamentais por meio da decisão judicial, abusando da figura da instrução. Em suma, “julgador não pode ser jogador”. Por fim, temos que não se pode confiar num sistema em que aquele que define a imprescindibilidade da prova, inclusive com violação de direitos, é quem define a sua legalidade.Esta figura, todavia, ainda subsiste em algumas normas nacionais, como a lei da magistratura, que incumbe ao tribunal no qual o magistrado é acusado de crime;

(2) O sistema de investigação policial, no Brasil, é o mais propagada, inclusive com previsão no CPP. Nesse sistema, a polícia judiciária assume o protagonismo da investigação criminal, a presidência do inquérito incumbe a um delegado de polícia, que deve ser um bacharel em Direito. O delegado tem autonomia para investigar, com liberdade para solicitar diligências, mesmo sem a requisição do promotor, salvo por este tiver sido requisitada.

(3) O sistema do promotor instrutor é adotado em diversos países de cultura jurídica continental, como Alemanha Itália e Portugal. Nesse sistema, considerado por muitos como o melhor deles, dá ao acusador, titular da ação penal, poder de investigação, transformando a polícia judiciária em órgão auxiliar do Ministério Público, inclusive sendo subordinada a este por força de lei. A vantagem deste sistema está na qualificação do membro do parquet, o que permite maior qualidade na produção probatória. Além disso, considerando que o promotor/procurador é titular da ação, a colheita da prova é mais direta e objetiva, com o fim de juntar os elementos suficientes à propositura da acusação. Sem mencionar que o diálogo entre o promotor e o advogado se daria de forma mais equânime. Outro ponto destacável são as garantias dos promotores/procuradores, que, em tese, impedem a pressão política sobre a investigação. Em suma: “Acusa melhor quem investiga. Investiga melhor quem acusa”. O sistema de promotor instrutor também fortalece a figura do magistrado, pois este não se vê diante da investigação, em seu âmago. Ao contrário. O julgador tende a se manter afastado da fase pré-processual, salvo no caso de juiz de garantias.

Não obstante, sem a devida observância das garantias e direitos fundamentais, pouco interessa quem é o investigador, pois o sistema será ilegítimo de pleno direito.

A investigação preliminar não é processo, mas procedimento, pois não segue um rito e tampouco prevê a figura do contraditório, em sua plenitude, ainda que seja possível à parte ter acesso aos elementos informativos já carreados no caderno instrutório. Sem embargo, a novel legislação tem buscado ampliar a participação das partes no inquérito, permitindo, por exemplo, ao advogado propor diligências, inclusive com a oitiva de testemunhas. Esta previsão está insculpida no projeto do novo CPP (projeto de lei n. 8.045/2010).

O inquérito policial, forma mais comum de investigação criminal, tem sua finalidade sob o ponto de vista de duas ordens. A primeira delas é, num juízo de cognição sumária, juntar elementos ínformativos mínimos de autoria e materialidade da infração penal, determinando a justa causa para a ação penal. É na investigação policial que temos a busca do fumus comissi delicti e da justa causa.

A finalidade mediata, derivada da finalidade imediata, alça a instrução preliminar como garantia do acusado, pois, por atuar como filtro processual, tem o condão de evitar acusações infundadas, bem como impor barreiras ao estigma de réu do investigado.

Alguns trabalhos veem uma finalidade oculta no inquérito policial. Entendem que a polícia, por ser uma agência criminalizadora, atua com forte caráter seletivo, atuando apenas contra crimes de “rua”, menos sofisticados. Uma espécie de braço armado do Estado a serviço do poderio político e econômico, selecionando condutas irrelevantes se vistas sob o aspecto transindividual – o que, de certa forma, ainda persiste, basta lembrar que o policial da rua tem está muito mais propenso a criminalizar determinados segmentos sociais.

Todavia, é fato, não podemos prescindir da investigação preliminar, não podemos, no âmbito acadêmico, relegar a sua devida importância. Uma instrução preliminar pode dar azo a uma prisão cautelar, a um bloqueio ou confisco de bens, restrições de direitos. Logo, é de suma importância que nós, juristas, façamos uma nova leitura da investigação, sobretudo no âmbito das garantias fundamentais.

A investigação criminal, em primeiro lugar, deve ser uma garantia do cidadão, jamais da acusação!

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